terça-feira, 31 de março de 2015

As sete palavras de Jesus na cruz


Primeira Palavra

Chegando ao lugar chamado Caveira, lá o crucificaram, bem como os malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: "Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem" (Lc 23,33-34).

A primeira palavra de Jesus ao ser crucificado recorda o Profeta Isaías: “... pois entregou à morte a própria vida, foi contado entre os criminosos. Ele, porém, estava carregando os pecados da multidão e intercedendo pelos criminosos" (Is 53,12). De fato, a dimensão mais profunda do amor é o perdão. Jesus ama até a morte e perdoa. Tempos atrás, na cura do paralítico (Lc 5,17-26), disse primeiro: "Homem, teus pecados estão perdoados". Essas palavras causaram um alvoroço entre os escribas e fariseus: "Quem é este que diz blasfêmias? Não é só Deus que pode perdoar pecados?" Jesus opera o milagre para comprovar que Ele realmente tem o poder divino de perdoar. São muitos os eventos narrados nos Evangelhos em que Jesus perdoa. No entanto, o perdão exige sempre conversão: mudar de vida. A mulher que os escribas e fariseus queriam apedrejar após flagrá-la em adultério (Jo 8,1-11) é salva por Jesus da morte iminente: "Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?" - "Ninguém, Senhor". E Jesus: "Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais". Em outro momento, Jesus se hospeda na casa de um pecador e mais uma vez é alvo de críticas (Lc 19,1-10). Mas Zaqueu promete reparar as injustiças cometidas contra os pobres e Jesus exclama: "Hoje a salvação entrou nesta casa (...). Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido".

"Perdoai a nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido" rezamos no Pai Nosso. Pedimos perdão a Deus, fazendo a solene promessa de perdoarmos aos que nos ofenderam. Não é fácil realizar o que prometemos. Existem chagas que custam cicatrizar. Há violências e injustiças que deixam como saldo um mar de sofrimentos. Há infidelidades e traições que ferem profundamente o coração. Há agressões e ódios que geram abismos quase intransponíveis entre as pessoas. No entanto, não existe quem consiga resistir eternamente à bondade e ao amor. Não há ódio que um dia não sucumba ao poder do Amor. O primeiro passo para o perdão é desarmar-se interiormente. Quem perdoa é sempre mais forte do que quem ofendeu. O perdão é que gera vida, não o ódio e a vingança! Dizem que o ódio é como o fogo: arde, queima, se alastra, arrasa, reduz a cinzas. Se o ódio é como fogo, então o perdão é como a água! Quando o fogo e a água se encontram, quem vence? O fogo? É a água que extingue as labaredas, é a água que apaga as chamas, é a água que vence o incêndio. Assim é o perdão que extingue as vinganças, é o perdão que apaga as inimizades, é o perdão que afoga as mágoas, é o perdão que vence o ódio.

Segunda Palavra

Um dos malfeitores suspensos à cruz o insultava, dizendo: "Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós." Mas o outro, tomando a palavra, o repreendia: "Nem sequer temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto a nós, é de justiça; pagamos por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal". E acrescentou: "Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com teu reino". Ele respondeu: "Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23,39-43).

Um dos malfeitores crucificados chama Jesus de "Cristo", o outro o reconhece com "Rei". Por causa destes dois títulos - um é religioso, outro político - Jesus morre na cruz. Como "Cristo" Jesus é condenado por "blasfêmia" porque se declara "Filho de Deus" (cf. Mt 27,62-66), reivindicando para si dignidade divina. Como "Rei" é considerado subversivo e agitador. O Sumo Sacerdote Caifás adverte: "Não compreendeis que é do vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda" (Jo 11,50). "Se o soltas, não és amigo de César! Todo aquele que se faz rei, opõe-se a César!" (Jo 19,12) e ainda "Não temos outro rei a não ser César" (Jo 19,15). Foi este o argumento que convenceu a Pilatos: "Então Pilatos o entregou para ser crucificado" (Jo 19,16). Os chefes do povo conseguiram o que queriam: matar Jesus de Nazaré como perturbador da ordem pública e apresentar ao povo que ainda o tiver na conta de profeta como homem definitivamente derrotado, destruído, aniquilado. Um dos malfeitores faz coro aos insultos dos chefes que zombeteiramente recomendam a Jesus: "que salve a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o Eleito" (Lc 23,35). Também ele grita: "Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós". O outro, porém, reconhece a inocência de Jesus e descobre na sua derradeira hora a verdadeira identidade daquele que sofre ao seu lado o mesmo suplício. Entende que o Reino de Jesus não é deste mundo (cf. Jo 18,36), mas que Jesus é Rei e viera "ao mundo para dar testemunho da verdade" (Jo 18,37). A luz da verdade que ilumina o coração e a mente do "bom ladrão" gera de repente uma ilimitada confiança e o enche de certeza de que Jesus pode salvá-lo e perdoar-lhe os seus pecados, acolhendo-o no paraíso. Jesus, "desprezado e abandonado pelos homens, homem sujeito à dor" (Is 53,3), manifesta na cruz o seu divino poder de misericórdia e abre as portas do paraíso a mais este filho pródigo (cf. Lc 15,11-32) que retorna e, mesmo que seja no último momento da vida, se converte e crê (cf. Mc 1,15).

Terceira Palavra

Junto à cruz de Jesus, estavam de pé sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria, a de Cléofas, e Maria, a Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, eis o teu filho!” Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe!” A partir daquela hora, o discípulo a acolheu no que era seu (Jo 19,25-27).

Os soldados repartiram as vestes de Jesus em quatro partes, uma para cada soldado (cf. Jo 19,23). Quatro soldados, sentados ao pé da cruz, distribuem entre si, em partes iguais, os últimos pertences de Jesus e jogam dados para ver quem fica com a peça principal, a túnica sem costura. É bem provável que foi a mãe que a teceu. Em cada fibra se manifesta o afeto do amor materno, cada movimento de manejo do tear é uma prova de carinho. Mas, enquanto as mãos confeccionam a vestimenta, também uma inextricável angústia invade o seu coração. Maria nunca esquece e jamais entendeu a profecia de Simeão quando tomou o recém-nascido em seus braços: "Eis que este menino foi posto para a queda e para o soerguimento de muitos em Israel, e como sinal de contradição - e a ti, uma espada traspassará tua alma!" (Lc 2,34-35).

São quatro soldados, quatro partes de roupa e uma túnica que recorda a esses homens rudes que, afinal, o crucificado também tem mãe. São também quatro as mulheres. Não estão sentadas no chão, mas sim de pé junto à cruz. Só duas delas conhecemos mais de perto: Maria, a mãe de Jesus, e Maria, a Madalena1, aquela que derramou "um frasco de perfume sobre a cabeça de Jesus, enquanto ele estava à mesa" (Mt 26,7). Os discípulos condenaram o gesto carinhoso, censurando-o como desperdício. Jesus assume a defesa da mulher: "Derramando este perfume sobre o meu corpo, ela o fez para me sepultar. Em verdade vos digo que, onde quer que venha a ser proclamado o Evangelho, em todo o mundo, também o que ela fez será contado em sua memória" (Mt 26,12-13).

Mas no cenário de Gólgota existe ainda um outro personagem. O Evangelho não revela o nome. Diz apenas que ao lado da mãe de Jesus se encontrava "o discípulo a quem amava"2. Embora uma antiga tradição (Ireneu de Lião, Sec. II) julgue tratar-se do apóstolo João, existem sérias dúvidas a respeito da verdadeira identidade deste discípulo. Se fosse João, não seria orgulho desmedido, tão contrário ao espírito do Evangelho, o autor exibir-se como o "discípulo a quem Jesus amava", desqualificando todos os demais discípulos? Hoje estamos mais inclinados a acreditar que o autor do quarto Evangelho não teve a intenção de apresentar uma pessoa única, histórica, e muito menos de atribuir-se a si mesmo este título, mas, na realidade, o autor quer referir-se a todas as pessoas de todos os tempos e lugares que assumem um compromisso e seguem a Jesus até a cruz. Esses filhos e filhas de Deus são os discípulos e discípulas "a quem Jesus ama". São suas irmãs, seus irmãos amados, a quem, antes de morrer, confia como última e amorosa dádiva sua própria mãe. Na última ceia nos assegurou sua presença no pão e no vinho que se transformam no Corpo e Sangue do Senhor: Corpo entregue, Sangue derramado. No alto da cruz completa o testamento, oferecendo-nos sua mãe como "Mãe Nossa". É de uma comovente solenidade e de uma expressividade singular como Jesus fala pela derradeira vez a sua mãe. Ela deixa de ser apenas mãe de Jesus. Ao chamá-la com o apelativo de "Mulher", Jesus a confirma como aquela de que o Livro Gênesis profetizou que "esmagará a cabeça" da antiga serpente (Gn 3,15), a Mulher, saudada por Isabel como "bendita entre as mulheres" (Lc 1,42), a nova Eva, "Mãe de todos os viventes" (Gn 3,20). E o testamento de Jesus agonizante se completa com a palavra dirigida ao "discípulo a quem amava", a todas e todos nós, filhas e filhos de Eva e agora filhas e filhos de Maria: "Eis tua mãe!".

Quarta Palavra

Desde a hora sexta até a hora nona, houve treva em toda a terra. Por volta da hora nona, Jesus deu um grande grito: "Eli, Eli, lamá sabachthâni?", isto é: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Mt 27,45-46).

Pouco antes de morrer em meio aos crudelíssimos tormentos que o Império Romano reservou aos criminosos, Jesus começa a balbuciar, num derradeiro esforço entre dores inimagináveis o comovente e, ao mesmo tempo, sombrio Salmo 21 (22). Mateus (Mt 27,46) nos transmite o versículo 2 do Salmo 21 (22) na língua hebraica, Marcos (Mc 15,34) em aramáico, idioma usado na Galiléia. Como não foi o impacto desse grito aos que assistiram ao terrível espetáculo, de modo que os evangelistas fizeram questão de transmiti-lo tal e qual como Jesus o bradou, na língua que aprendeu de sua mãe no lar de Nazaré! Sem dúvida, Jesus, no estertor da morte, não recitou o salmo todo. O que se ouvia, foram talvez os primeiros versículos, aliás os mais comoventes: „Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Ficas longe apesar do meu grito e das palavras de meu lamento? Meu Deus, te chamo de dia e não respondes, grito de noite e não encontro repouso“ (Sl 21(22),2-3).

Jesus passa pela angústia de sentir-se completamente abandonado, experimenta a noite escura da tremenda solidão em meio ao redemoinho de um indizível sofrimento que se fecha sobre ele. Tudo vira trevas. Jesus vive essa experiência até ao extremo.

Muitos de nossos irmãos e irmãs experimentam essa solidão, a dor do abandono, de não entender mais nada, de duvidar da bondade de Deus, até de usar as palavras de Jó e amaldiçoar o dia em que nasceu: "Por que não morri ao deixar o ventre materno, ou pereci ao sair das entranhas? Por que me recebeu um regaço e seios me deram de mamar?" (Jó 3,11-12). Quantos gritos sobem dos "porões da humanidade": "Onde estás, ó meu Deus?" Quantas perguntas sem resposta! Ouvindo, porém, o grito de Jesus sabemos que ele sofreu conosco. Contudo, o salmo 21(22) não é um salmo de desespero. É antes uma oração de quem, ao afundar no tenebroso abismo da angústia - "houve treva em toda a terra" - se agarra com Deus, clamando: "Pois és tu quem me tirou do ventre de minha mãe, quem me confiou ao seu peito; eu fui lançado a ti ao sair das entranhas, tu és meu Deus desde o ventre materno" (Sl 21(22),10-11).

Há muita coisa em nossa vida que jamais entendemos. Mas, nas horas de treva ainda existe a opção de mergulhar no silêncio e contemplar a cruz. Por mais escura que seja a noite, o sol volta sempre a brilhar! O "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" não é a última palavra. "Do fundo do abismo, em meio à angústia invoquei o Senhor e ele me atendeu. Já no ventre da morte, pedi tua ajuda e ouviste a minha voz" (Jn 2,3). É na manhã da Páscoa, ao ressuscitar Jesus, que Deus dá seu Sim definitivo e irrevogável à vida.

Quinta Palavra

Depois disso, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para que se cumprisse a Escritura até o fim, disse: “Tenho sede!” Havia ali, uma jarra cheia de vinagre. Amarrando uma esponja embebida de vinagre num ramo de hissopo levaram-na à sua boca (Jo 19,28-29).

A exclamação de Jesus pode ser uma alusão ao Salmo 68(69),22: "Como alimento deram-me fel e na minha sede serviram-me vinagre". Não precisa ser interpretada como zombaria, escárnio dos soldados. Pode até ser uma expressão de afeto para com esse pobre Jesus de Nazaré que ardendo de dor e de febre por causa das inúmeras chagas, pede que, pelo menos, lhe molhem os lábios. É um pedido tão humilde, extremamente humano.

Já em outra ocasião (Jo 4,1-42) Jesus fez um pedido semelhante. Viajando pela Samaria chega à cidade de Sicar, perto da célebre fonte de Jacó. Cansado senta-se à beira do poço. Uma mulher vem para tirar água e Jesus lhe pede: "Dá-me de beber!" (Jo 4,7). Primeiro pede água e depois fala da "água viva" que ele mesmo dará. A mulher fica confusa e pensa na água natural, mas Jesus fala de outra água que ele oferece e ela ainda não conhece. Esta água só recebe quem abrir o coração. "Ao pedir à samaritana que lhe desse de beber, Jesus lhe dava o dom de crer. E, saciada sua sede de fé, lhe acrescentou o fogo do amor" (Prefácio, III Domingo da Quaresma, Ano A). Só quem procura confiante o Cristo, ouvirá o Senhor dizer: "Sou eu, que falo contigo" (Jo 4,26). Um impressionante detalhe: é a hora sexta em que Jesus fala perto do poço de Jacó da "água que jorra para a vida". Tempos depois, no Gólgota, à hora sexta Jesus, pendurado na cruz, Jesus pede água: "Tenho sede!"

A sede de Deus é o tema de comoventes orações do Antigo Testamento: "Assim como a corça suspira pelas águas correntes, suspira igualmente minh'alma por vós, ó meu Deus! Minha alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo. Quando terei a alegria de ver a face de Deus?" (Sl 41(42),2-3). "Sois vós, ó Senhor, o meu Deus! Desde a aurora ansioso vos busco! A minh'alma tem sede de vós, minha carne também vos deseja, como terra sedenta e sem água" (Sl 62(63),2).

Como o mandamento do amor tem duas faces: amor a Deus e amor ao próximo, a sede de Deus se manifesta também na sede de Justiça. Jesus chama de bem-aventurados os que têm "fome e sede de Justiça" (Mt 5,6). A Justiça requer engajamento em favor do Reino, na defesa da verdade contra a mentira, da honestidade contra contra todas as formas de corrupção. “Aprendei a fazer o bem. Buscai o direito. Corrigi o opressor. Fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva!” (Is 1,17).

Sexta Palavra

Quando tomou o vinagre, Jesus disse: “Está consumado!”. E, inclinando a cabeça entregou o espírito (Jo 19,30).

O quarto Evangelho começa a narração da Última Ceia de Jesus com seus discípulos com as palavras: "Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim" (Jo 13,1). A expressão "até o fim" na língua em que o Evangelho foi escrito, o Grego, se relaciona ao "Está consumado" que Jesus falou antes de morrer. É a mesma raiz gramatical que se encontra no "até o fim" e no "consumado". Em sua agonia no horto das Oliveiras na extrema angústia que chegou a transformar-se até em "espessas gotas de sangue que caíam por terra" (Lc 22,43), Jesus ainda pede que o Pai afastasse o cálice, mas ao mesmo tempo afirma sua fidelidade "até o fim": "Não a minha vontade, mas a tua seja feita!" (Lc 22,42). "Até o fim" não se refere apenas ao término cronológico da missão do Filho de Deus nesta terra, mas a sua inabalável determinação de cumprir com a vontade do Pai, numa obediência "até ao extremo", "até as últimas consequências", "até a morte e morte na cruz" (Fl 2,8).

Mas o amor obediente e fiel ao Pai com todo o coração, com toda a alma, com toda a força (cf. Dt 6,5) se complementa pelo amor, também "até ao extremo" aos "seus que estavam no mundo". Assumiu serviço de escravo ao cingir-se com um avental e lavar os pés aos seus discípulos. Exige deles que façam o mesmo. "Se portanto, eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns aos outros" (Jo 13,14) e mais adiante explicita essa exigência: "Dou-vos um mandamento novo; que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros" (Jo 13,34; cf. Jo 15,12). Jesus insiste no "como" que significa: "do mesmo jeito", "da mesma maneira", isto é, "até o fim" - "até ao extremo" - "até as últimas consequências". Ao derramar seu sangue doou-se a si mesmo totalmente, deu sua vida "até o fim". Com o "Está consumado!" prega o amor incondicional: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos" (Jo 15,13).

Contemplamos o Senhor crucificado, o corpo dilacerado pelos açoites, as mãos e os pés perfurados. "Está consumado!". O amor chegou ao extremo. Mas contemplamos na face ensanguentada de Jesus também os rostos de tantas irmãs e irmãos nossos que sofrem. O Documento de Aparecida (DAp 65) se refere explicitamente a comunidades indígenas e afro-americanas, mulheres excluídas, em razão de gênero, raça ou situação sócio-econômica, jovens que recebem uma educação de baixa qualidade e não têm oportunidades de progredir, pobres, desempregados, migrantes, deslocados, agricultores sem terra, meninos e meninas submetidos à prostituição infantil, dependentes de drogas, as pessoas com limitações físicas, os portadores e vítimas de enfermidades graves que sofrem a solidão; sequestrados e os que são vítimas da violência, do terrorismo, anciãos recusados por sua família como pessoas incômodas e inúteis, os presos em situação desumana. "Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo novo: a exclusão social. (...) Os excluídos não são somente explorados, mas supérfluos e descartáveis“.

Só o Amor "até o fim" vê com os olhos de Deus os pobres e condenados à morte antes do tempo. Só este Amor desvenda, a partir do coração de Deus, as causas de uma realidade iníqua. Há estruturas que promovem a morte, há projetos que destroem o lar que Deus criou para todos nós. A criação geme em dores (cf. Rom 8,22) pelas feridas que lhe causamos, comprometendo a vida das futuras gerações.

A Mãe de Jesus, com o coração traspassado pela dor, ouve as palavras de seu filho: "Está consumado!". O Sim, dado ao anjo Gabriel, e seu "Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra" (Lc 1,38) chegam ao ponto culminante. Também Maria pode ao pé da cruz exclamar: ”Está consumado!”. Em breve terá apenas um corpo inerte e gélido em seus braços. Não dá para entender, como muitos anos atrás, também em Jerusalém, não entendeu as palavras do menino de doze anos (cf. Lc 2,48-50). Importante não é entender, mas doar-se "até o fim".

Sétima Palavra

Era já mais ou menos a hora sexta quando o sol se apagou, e houve treva sobre a terra inteira até à hora nona, tendo desaparecido o sol. O véu do Santuário rasgou-se ao meio, e Jesus deu um forte grito: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito" Dizendo isso, expirou. O centurião, vendo o que acontecera, glorificava a Deus, dizendo: "Realmente, este homem era justo!" (Lc 23,44-47).

Segundo o Evangelho de São Lucas, Jesus morre recitando o versículo 6 do Salmo 30 (31): Pai, "em tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23,46). O versículo se completa com as palavras "tu me resgatas, Senhor, Deus fiel“. Todas as noites, nas Completas da Liturgia das Horas, a Igreja repete essas palavras. Não há oração da noite mais enternecida do que esta que lembra as derradeiras palavras de Jesus na cruz.

Agora, Jesus está morto. O centurião romano não consegue disfarçar seu assombro. Atesta a inocência do crucificado. Afirma que era "justo". O corpo é descido da cruz e sepultado. Rolam uma grande pedra para a entrada do túmulo (cf. Mt 27,60). Nas famílias judias acendiam-se as velas e "o sábado começava a luzir" (Lc 23,54).

No calvário, uma cruz manchada de sangue lembra a morte atroz de Jesus de Nazaré. O letreiro redigido por Pilatos em três línguas, "em hebraico, em latim e em grego" (Jo 19,20) continua informando quem aí foi executado: "Jesus Nazareu, o rei dos judeus" (Jo 19,19).

O fim definitivo? Aparentemente! Mas a história não termina aqui! "Ao raiar do primeiro dia da semana" (Mt 28,1), "Maria, a Madalena, e a outra Maria" foram ao túmulo e receberam a notícia alvissareira: "Ele não está aqui, pois ressuscitou!" (Mt 28,6) E "elas, partindo depressa (...) correram a anunciá-lo aos seus discípulos" (Mt 28,8). São Marcos nos conta que Maria, a Madalena, "foi anunciá-lo àqueles que tinham estado em companhia dele e que estavam aflitos e choravam" (Mc 16,10). Pelo Sim de uma mulher, Maria, Deus inicia sua maravilhosa obra salvífica, enviando o seu Filho. Foi também através de uma mulher, outra Maria, a Madalena, que se inicia o anúncio pascal que atravessará os séculos e milênios. "É verdade! O Senhor ressuscitou!" (Lc 24,34). O primeiro anúncio "Ressuscitou!" coube às mulheres (Lc 24,1-10).

No dia da Ascensão, Jesus, ao despedir-se de seus discípulos e discípulas, dirige-lhes uma última mensagem: "O Espírito Santo descerá sobre vós e dele recebereis força. Sereis, então, minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra“ (At 1,8).

Feliz Páscoa, minha irmã, meu irmão!

CRISTO RESSUSCITOU!
VERDADEIRAMENTE RESSUSCITOU!


Dom Erwin, Bispo do Xingu
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1 Os Evangelhos não falam em "Maria Madalena", mas sim em "Maria, a Madalena", (= natural de Magdala) ou então "Maria, chamada Madalena" (Lc 8,2).

2 O quarto Evangelho usa essa expressão seis vezes: na última ceia (13,23-26), aqui em relação ao discípulo junto à cruz, nas narrativas da Ressurreição (20,2-10; 21,7; 21,20-23) e ainda para provar que esse discípulo está autorizado a dar "testemunho" e que "seu testemunho é verdadeiro" (Jo 21,24).
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Texto escrito em Altamira, por ocasião da Páscoa da Ressurreição 2011
Disponível em: Prelazia do Xingu

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