sábado, 18 de abril de 2015

Estado Laico?


Fica claro que esse é um assunto novo e que a sociedade precisa entender melhor o que significa, especialmente num país em que 89,4 % se dizem cristãos. O que é um Estado laico em uma sociedade profundamente religiosa?

Estado laico é o Estado livre e neutro que, por não assumir uma identidade religiosa, dá espaço para que todas as religiões existam e se expressem. Mas fica a pergunta: qual o papel social da religião? A religião pode e tem condições de exercer um papel social, ou deve ficar no âmbito privado?

O relativismo filosófico, isto é, a idéia de que não é possível encontrar uma verdade com a razão fora do âmbito científico, leva à conseqüência necessária do relativismo ético e religioso: a ética e a religião não têm pressupostos racionais e o bem a e verdade comum não podem ser encontrados neles, mas se trata de escolhas pessoais. Como conseqüência, a ética e a religião não têm nenhum valor público.

Também um fruto necessário na sociedade democrática é que todo desejo e todo tipo de expressão religiosa deve, então, se tornar direito. Mas, será que é verdade que a razão se reduz apenas à racionalidade matemático-experimental? Será que somente a ciência tem pressupostos racionais, e a verdade não científica deve se impor somente pelo desejo da maioria (ou de uma minoria mais organizada)?

Querer retirar o papel social e público das religiões, em especial do cristianismo, significa mutilar a sua essência. Um cristão que reduz sua fé a aspectos intimistas, privados e individuais, é uma caricatura deformada do ser cristão. Por outro lado, não é razoável que o Estado e a sociedade prescindam de toda riqueza ética, antropológica e social das religiões. Como esquecer ou ignorar que os melhores fundamentos da sociedade ocidental foram herdados do cristianismo em meio a heranças pagãs e bárbaras? Onde melhor aprendemos sobre os direitos humanos, o cuidado com os mais fracos, o valor da cultura e da ciência, da educação e da higiene, o direito internacional e tantos outros patrimônios humanos sociais? 

Entretanto, a causa da laicidade, que deveria ser um espaço de pluralismo, em que, inclusive a realidade amplamente religiosa do povo brasileiro tenha lugar nos valores da sociedade, tornou-se espaço para a ideologia “laica”, ou seja, a ideologia da irreligião, em que a fé não pode ter opinião ou expressão pública. Essa ideologia “laica” é uma ideologia religiosa, porque a irreligião não é uma posição neutra, mas uma opção religiosa de fobia à religião.

A tensão desse diálogo é a realidade velada de que, na verdade, uma nova religião tenta se impor às outras. O homem é um ser autotranscendente, isto é, tem a necessidade de ancorar a sua existência e valores em algo acima dele mesmo. Outrora, esse algo era o Deus cristão; e a âncora de fé eram a Igreja e o Rei. Mas, não continuamos a ser teocráticos? Agora, o Deus é o Estado e a âncora de fé é o povo. Uma vez que se retirou Deus como o ser que fundamenta os valores, restou o homem. Mas o homem não seria capaz de iluminar a própria existência. Na democracia sem Deus, o homem crê nele mesmo, mas nele mistificado na coletividade sem face, ou seja, não em alguém, mas em todos sem identidade, mascarando sua fé na bela idéia de que cidadãos unidos fundamentam a autoridade, o bem, a verdade. Negando Deus, foi preciso criar outro deus que desse fundamento às coisas, à sociedade; e esse fundamento é o próprio homem, mas, como ele mesmo é incapaz disso, a forma de transcender-se foi divinizar o povo, crendo nele sem ter fé.

O Laicismo, enraizado na idéia de uma democracia fundamentada numa sociedade em que Deus deve ficar calado e escondido, é um perigoso engodo, porque, na verdade, é a fabricação de uma religiosidade do Estado, tão típico dos Estados totalitários (realidade explícita no Terceiro Reich nazista). A tirania democrática tem formas diferentes; nela, grupos organizados e capitalizados se impõem, moldam as massas e impõem a todos sua ideologia. Um processo mais lento do que dos tiranos, mas que preserva a aura de que tudo foi feito e decidido de forma legítima por um segmento que representa o povo.

A democracia em sociedades laicas é a melhor forma de governo que se tem. Todavia, corremos o risco de criarmos novas formas de teocracia se não reconhecermos tantas outras conquistas da humanidade e prescindirmos da consciência religiosa do homem como elemento importante na construção de uma sociedade justa e livre.


André Luis Botelho de Andrade
Fundador e Moderador Geral da Comunidade Católica Pantokrator
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Comunidade Católica Pantokrator

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