Meditar as Palavras de Jesus sobre a videira e
os ramos significa refletir sobre a relação que nos une com ele em sua dimensão
mais profunda: Eu sou a vidra; vós, os ramos. É uma relação até mais profunda
que aquela que existe entre o pastor e seu rebanho que meditamos domingo
passado. No evangelho de hoje, descobrimos onde se encontra “a força interior”
da nossa religião (cf. 2Tm 3,5).
Pensemos na realidade natural que deu origem a
esta imagem. O que há de mais intimamente unido do que a videira e seu ramo? O
ramo é um fruto e um prolongamento da videira. Dele vem a linfa que o nutre, a
umidade do solo e tudo o que depois se transforma em uva, sob o calor estival
do sol; se não for alimentado pela videira, ela não pode produzir nada, mas
nada absolutamente: nem um raminho, nem um grão de uva, nada. É a mesma imagem
que São Paulo transmite com a comparação do corpo e dos ,membros: Cristo é a
Cabeça de um corpo que é a Igreja, da qual cada cristão é um membro (cf. Rm
12,4s;1Cor 12,12s). Também o membro, se está separado do resto do corpo, não
pode fazer nada.
Onde está o fundamento desta relação, aplicada
a nós homens? Não contraria nosso sentido de autonomia e de liberdade, isto é,
nosso sentimento de ser um todo e não uma parte? Este fundamento tem uma base
bem precisa que o apóstolo Paulo, com uma imagem tirada da agricultura, chama
de enxerto. No batismo, nós éramos videiras selvagens, fomos inseridos e
enxertados em Cristo (cf. Rm 11,16ss), tornamo-nos ramos da verdadeira vide. Tudo
isto pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5). Entre o ramo e a parreira
há em comum o Espírito Santo!
Qual é, portanto, nosso papel de ramos? João,
como vimos, tem um verbo predileto para expressar esta unidade: “permanecer”
(entende-se, unidos à videira que é Cristo): Permanecei em mim e eu
permanecerei em vós […]; quem permanecer em mim […]. Permanecer unidos à
videira e permanecer em Cristo Jesus significa, antes de tudo, não abandonar os
compromissos assumidos no batismo; não ir para um país distante, como o filho
pródigo, sabendo que se pode separar-se de Cristo com uma decisão de momento,
entregando-se a uma vida de pecado consciente e procurado, mas também pouco a
pouco, quase sem que se perceba, dia após dia, infidelidade atrás de infidelidade,
omissão após omissão, uma incoerência depois de outra, deixando primeiro de
comungar, depois de participar da Missa, depois de rezar, enfim, depois
abandonando tudo.
Permanecer em Cristo significa também algo de
positivo, isto é, permanecer em “seu amor” (Jo 15,19). Primeiro no amor que ele
tem por nós, mais do que o amor nosso por ele; significa, por isso, permitir
que ele nos ame, que nos passe sua “linfa”, que é seu Espírito, evitando
colocar entre nós e ele os obstáculos da autossuficiência, da indiferença e do
pecado.
Jesus insiste sobre a urgência de permanecer
nele fazendo-nos entrever as consequências fatais da separação dele. O ramo que
não permanece unido à videira seca, não frutifica, é cortado e lançado ao fogo;
não serve mesmo para nada, porque a madeira da parreira –diferentemente de
outras madeiras que, cortadas, servem para tantas finalidades, é uma madeira
inútil para qualquer fim a não ser o de produzir uva (cf. Ez 15,1ss). Alguém
pode ter uma vida muito rigorosa externamente, estar cheio de saúde, de ideias,
produzir energia, negócios, gerar filhos e ser, aos olhos de Deus , madeira
árida, material pronto para ser queimado apenas encerrada estação da vindima.
Permanecer em Cristo, portanto, significa
permanecer em seu amor, em sua lei; por vezes significa permanecer na cruz,
“perseverar com ele na prova” (cf. Lc 22,28). Mas não “permanecer” somente,
ficando no estado infantil do batismo, quando o ramo tinha apenas brotado ou
tinha sido enxertado; mas antes “crescer” em relação à Cabeça (cf. Ef 4,15),
tornar-se adultos e maduros na fé, isto é, produzir frutos de boas obras.
Para tal crescimento, é preciso ser podados e
deixar-se podar: podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto (Jo
15,2). O que significa que o poda? Significa que elimina os brotos supérfluos e
parasitários (os desejos e apegos desordenados), para que concentre toda sua
energia numa só direção e assim cresça de verdade. O agricultor fica muito
atento, quando a parreira se carrega de uva, para descobrir e cortar os ramos
secos ou inúteis, para que não comprometam a maturação de todo o resto. É uma
grande graça saber reconhecer, no tempo da poda, a mão do Pai e não se queixar,
nem reagir desordenadamente fazendo-se de vítimas perseguidas nem se sabe de
qual desgraça.
O Salmo 22, com o qual
respondemos às leituras de hoje, expressa o desejo de que todas as nações e
gerações futuras estejam diante de Deus para adorá-lo. Por enquanto os povos
ainda não se arrependeram de suas ações violentas e ainda não praticam a
unidade entre si. Tampouco se consideram irmãos, já que não reconhecem o mesmo
Deus e único Pai.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
Evangelho: Jo 15,1-8
O evangelho de hoje nos mostra os elos que formam a
corrente do amor: o Pai, Jesus, os cristãos. Jesus nos mostrou quanto o Pai nos
ama. Agora somos nós, os discípulos, que devemos mostrar ao mundo quanto
experimentamos do amor do Pai por meio de Jesus. Para isso, é necessário que os
membros da comunidade permaneçam unidos.
A metáfora da videira e dos ramos ilustra bem isso.
Assim como os ramos da videira estão unidos entre si pelo tronco, os cristãos
somente poderão estar vinculados uns aos outros se permanecerem no mandamento
de Jesus, a saber, o amor. A maioria daqueles que se dizem cristãos ainda não
atentou para o fato de que “permanecer em Jesus” não significa se tornar adepto
de doutrinas, mas dar adesão a alguém, a uma pessoa concreta, Jesus. O
mandamento que nos une a Jesus é o amor. O exercício do amor fraterno é o sinal
distintivo do cristão justamente porque é a prova de sua comunhão vital com o
Senhor.
Somente unido ao tronco o ramo pode viver e
frutificar: “sem mim nada podeis fazer” (v. 5). Isso mostra não somente nossa
dependência de Cristo, mas também a vontade dele de nos doar sua própria vida.
E é impossível ter uma vida de comunhão com Cristo, que é o amor encarnado, sem
que se produzam frutos de amor – manifesto não simplesmente pela eloquência ou
pela multiplicação de palavras, “mas por atos e em verdade” (II leitura, v.
18).
I leitura: At 9,26-31
A leitura fala sobre desconfiança e sobre lealdade.
O texto refere-se à chegada de Saulo a Jerusalém e afirma que todos tinham medo
dele, pois não acreditavam que fosse discípulo de Cristo (v. 26). As pessoas
começam a ter dúvidas sobre a sinceridade da conversão do perseguidor. Parece
ser algo extraordinário que a ação de Cristo sobre o principal opositor da
comunidade o tenha feito mudar de vida, por isso é tão difícil acreditar.
A conversão é possível a todos, mas converter-se
não é apenas passagem da incredulidade para a fé, como muita gente pensa. É,
antes de tudo, um exercício de saída do egoísmo para o crescimento no amor. Sob
esse aspecto, a conversão não é acontecimento pontual na vida de uma pessoa,
mas a vida inteira em progresso de santidade.
É comum desconfiarmos que alguém tenha mudado
radicalmente de vida de um momento para o outro, à semelhança do ocorrido com
Saulo. Mas quem realmente fez a experiência amorosa com o Mestre da Galileia
pode ousar dar um voto de confiança e até mesmo um passo na direção do antigo
inimigo da fé, ainda que isso traga dissabores e riscos à própria vida. Assim
fez Ananias, e outros seguiram esse exemplo.
Dado o voto de confiança, a comunidade prossegue
guiada pelo Espírito Santo, anunciando com coragem o evangelho. Ė importante
que Saulo esteja unido aos demais apóstolos e sob a ação do Espírito, que
realiza a comunhão entre os novos irmãos e as testemunhas oculares de Jesus. A
efetivação da missão e o crescimento da comunidade são frutos dessa comunhão.
Tanto a conversão do coração quanto a unidade de todos os membros do corpo, que
é a Igreja, constituem uma única ação do Espírito Santo.
II leitura: 1Jo 3,18-24
Crer em Jesus é amar, afirma a segunda leitura.
Amor que não se confunde com sentimentalismo de novela, mas se traduz em atos
de amor eficaz em favor do próximo. Ė dessa forma que os discípulos mostram que
permanecem em Jesus. A comunidade está sob um novo mandamento. No Antigo
Testamento, o povo de Israel encontrava sua identidade no amor a Deus e no amor
ao próximo como a si mesmo (cf. Dt 6,5; Lv 19,18). O novo mandamento dado por
Jesus é que amemos como ele nos amou (cf. Jo 13,34; 15,12; 1Jo 3,23). Essa é a
verdadeira identidade do cristão.
Para Refletir
No Domingo
passado escutamos o Senhor Jesus, vencedor da morte, Autor da Vida, que nos
revelava com doçura e profundidade: “Eu sou o Bom Pastor” (Jo 10,11). Hoje,
novamente, voltamos nosso olhar para o Senhor, imolado por nós e, por nós, ressuscitado;
escutemo-lo mais uma vez: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o
agricultor!”
Caríssimos,
para compreender esta palavra de Jesus é necessário recordar o povo de Israel,
a vinha eleita de Deus, vinha que o Senhor arrancou do Egito e plantou na terra
santa; vinha que o Senhor cercou de cuidados e de carinho. Vinha que, no
entanto, não deu os frutos esperados! Escutemos as queixas do Senhor pela boca
do Profeta Isaías: “Que me restava fazer à minha vinha que eu não tenha feito?
Por que, quando eu esperava que ela desse uvas boas, deu apenas uvas azedas?
Agora vos farei saber o que vou fazer da minha vinha! Arrancarei a sua cerca
para que sirva de pasto, derrubarei seu muro para que seja pisada… A vinha do
Senhor dos Exércitos é a casa de Israel; e os homens de Judá são a sua
plantação preciosa. Deles esperava o direito, mas o que produziram foi
transgressão; esperava a justiça, mas o que apareceu foram gritos de desespero”
(Is 5,4-5.7). Israel foi a vinha infiel; pois bem, agora surge Aquele que é o
Israel verdadeiro, a verdadeira videira que dá o bom fruto, o fruto doce da
obediência ao Pai até a morte e morte de cruz! Eis, meus caros: Jesus é o
Israel fidelíssimo, a verdadeira vinha plantada pelo Pai. Na obediência e na
fidelidade, ele deu fruto de vida eterna. O salmo de meditação da Missa de
hoje, um trecho do Salmo 21, aquele mesmo que Jesus rezou na cruz e que começa
com a súplica “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” – este Salmo
recorda bem o preço da obediência do nosso Senhor… – Jesus amado, tu és a Vinha
verdadeira! Na obediência ao teu Pai, divino Agricultor, deste para nós fruto
de vida eterna. Morreste, mas estás vivo para sempre! Bendito sejas tu! A ti a
glória!
Caríssimos,
essa Videira viva e verdadeira, plena do Santo Espírito, que é a vida do Pai,
nos vivifica. Foi por nós que Jesus, a Videira, morreu; foi por nossa causa que
ele ressuscitou! Escutemo-lo ainda: Todo ramo que em mim não dá fruto o Pai o
corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto ainda.
Permaneci em mim e eu permanecerei em vós. Como não pode dá fruto por si mesmo,
se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim. Eu
sou a videira e vós sois os ramos”. Eis, amados irmãos, fomos enxertados na
videira verdadeira: em Jesus, somos a Igreja, o novo Israel, a vinha eleita do
Senhor. Somo-lo, porque, pelo batismo, fomos enxertados em Cristo e, agora,
vivemos da sua seiva bendita, que é o Santo Espírito. São João nos disse na
segunda leitura, que sabemos que Deus permanece conosco e nós nele porque temos
o seu Espírito… Que realidade bela e misteriosa: estamos unidos a Cristo de
verdade, de verdade vivemos a sua vida nova, vida que ele adquiriu na
ressurreição. O que o Senhor espera de nós? Que não sejamos como o povo da
Antiga Aliança, que produziu uvas azedas! O Senhor espera de nós frutos doces;
doces da doçura do Cristo que, por nosso amor, fez-se obediente até a morte e
morte de cruz!
Que
devemos fazer para produzir frutos no Senhor? São João nos diz na segunda
leitura que o fruto que podemos produzir é crer no Filho amado e nos amar uns
aos outros, como ele nos mandou. Caríssimos, compreendamos que ser cristão é
viver enxertados em Cristo e nos tornamos ramos da mesma videira. Podemos dizer
a mesma coisa de outro modo, usando as palavras de São Paulo: Cristo é a
Cabeça, nós somos os membros do corpo que é a Igreja. Os membros vivem da vida
da Cabeça como os ramos vivem da seiva que brota do tronco. Compreendeis,
irmãos? A Igreja não é simplesmente a soma dos crentes… Não somos nós que
fazemos a Igreja… Ela nasce de Cristo, ela nos é anterior; e nós, pela graça de
Deus, somos nela enxertados pelo batismo e a eucaristia. Ser cristão é ser
Igreja; e ser Igreja é estar profundamente unido a Cristo e, em Cristo, unidos
uns aos outros. Nunca esqueçamos: vivemos a mesma vida, nutrimo-nos da mesma
seiva: esta vida, esta seiva é o Santo Espírito do Ressuscitado! Fora de
Cristo, que fruto daríamos? Separados do tronco, fora da videira, como
permaneceríamos vivos da vida divina? Como poderíamos produzir frutos de vida
eterna? É permanecendo em Cristo, cabeça e tronco da Igreja, que viveremos da
sua energia, da sua seiva, isto é, do seu Espírito Santo.
Mas,
isso não nos livra das dificuldades. Desde os inícios, a vida dos cristãos é
marcada por provações interiores e exteriores; desde as origens há dificuldades
mesmo entre os irmãos na fé. Recordai, caríssimos, a situação da primeira
leitura de hoje: a desconfiança da comunidade em relação a São Paulo… Então:
tribulações exteriores, tribulações interiores; momentos de dor, momentos de
escuridão… Onde está Cristo? Não é ele a videira? Nele não estamos seguros?
Sim! Mas, não seguros de seguranças humanas! Jesus nos previne no Evangelho de
hoje para as podas da vida, podas que o Pai consente, para que demos fruto de
vida eterna, fruto de uma vida totalmente enxertada em Cristo e, com Cristo, em
Deus: “Todo ramo que em mim não dá fruto o Pai o corta; e todo ramo que dá
fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto ainda”. Eis, caros: batizados em
Cristo, nele permaneçamos enxertados; alimentemo-nos da sua seiva na
eucaristia; suportemos com absoluta confiança nele as podas e purificações da
vida… Se o fizermos, produziremos verdadeiro fruto, fruto de vida eterna. Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário