O Segundo Domingo da Páscoa foi
chamado por São João Paulo ll: o Domingo da Misericórdia!
Com a celebração de hoje,
concluímos a Oitava de Páscoa, ou seja, esta semana que a Igreja nos convidou a
considerar como um dia só: “O dia que o Senhor fez”.
Nestes dias de Páscoa a
Liturgia nos fez assistir ao nascimento da fé pascal. Mediante a narração das
aparições do Ressuscitado, vimos renascer nos discípulos de Jesus, desanimados
e dispersos, a fé e o amor para com Ele: a ressurreição gerou a fé.
Cristo ressuscitado é a razão
de ser de nossa existência! Celebrar essa história é motivo de grande alegria
para os cristãos.
O evangelho ( Jo 20, 19-31)
inicia falando do primeiro dia da semana, isto é, o Dia por excelência, pois
foi o dia da Ressurreição do Senhor; relata a aparição de Jesus Misericordioso
aos seus discípulos no mesmo dia da sua Ressurreição, no qual derramou sobre
eles e lhes confiou o tesouro da sua Paz e dos seus Sacramentos, e confirmou a
nossa fé e a fé de todos os “Tomés” do mundo, que estão cheios de dúvidas
e com ânsias de ter certezas.
“Ao anoitecer daquele dia, o
primeiro da semana” ( Jo 20,19), Jesus veio confortar os amigos mais íntimos: A
paz esteja convosco, disse-lhes. Depois mostrou-lhes as mãos e o lado. Nesta
ocasião, Tomé não estava com os demais Apóstolos; não pôde, pois, ver o Senhor
nem ouvir as suas palavras consoladoras.
Imagino os Apóstolos cheios de
júbilo procurando Tomé para contar-lhe que tinham visto o Senhor! Mal o
encontraram, disseram-lhe: Vimos o Senhor! Tomé continuava profundamente
abalado com a crucifixão e a morte do Mestre; quer ver para crer! Acredito que
os Apóstolos devem ter-lhe repetido, de mil maneiras diferentes, a mesma
verdade que era agora a sua alegria e a sua certeza: Vimos o Senhor!
Hoje nós temos que fazer o
mesmo! Para muitos homens e para muitas mulheres, é como se Cristo estivesse
morto, porque pouco significa para eles e quase não conta nas suas vidas. A
nossa fé em Cristo ressuscitado anima-nos a ir ao encontro dessas pessoas e a
dizer-lhes, de mil maneiras diferentes, que Cristo vive, que estamos unidos a
Ele pela fé e permanecemos com Ele todos os dias; que Ele orienta e dá sentido
à nossa vida.
Desta maneira, cumprindo essa
exigência da fé que é difundi-la com o exemplo e a palavra, contribuímos
pessoalmente para a edificação da Igreja, como aqueles primeiros cristãos de
que falam os Atos dos Apóstolos: “Cada vez mais aumentava o número dos homens e
mulheres que acreditavam no Senhor” (At. 5,14).
Oito dias depois Jesus apareceu
aos Apóstolos novamente e agora Tomé também estava; Jesus disse: “A paz esteja
convosco. Depois disse a Tomé: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos…, não
sejas incrédulo, mas fiel (Jo 20,26-27).
A resposta de Tomé é um ato de
fé, de adoração e de entrega sem limites: Meu Senhor e meu Deus! A fé do
Apóstolo brota não tanto da evidência de Jesus, mas de uma dor imensa. O que o
levou a adoração e ao retorno ao apostolado não são tanto as provas como o
amor. Diz a Tradição que o Apóstolo Tomé morreu mártir pela fé no seu Senhor;
consumiu a vida a seu serviço.
As dúvidas de Tomé viriam a
servir para confirmar a fé dos que mais tarde haviam de crer n’Ele. Comenta São
Gregório Magno: “Porventura pensais que foi um simples acaso que aquele
discípulo escolhido estivesse ausente, e que depois, ao voltar, ouvisse relatar
a aparição e, ao ouvir, duvidasse, e, duvidando, apalpasse, e, apalpando
acreditasse? Não foi por acaso, mas por disposição divina que isso aconteceu. A
divina clemência agiu de modo admirável quando este discípulo que duvidava
tocou as feridas das carnes do seu Mestre, pois assim curava em nós as chagas
da incredulidade… Foi assim, duvidando e tocando, que o discípulo se tornou
testemunha da verdadeira ressurreição”.
Peçamos ao Senhor que aumente
em nós a fé, pois se a nossa fé for firme, também haverá muitos que se apoiarão
nela.
COMENTÁRIOS AOS TEXTOS BÍBLICOS
I leitura: At 4,32-35
Vida comunitária é sinônimo de partilha. É na
comunidade que nos descobrimos para os outros. Nela percebemos que somente
existimos relacionalmente. Na comunidade, irmãos e irmãs se comprometem a viver
dedicadamente um para o outro. A primeira leitura nos traz um retrato da comunidade-modelo.
Ao aderir à fé em Jesus, o discípulo vive na dimensão da partilha – “a multidão
dos que acreditavam era um só coração e uma só alma” (v. 32) – e, por conta
disso, ninguém passará necessidade: “De fato, entre eles não havia nenhum
necessitado” (v. 34).
«Tudo
entre eles era comum. Todos… vendiam…» Esta atitude extraordinariamente generosa dos nossos
primeiros irmãos de Jerusalém ficou para sempre como um luminoso exemplo de
como «compartilhar com os outros é uma atitude cristã fundamental. Os primeiros
cristãos puseram em prática espontaneamente o princípio segundo o qual os bens
deste mundo são destinados pelo Criador à satisfação das necessidades de todos
sem exceção» (Paulo VI). Mas esta atitude cristã nada tem a ver com a coletivização
de toda a propriedade privada imposta por um estado totalitário, uma vez que
aqui era respeitada a legítima liberdade individual, podendo não se pôr tudo em
comum. É por isto mesmo que se louva o gesto de Barnabé, logo a seguir, nos vv.
36-37, e se censura a fraude de Ananias e Safira, que muito bem poderiam não
ter vendido o seu campo, ou então ter ficado para si com o produto da venda
(cf. At 5,4). Daqui se conclui que «todos» não se deve entender
à letra, ao ser uma generalização, ou uma hipérbole. Em todos os tempos da vida
da Igreja, desde então até aos nossos dias, numerosos grupos de cristãos têm
posto em comum os seus bens, renunciando mesmo à sua posse, total ou parcial,
imitando assim voluntariamente os primeiros cristãos.
II leitura: 1Jo 5,1-6
A segunda leitura nos indica o sinal por excelência
que fala ao coração: o homem Jesus, em quem Deus se manifestou ao mundo. Em 1
João, a comunidade está inserida no mundo (na história) e não pode negá-lo. Ao
contrário, mesmo no mundo, deve assumi-lo como um projeto missionário. Sem
dúvida são projetos distintos, e, por isso, os conflitos emergirão cedo ou
tarde. Mas é precisamente em meio aos conflitos da história que a comunidade dá
o seu testemunho, vivendo à luz dos mandamentos.
Amar a Deus e praticar os mandamentos são as
características dos discípulos. Somente é possível viver no mundo amando a Deus
e praticando seus mandamentos. Diga-se, de passagem, que o texto bíblico não
fala em memorizar os mandamentos, não se trata de recitação de belas palavras;
mandamentos exigem a prática!
Evangelho: Jo 20,19-31
A repreensão dirigida a Tomé nos convida a
distinguir entre a prova e o sinal. Mas a fé não admite nenhuma demonstração.
Ela não pode fazer mais do que surgir livremente dos sinais que nos são
propostos. Contemporaneamente, parece que tudo é reduzido a provas. Até mesmo
canonizamos a prova em detrimento do sinal. Por que não dizer que a fé somente
pode nascer do único lugar capaz de ler os sinais, isto é, do coração? Tomé
sente a dúvida crescer quanto mais se afasta da comunidade. Somente no meio da
comunidade é que podemos crescer no amor e na unidade. Apenas na comunidade é
que podemos fazer a experiência de fé que nos leva ao coração do Ressuscitado.
Tomé não tinha uma fé amadurecida. Ela se encontrava em processo de maturação.
O texto do evangelho não chega a dizer se Tomé tocou em Jesus. Mas traz, em
compensação, uma declaração pública de fé daquele que, a partir desse momento,
passou a acreditar de todo o coração. No entanto, não podemos nos esquecer de
que Jesus também dirige a cada um de nós uma palavra importante, que pode ser
assim demonstrada: “Felizes os que creem sem ter visto”. Essa palavra nos
retira da zona de conforto e nos leva a exercitar uma fé amadurecida e sincera.
A experiência do Ressuscitado nos transforma em verdadeiros anunciadores da
maior força que já existiu em toda a história humana, isto é, a única força
capaz de vencer a morte!
Tomé quer acreditar, mas do jeito dele. Querendo
acreditar, faz o caminho inverso. Parece um discípulo mesquinho que se afasta
do testemunho da comunidade. Ele somente acreditava segundo seus padrões já
estabelecidos. Ao desejar uma manifestação pessoal e especial de Jesus
ressuscitado, talvez estivesse desejando controlá-lo e manipulá-lo. Talvez
quisesse um ressuscitado à sua imagem e semelhança. Ele individualiza a
experiência comunitária ao dizer por três vezes: “Se eu não ouvir […] se eu não
colocar […] se não colocar”. Egoisticamente reduz a experiência coletiva do
Ressuscitado à sua própria experiência.
Portas fechadas indicam medo e insegurança. Pois é
exatamente nesse ambiente marcado pelo medo que Jesus aparece, se coloca bem no
meio dos discípulos e os saúda com a paz. O Cordeiro que havia vencido a
própria morte se apresenta com os sinais da vitória. Há comunhão e alegria no
ar. Uma demonstração de todos aqueles que se encontram com Jesus. E a partir do
encontro, a comunidade se fortalece para a missão. Não se fazem discípulos sem
missão. Ser discípulo é assumir responsabilidades, e não privilégios. Jesus bem
sabia disso e, por isso, diz enfaticamente: “Assim como o Pai me enviou, eu
também envio vocês” (Jo 20,21). Fortalecidos pela presença do Espírito, eles
poderão estabelecer novas formas de convivência por meio das quais o pecado que
separava uns dos outros cederá lugar ao reino do perdão e do amor mútuo.
Jesus chega trazendo a paz ao coração daqueles que
estavam perturbados. Jesus é o doador da paz. Se o tirarmos do centro de nossa
vida, teremos o caos inevitável. E ele não somente traz a paz, mas também pede
que essa mesma paz seja levada a outras pessoas. Quem vai garantir a missão da
comunidade é o Espírito Santo. Jesus, entre os seus, é o próprio criador da
comunidade. Se a comunidade tem medo, agora ela passa a se guiar pela presença
de Jesus ressurreto. Já não há espaço no coração para o medo, pois ele está
totalmente ocupado com a presença de Jesus. Um Espírito que gera força e
relembra simbolicamente a ação de Javé quando criou o ser humano.
Para Refletir
Há oito dias atrás, no primeiro dia
após o Sábado dos judeus, ao anoitecer, Jesus ressuscitado entrou onde estavam
os discípulos e lhes disse: “A paz esteja convosco!” Há oito dias, no Dia da
Ressurreição, o nosso Jesus, vencedor da morte, enviado pelo Pai no Espírito
Santo, soprou esse mesmo Espírito sobre seus discípulos, sua Igreja, e disse:
“Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo!” Há oito
dias atrás, Tomé, teimoso e incrédulo, afirmou peremptoriamente: “Se eu não vir
as marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei!” Todas
essas coisas que ouvimos no Evangelho deste hoje, ocorreram no Domingo de
Páscoa, no Dia da Ressurreição, há precisamente uma semana.
Hoje é
a Oitava da Festa pascal, o Domingo seguinte. E como no Domingo passado, também
hoje, neste Domingo, o Senhor vem ao encontro dos seus discípulos e coloca-se
no meio deles. Será sempre assim: a cada oito dias os cristãos reunidos
experimentarão na Palavra proclamada e no Sacrifício eucarístico celebrado, a
presença real, viva e atuante Daquele que ressuscitou e caminha conosco, ou
melhor, caminha à nossa frente. E como Tomé, nós, a cada Domingo, admirados,
exclamamos: “Meu Senhor e meu Deus!” E queremos, emocionados, ouvi-lo novamente
dizer a nossa respeito: “Acreditaste porque me viste, Tomé. Bem-aventurados os
que creram sem terem visto!” Bem-aventurados nós, caríssimos meus em Cristo
aqui presentes! Bem-aventurados nós que firmemente cremos no Senhor e
participamos do seu Sacrifício eucarístico, ainda que não tenhamos visto o
Senhor com os olhos da carne!
Eis
precisamente aqui a mensagem deste Domingo da Oitava: fazer-nos conscientes do
nosso encontro, da nossa comunhão real, íntima, transformante, com o Senhor
ressuscitado. Este encontro que ocorre de modo mais intenso a cada Domingo na
Eucaristia – e, por isso mesmo, faltar à Missa dominical é excluir-se da
Comunidade dos discípulos, é “ex-comungar-se”, é colocar-se fora da Comunhão
com o Ressuscitado e aqueles aos quais ele chama de “meus irmãos”… Este
encontro que ocorre de modo mais intenso a cada Domingo nesta Eucaristia, não
começou aqui; iniciou-se no nosso Batismo, quando recebemos, no símbolo da
água, o Espírito Santo do Ressuscitado, passando a viver nele que, no seu
Espírito, veio realmente viver em nós! Três misteriosas palavras da Missa de
hoje exprimem este mistério. Ei-los: (1) A palavra da segunda leitura: o Autor
sagrado afirma que quem crê em Jesus nasceu de Deus e vive uma vida de amor aos
irmãos. Quem crê em Jesus, diz ele, vence o mundo, vence o pecado, vence a
tragédia de uma vida sem sentido, distraída apenas com eventos, futilidades e
copas do mundo. Eis as suas palavras: “Quem é o vencedor do mundo, senão aquele
que crê que Jesus é o Filho de Deus?” E, então, acrescenta de modo belo, forte,
surpreendente e misterioso: “Este é o que veio pela água e pelo sangue: Jesus
Cristo. Não veio somente com a água, mas com a água e o sangue. E o Espírito é
que dá testemunho, porque o Espírito é a Verdade”. Caríssimos, que palavras
impressionantes! Se nossos irmãos protestantes as compreendessem pediam
imediatamente a comunhão com a Igreja de Cristo! Aqui o Autor sagrado está
falando do Batismo e da Eucaristia. Vence o mundo quem crê em Jesus; não num
Jesus do passado, mas num Jesus que está vivo e na força do Espírito Santo, o
Espírito da Verdade, que ele derramou sobre nós, vem ao nosso encontro, habita
em nosso íntimo. Como? Pelos sacramentos! É nos sacramentos que recebemos o
Espírito Santo, é nos sacramentos que o Senhor entra em comunhão conosco e nós
com ele. Ele vem continuamente, vivo e vivificador pela água do Batismo e o
Sangue da Eucaristia! Nos santos sacramentos, nós experimentamos Jesus,
recebemos a vida de Jesus e podemos testemunhar ao mundo que Jesus está vivo e
atuante! Que realidade tão misteriosa; que graça tão grande: Jesus é o que vem
sempre à sua Igreja na água e no sangue; e ambos nos dão o Espírito Santo de
Jesus! (2) A segunda palavra desta liturgia é da oração inicial. Ali a Igreja
nos ensinou a pedir ao Pai que compreendêssemos melhor “o Batismo que nos
lavou, o Espírito que nos deu nova vida e o sangue que nos redimiu”. Mais uma
vez o Batismo e a Eucaristia que, dando-nos o Espírito de Jesus, nos colocam em
comunhão íntima com ele. (3) Finalmente, as palavras da Entrada da Missa de
hoje, como aparecem no Missal, tiradas da Primeira Epístola de são Pedro: “Como
crianças recém-nascidas, desejai o puro leite espiritual para crescerdes na
salvação! (2,2). A Igreja pensa nos que foram batizados na Vigília Pascal,
nossos irmãozinhos em Cristo, criancinhas no Senhor. Que recebendo a cada
Domingo a Eucaristia, puro alimento espiritual, possam – eles e nós – crescer
na salvação.
Ora,
caríssimos, se vivemos mergulhados nesse mistério tão grande, que é a real e
íntima comunhão com o Senhor ressuscitado, se experimentamos sua força e sua
graça nos sacramentos, se nele, Vencedor da morte, somos criaturas nova, então
vivamos de modo novo. E não somente de modo individual, mas como Comunidade dos
salvos e redimidos por Cristo. Vede, irmãos meus, o exemplo descrito na
Primeira leitura, a Igreja católica de Jerusalém, logo após a Ressurreição e o
Dom do Espírito: nós éramos “um só coração e uma só alma”, sabíamos repartir
amor e bens, colocando a vida em comum, e toda a nossa vida comunitária era uma
clara proclamação da novidade, da alegria e da esperança de quem sabia e vivia
a Ressurreição do Senhor. Dois mil anos após, não damos mais a impressão de um
bando de discípulos sonolentos e cansados? Não parecemos mais uns conformados e
desanimados, mornos pelo peso do tempo? Nossa vida, será que não exprime mais
comodismo e falta de fé, que aquela feliz exultação de quem tem sempre Jesus
diante dos olhos? Sabem o motivo disso, meus caros? Falta de comunhão viva com
o Senhor na sua Palavra, na oração e, sobretudo, nos sacramentos! Muitos de nós
temos uma fé fria, formal, burocrática, teórica. Não é a idéia, mas o amor que
dá sentido e gosto à vida!
Caros
meus, aprendamos a nos reaproximar de Jesus! Ele está vivo aqui, na Palavra, na
Eucaristia, nos irmãos, na vida. Se aprendermos a vê-lo, mais uma vez, cheios
de pasmos, exclamaremos como o duro Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!” Que ele
no-lo conceda por sua graça. Amém.
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