terça-feira, 17 de março de 2015

Tempo de Penitência


Nestes dias de Quaresma, queremos renovar a nossa fé através de uma vida penitencial mais intensa, aproveitando os temas que a liturgia nos oferece, com orações mais frequentes, jejuns e, sobretudo, uma vida de caridade mais aplicada – a fraternidade.

A penitência e a prática que nos impomos, em primeiro lugar, não são exclusivas deste tempo. Toda a nossa vida deve ser imbuída deste espírito se quisermos seguir a Cristo. A ascese faz parte de nossa caminhada espiritual. Porém, para vencer a inconstância, que é característica do ser humano, são importantes tempos fortes para retemperar a nossa vontade através de uma inteligência do mistério da cruz redentora. É um tempo de retomar com mais vigor essa caminhada ascética.

São Paulo descreve essa fraqueza falando de si mesmo, da luta interior que experimentamos para viver a fé: "Sabemos que a Lei é espiritual, mas eu sou carnal, vendido como escravo ao pecado. Realmente não consigo entender o que faço, pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto” (Rom 7, 14). E conclui: "Quem me libertará deste corpo de morte"? (Idem, 24). Por isso se esforçava como aquele que corre no estádio e castiga o seu corpo reduzindo-o à servidão (1Cor. 9, 24-27).

Nascidos no pecado e na concupiscência, como nos lembra o salmista {salmo 51 (50)}: “Eis que nasci na iniquidade, minha mãe concebeu-me no pecado", somente a conversão pode restituir-nos a vida, integrando-nos no Reino da Graça.

A penitência é esse dom que recebemos e respondemos com nosso esforço, que temos de fazer para vencer as fraquezas da carne, para superarmos as paixões e vícios da natureza humana. Ninguém consegue sair de uma prisão, de um atoleiro sem acolher uma boa notícia que o fortifique para dar passos concretos, com sua vontade.

A própria vida de Cristo nos é um exemplo, como ensina “A Imitação de Cristo”: "Toda a vida de Cristo foi cruz e martírio; e tu queres descanso e alegria" (L II, cap. 12). E, mais adiante, reitera que não é próprio do homem carregar a sua cruz, mas "é por meio de muitas tribulações que podemos entrar no Reino de Deus” (Atos, 14,21). 

Poderia parecer, sobretudo em nossos dias, que esta batalha interior e também exterior, pois somos uma unidade, espírito e matéria, seria um contrassenso. Cada dia nos sentimos mais e mais capazes, mais desenvolvidos cultural e fisicamente. Então, a cruz teria sentido?

Se o nosso horizonte se limitar ao nascer e ao pôr do sol de uma vida, se não considerarmos nosso destino eterno, não tem sentido. Seremos os mais tolos dos homens se nos dermos a estas práticas, responde São Paulo.

Mas a Lei do Espírito da vida nos liberta da morte e realiza em nós a esperança, que está no coração de todo homem e se transborda por toda a natureza, da realização plena da liberdade e da paz na glória dos filhos de Deus.

No sofrimento penitencial, na Cruz, unida ao mistério redentor de Cristo, está a salvação, a vida, a força do espírito.

O jejum nos ensina que somos radicalmente dependentes de Deus. Na Escritura, a palavra nephesh significa, ao mesmo tempo, vida e garganta. A idéia que isso exprime é que nossa vida não vem de nós mesmos, não a damos a nós próprios; nós a recebemos continuamente: ela entra pela nossa garganta com o alimento que comemos, a água que bebemos, o ar que respiramos. Jamais o homem pode pensar que se basta a si mesmo, que pode se fechar para Deus. Quando jejuamos, sentimos uma certa fraqueza e lerdeza, às vezes nos vem mesmo um pouco de tontura. Isso faz parte da “psicologia do jejum”: recorda-nos o que somos sem esta vida que vem de fora, que nos é dada por Deus continuamente.

A prática do jejum impede-nos, então, da ilusão de pensar que a nossa existência, uma vez recebida, é autônoma, fechada, independente. Muitas vezes dizemos erroneamente: “A vida é minha; faço como eu quero!” A vida será, sempre e em todas as suas etapas, um dom de Deus, um presente gratuito, e nós seremos sempre dependentes Dele. Esta dependência nos amadurece, nos liberta de nossos estreitos e mesquinhos horizontes, nos livra da autossuficiência e nos faz compreender “na carne” nossa própria verdade, recordando-nos que a vida é para ser vivida em diálogo de amor com Aquele que no-la deu.

O próprio Jesus, de modo particular, e a Escritura, de modo geral, nos exortam à vigilância e à sobriedade. O jejum e a abstinência, portanto, são um treino para que sejamos senhores de nós mesmos, de nossas paixões, desejos e vontades. Assim, seremos realmente livres para Cristo, sendo livres para realizar aquilo que é reto e desejável aos olhos de Deus! O próprio Jesus afirmou que quem comete pecado é escravo do pecado! Não adianta: sem o exercício da abstinência, jamais seremos fortes. Não basta malhar o corpo; é preciso malhar o coração!

Como ajuda para esse tempo de penitência, a Igreja nos recomenda a pratica do jejum. Isso nos torna donos de nós mesmos pelo domínio da força de vontade. Quando jejuamos, vencemos a vontade de comer, muitas vezes por gula, e nosso organismo agradece e se desintoxica.

Pensadores, estudiosos, médicos sugerem que o jejum “lava” o organismo. Jesus jejuou porque o jejum o tornou mais forte e mais próximo do Pai.

O Jejum é outra experiência que faz parte da humanidade, pois, praticado desde toda a Antiguidade pelo povo eleito como sinal de arrependimento, foi praticado por Nosso Senhor Jesus Cristo e por todos os santos, recomendado pela Santa Igreja como instrumento de santificação da alma, de controle do corpo e equilíbrio emocional.

Devemos jejuar especialmente na Quarta-feira de Cinzas, abertura da Quaresma. Na Sexta-feira Santa, dia da morte de Nosso Senhor. No entanto, todos os católicos devem ter a mortificação e o jejum presentes em suas vidas ao longo do ano, principalmente durante o Advento, a Quaresma, tendo sempre o espírito mortificado, fugindo do excesso de conforto e prazeres e, na medida do possível, oferecendo alguns sacrifícios a Deus, seja no comer, no beber, nas diversões (televisão, principalmente), nos desconfortos que a vida oferece (calor, trabalho etc.), sabendo suportar os outros, tendo paciência em tudo.

Como o jejum e a abstinência fazem parte dos mandamentos da Igreja, devemos nos empenhar para praticá-los por amor de Deus. Caso haja alguma negligência ou fraqueza da nossa vontade que nos leve a quebrar o santo jejum ou a abstinência, devemos nos arrepender por não termos obedecido ao que nos ordena nossa Santa Madre Igreja, confessando-nos, penitenciando-nos.

Aproveitemos deste tempo favorável e mergulhemos em uma caminhada de conversão, com atitudes concretas não para ser vistos e elogiados pelos homens, mas procurando estar diante de Deus com nossos corações voltados para Ele. Deixai-vos reconciliar com Deus! E, consequentemente, procuremos dar o passo com uma boa celebração penitencial, uma boa confissão neste tempo quaresmal.


Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)

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