terça-feira, 14 de abril de 2015

Cruzadas, Inquisição e Guerra contra as Mulheres: é hora de derrubar mitos


Em tempos de terrorismo disseminado por todos os continentes, não faltam afirmações gratuitas de todo tipo, seja para reduzir todos os muçulmanos a farinha do mesmo saco dos terroristas, seja para tentar livrá-los dessa generalização mediante mais generalizações a respeito de outras religiões (de preferência, a católica). Entre os chavões mais batidos, voltam à berlinda as indefectíveis acusações do tipo “Não se esqueça dos atos bárbaros cometidos em nome de Cristo durante as Cruzadas e a Inquisição!", além de reducionismos da ordem do dia, como a assim chamada “Guerra contra as Mulheres”, expressão que está na moda aqui nos Estados Unidos e em boa parte da Europa ocidental.

Mas há fatos históricos que são cuidadosamente deixados de lado a respeito desses três clichês. Vejamos alguns deles.

Será verdade que os cruzados não passavam de saqueadores e vândalos cruéis que distorciam o cristianismo, como afirma a visão popularizada desses episódios da história medieval?

Thomas F. Madden, historiador das Cruzadas e diretor do Centro de Estudos Medievais e Renascentistas da Universidade de Saint Louis, afirma que não. Ele vem travando a sua própria “cruzada de um homem só” para desmascarar os mitos populares sobre as supostas atrocidades patrocinadas pela Igreja católica entre os séculos XII e XVI.

Madden explica que os guerreiros do islã, com enorme energia, começaram a combater os cristãos logo depois da morte de Maomé. E os muçulmanos foram extremamente bem sucedidos nessa empreitada, a ponto de que a Palestina, a Síria e o Egito, que antes eram as regiões mais fortemente cristãs do mundo todo, sucumbiram rapidamente. Até o século VIII, os exércitos muçulmanos já tinham conquistado todo o Norte da África e a Espanha, que também eram, anteriormente, áreas cristãs. No século XI, os turcos seljúcidas conquistaram a Ásia Menor (atual Turquia), que tinha sido cristã desde os tempos do Apóstolo São Paulo. O antigo Império Romano do Oriente, que os historiadores modernos preferem chamar de Império Bizantino, foi reduzido a pouco mais que o território da Grécia atual. Desesperado, o imperador bizantino, cuja sede ficava em Constantinopla (atual Istambul, na Turquia), enviou uma mensagem aos cristãos da Europa ocidental pedindo ajuda para defender os seus irmãos e irmãs no Oriente.

Foi este o contexto que deu à luz as Cruzadas. Elas não foram fruto da imaginação de um papa ambicioso ou de cavaleiros vorazes, mas uma resposta a mais de quatro séculos de conquistas muçulmanas que já tinham dominado dois terços do velho mundo cristão. O cristianismo, como fé e cultura, precisava tomar uma decisão: ou se defendia ou era engolido pelo islã. As Cruzadas foram a estratégia adotada para a reação em defesa própria.
Madden descreve os dois objetivos estabelecidos pelo papa Urbano II para as Cruzadas: resgatar os cristãos do Oriente Médio, que estavam sendo escravizados pelo domínio muçulmano, e libertar dos islâmicos a cidade de Jerusalém e outros lugares santificados pela vida de Cristo. Longe de ser uma distorção do catolicismo, as Cruzadas nasceram do próprio coração da fé, explica o historiador, citando uma carta do papa Inocêncio III aos Cavaleiros Templários: "Vós realizais em atos as palavras do Evangelho: ninguém tem amor maior do aquele que dá a vida pelos seus amigos".

Na execução prática das oito Cruzadas, aconteceram, é claro, muitos abusos inadmissíveis por parte dos grupos combatentes. Mas daí a afirmar gratuitamente que as Cruzadas já foram concebidas com fins violentos extrapola em muito a veracidade histórica.

Praticamente tudo o que achamos que sabemos sobre a Inquisição também é distorcido, explica Madden.

Em 1998, o papa João Paulo II abriu os arquivos do Santo Ofício para uma equipe multidisciplinar formada por 30 estudiosos de diferentes partes do mundo. O relatório de 800 páginas escrito por essa equipe foi publicado em 2004, confirmando o que muitos historiadores já tinham descoberto ao fazerem pesquisas prévias em outros arquivos europeus: a ideia popular do que tinha sido a Inquisição se baseava em mitos (e continua se baseando).

Na Idade Média, a heresia era considerada um crime contra o Estado, punível com a morte. Não era a Igreja quem condenava os hereges à morte: pelo contrário, o papa Lúcio III estabeleceu o tribunal da Inquisição precisamente para evitar que as acusações de heresia, feitas pelo Estado, fossem julgadas por juízes civis, que eram ignorantes da doutrina e consideravam os acusados indiscriminadamente culpados. Com o tribunal da Inquisição, as acusações de heresia poderiam passar pela análise de teólogos competentes que, em quase todos os casos, impediram as sentenças de morte. Enquanto os reis, de acordo com Madden, viam os hereges como traidores que questionavam a sua “autoridade concedida por Deus”, a Igreja os via como “ovelhas perdidas que tinham se desviado do rebanho”.

A maioria das pessoas acusadas de heresia perante a Inquisição foram absolvidas ou tiveram as suas sentenças suspensas. Os culpados de grave erro doutrinal eram autorizados a confessar os seus pecados, fazer penitência e ser reintegrados ao Corpo de Cristo. Os hereges impenitentes ou obstinados eram excomungados e entregues às autoridades laicas. Apesar dos mitos populares, a Inquisição não queimava os hereges. O fato real é que a Inquisição medieval salvou incontáveis milhares de pessoas inocentes (e algumas nem tão inocentes assim) de serem queimadas vivas pelos senhores feudais ou pela fúria da multidão.

Muito tempo mais tarde, os processos inquisitoriais foram tomados pelas autoridades civis, que não mostravam o perdão e misericórdia que Igreja tinha mostrado.

A contemporânea “Guerra contra as Mulheres”

A chamada "Guerra contra as Mulheres" é a mais recente acusação infundada sofrida pela Igreja. Como a doutrina católica propõe a permanente abertura dos casais à vida, opondo-se claramente ao aborto e aos meios artificiais de controle da natalidade, a Igreja se tornou o principal alvo de radicais feministas, progressistas, libertinos, de segmentos da mídia, do mundo acadêmico e do governo, entre outros grupos contrários a ela.

Quando o papa emérito Bento XVI afirmou que os preservativos não são a solução para a crise da aids na África sub-saariana, ele foi tachado de "terrivelmente ignorante" e responsabilizado pelas mortes em decorrência da aids que varrem o continente (como se todas as mortes por aids acontecessem entre os católicos praticantes que obedecem aos ensinamentos da Igreja; aliás, esses católicos formam justamente o grupo de menor risco, por se absterem de sexo antes do casamento e por se manterem fiéis quando casados).

Enquanto o governo de Barack Obama pisoteia a liberdade religiosa nos Estados Unidos ao forçar as instituições católicas a fornecerem anticoncepcionais como parte dos planos de saúde dos seus funcionários, é a Igreja quem recebe as acusações de agressão contra as mulheres! Por se opor ao financiamento dos contribuintes norte-americanos a organizações abortistas como a Planned Parenthood, que é a mais prolífica máquina de assassinatos dos Estados Unidos, é novamente a Igreja quem é acusada de “fazer guerra contra as mulheres”!

Na última campanha eleitoral, com base na Primeira Emenda à constitução norte-americana, os candidatos que defenderam a liberdade religiosa das instituições católicas e dos indivíduos diante da tentativa do governo Obama de obrigá-los a fornecer "benefícios" que eles consideram imorais, também foram acusados de fazer parte da "guerra contra as mulheres". Essa mesma narrativa forjada será ressuscitada, muito provavelmente, nas próximas eleições.

O verdadeiro vilão da "guerra contra as mulheres" nos Estados Unidos não é a Igreja, mas a política de saúde pública do governo Obama, o popularmente chamado “Obamacare”.

Contraceptivos, abortivos e esterilização servem todos para prejudicar o saudável funcionamento do sistema reprodutivo feminino, causando inúmeros riscos às mulheres. Uma pesquisa feita em 2011 sobre o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal constatou que o perfil “mais infeliz” entre os profissionais norte-americanos é o da “mulher de aproximadamente 42 anos, solteira, com renda familiar de até 100 mil dólares por ano, profissional liberal (médica ou advogada, por exemplo)”. No entanto, essa mulher de carreira, “livre de marido e filhos que a oprimam” e que ainda assim se declara infeliz, é precisamente o “modelo ideal de emancipação” proposto às mulheres por organizações norte-americanas como a National Organization for Women [Organização Nacional para as Mulheres] e o Fund for a Feminist Majority [Fundo por uma Maioria Feminista].

Além dessas manipulações da realidade, existe outra razão muito sólida para que os críticos contrários à Igreja católica passem a direcionar o seu sarcasmo contra outros alvos. A Igreja é a maior organização de caridade do planeta Terra em termos de ajuda concreta em áreas como a alimentação, o vestuário, a moradia, o tratamento médico e a educação. Ela ministra ajuda aos necessitados do mundo inteiro há quase dois milênios, incluindo populações que não apenas não são católicas, mas nem sequer são cristãs.


Será que é mesmo demais pedir que o governo e a mídia verifiquem os fatos, pelo menos de vez em quando?


Susan E. Wills
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Aleteia

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