terça-feira, 17 de março de 2015

Homilética: 5º Domingo da Quaresma - Ano B: "Atração da Cruz".


Aproximam-se aqueles dias intensos nos quais celebraremos o mistério da nossa salvação. No próximo domingo, a Igreja tornará a vivenciar a entrada de Cristo em Jerusalém e viverá a partir de então, e com muita intensidade, aqueles dias tão fortes da Semana Santa e do Tríduo Sacro. Tão perto de tão grandes acontecimentos, é maravilhoso poder escutar essas palavras de Jesus na Missa de hoje: “E quando eu for levantado da terra atrairei todos os homens a mim” (Jo 12,33).

A cruz do Senhor atrai. Já disse e tornarei a repetir: erram todos aqueles cristãos que querem tirar a cruz do cristianismo, equivocam-se todos aqueles que querem apresentar um cristianismo light, sem exigências, a gosto do “cliente”. Certas comunidades, ditas cristãs, ao parecer muito interessadas no dinheiro dos “fregueses”, retalham a doutrina de Cristo e apresentam somente aquelas coisas que são consideradas agradáveis às pessoas atualmente.

No Evangelho (Jo 12,20-33) Jesus mostra que desejam vê-Lo: É o caminho da Cruz, o caminho da obediência a Deus, o caminho da semente lançada à terra, que não fica só, mas, morrendo, produz muito fruto. É chegada a hora de Jesus. Trata-se de sua Paixão e Ressurreição, pela qual Ele se lança totalmente no plano do Pai e realiza plenamente sua vontade.

“Chegou a hora – declara Ele – em que será glorificado o Filho do Homem” ( Jo 12, 23 ). Sim! Está para chegar a hora da glorificação do Filho do Homem, mas isto obrigará a passagem dolorosa através da Paixão e da Morte na Cruz. De fato, só assim se realizará o plano divino da salvação que é para todos, judeus e pagãos. Com efeito, todos são convidados a fazer parte do único povo da Aliança nova e definitiva. Nesta luz, compreendemos também a solene proclamação com que termina o trecho evangélico: “E quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32), como também o comentário do Evangelista: “Assim falava para indicar de que morte deveria morrer” (Jo 12, 33). A Cruz: a altura do amor é a altura de Jesus e a esta altura Ele atrai a todos.

Para conhecer Jesus: devem morrer as seguranças humanas, o apego à própria vida é à sabedoria humana… Deve morrer tudo o que nos afasta do projeto de Jesus, que veio para que todos tenham vida em abundância.

Ao ser pregado na Cruz, Jesus é o sinal supremo de contradição para todos os homens! “Cristo, Senhor Nosso, foi crucificado e, do alto da Cruz, redimiu o mundo, restabelecendo a paz entre Deus e os homens. Jesus Cristo lembra a todos: “quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a Mim” (Jo 12,32), se vós Me puserdes no cume de todas as atividades da terra, cumprindo o dever de cada momento, sendo Meu testemunho naquilo que parece grande e naquilo que parece pequeno, tudo atrairei a Mim. O Meu reino entre vós será uma realidade” (Cristo que Passa, 183). Cada cristão seguindo Cristo, há de ser uma bandeira hasteada, uma luz colocada no candeeiro: bem unido pela oração e mortificação à Cruz, em cada momento e circunstância da vida, há de manifestar aos homens o amor salvador de Deus Pai.

A cruz de Cristo atraiu cada um de nós e continuará atraindo, também através da vida santa de cristãos bem dispostos a servir a Deus em todos os momentos e a todos os seres humanos por amor a Deus. Isso acontecerá se a nossa vida estiver selada pela santa Cruz, que aponta e traz em si o mistério da Ressurreição do Senhor. Tudo isso custará sacrifício, mas… O que foi a entrega de Cristo na cruz senão uma oferta, um dom sagrado (sacrifício), ao Pai no Espírito?

COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

Leituras: Jr 31,31-34; Sl 50; Hb 5,7-9; Jo 12,20-33

Caros irmãos e irmãs, muito oportunamente a liturgia nos faz meditar um texto do Evangelho de São João para este quinto domingo da Quaresma, enquanto se aproximam os dias da Paixão do Senhor. Na medida em que peregrinamos para o fim desse tempo quaresmal, vai adquirindo figura mais nítida a meta que ela propõe: A celebração da Páscoa do Senhor.  O texto evangélico que a Liturgia da Palavra nos propõe para este domingo nos permite ver como Jesus viveu interiormente o aproximar-se da “sua hora”. Em sua alma começou já a agonia do Getsêmani: “Agora sinto-me angustiado” (v. 27), mas sobretudo pelas palavras por Ele pronunciadas: “Pai, glorifica o teu nome”, o que indicam que a morte de Cristo é a uma prefiguração do mistério pascal, onde se realiza a sua própria glorificação.

Falando da sua já próxima morte gloriosa, Jesus usa ainda uma imagem simples e ao mesmo tempo sugestiva, tendo como referência o ambiente agrícola, refere-se ao grão de trigo para nos transmitir um ensinamento que põe luz, antes de tudo, em seu caso pessoal, e depois também no de seus discípulos: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto” (v. 24).  Jesus compara-se a si mesmo com um grão de trigo que se desfaz, para produzir muitos frutos para todos.

Neste contexto, temos uma importante lição sobre o valor da renúncia e da mortificação. O que Jesus está dizendo é principalmente o anúncio de sua morte e ressurreição.  É Ele esse divino grão de trigo, que vai cair no solo da morte, mas vai ressuscitar e dar vida a um infinito número de fiéis. O grão de trigo, para se transformar em espiga, deve desaparecer debaixo da terra.  Ao ser colocada debaixo da terra, a semente parece perder-se e morrer, mas em seguida, aquecida pelos raios do sol, reaparece multiplicada em uma espiga que anuncia a vitória da vida.

Se o grão de trigo quer dar fruto, é preciso que ele passe pela terra onde vai apodrecer, mas o seu percurso sequencia fazendo surgir frutos. Jesus quer dar a vida, Ele escolhe passar pela morte, dando então a maior prova de seu amor pela humanidade.

Sabemos que o grão enterrado na terra sofre uma profunda transformação. O seu invólucro exterior deve rebentar e acabar por desaparecer para que o germe, até então escondido, possa crescer e produzir novos grãos. Na morte de Jesus acontece o desabrochar da Ressurreição.

Mas a história do pequeno grão de trigo ajuda também, em outro versículo, a entender a nós mesmos e o sentido de nossa existência. Depois de ter falado de trigo, Jesus acrescenta: “Pois aquele que quiser salvar a sua vida vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la” (Mt 16, 25). Cair em terra e morrer não é, portanto, só o caminho para dar fruto, mas também para “salvar a própria vida”, isto é, para seguir vivendo.

A morte é a capacidade do grão liberar a vida que possui. Podemos constatar a lógica humilde e paciente do grão de trigo que se abre para dar a vida. Jesus é o grão de trigo semeado para que nossa fome possa ser saciada. E através de Jesus Cristo presente no Sacramento da Eucaristia, Deus quer continuar a renovar a humanidade. Mediante o pão e o vinho consagrados, nos quais estão realmente presentes o seu Corpo e o seu Sangue, Cristo nos transforma, tornando-nos capazes, pela graça do Espírito Santo, de viver segundo a sua própria lógica de entrega, como grãos de trigo unidos a Ele e nele.

É necessário que Jesus, grão de trigo, que se faz Eucaristia, morra e dê fruto, e este fruto somos todos nós que nele acreditamos e nele temos a vida eterna. Jesus entregará ao Pai a sua vida, para frutificar em salvação para nós, para que possamos vê-lo, contemplá-lo e experimentá-lo como nossa Luz e nossa Vida.  É o próprio Cristo que está conosco, pois Ele mesmo disse: “Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20)

O pão, formado por muitos grãos de trigo, e o vinho, feito pela união de muitas uvas, encerram também um sentido de união: tornam-se pão os grãos moídos, tornam-se vinho as uvas esmagadas graças à união, unificação. Tudo isto indica também que nós, participantes do Banquete Eucarístico, por mais numerosos que sejamos, devemos nos tornar um só pão, um só vinho, quer dizer, devemos formar, unidos em Cristo, um só corpo, como nos diz São Paulo: “Uma vez que há um só pão, nós embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão” (1Cor 10,17).

No cenário evangélico temos ainda uma referência a alguns gregos que vieram a Jerusalém adorar a Deus no Templo; mas quiseram encontrar-se com Jesus, tomar contato com a salvação que Ele veio oferecer. Com isto, o autor do Quarto Evangelho sugere que o Templo e o culto antigo já não são mais os lugares onde o homem encontra Deus e a salvação; agora, quem estiver interessado em encontrar a verdadeira salvação deve dirigir-se ao próprio Jesus.

Estes homens gregos não se dirigem diretamente a Jesus, mas aos discípulos. Haverá aqui, talvez, um aceno à responsabilidade missionária da comunidade de Jesus, encarregada da missão de levar Jesus a todos os povos da terra. O fato de Filipe falar primeiro com André e só depois os dois irem contar o que se passa a Jesus, reflete a dificuldade com que as primeiras comunidades cristãs deram o passo para a evangelização dos pagãos. O Evangelista João quer, provavelmente, sugerir que integrar os pagãos na comunidade de Jesus não é uma decisão individual, mas uma decisão que a comunidade tomou depois de haver consultado o Senhor.

No pedido destes anônimos gregos podemos ver a sede que existe no coração de cada homem de ver e de conhecer Cristo; e a resposta de Jesus orienta-nos para o mistério da Páscoa; manifestação gloriosa da sua missão salvífica: “Chegou a hora em que será glorificado o Filho do Homem” (Jo 12,23).

A pergunta dos gregos revela muito mais do que desejavam: “Ver Jesus”. Muito possivelmente, todos querem ver Jesus. Mas o fato de apenas ver Jesus não transforma ninguém em discípulo. Sempre houve o número de pessoas que seguiam Jesus de longe. Ao tomar certa distância de alguém, estamos nos ausentando de qualquer compromisso.

A Carta aos Hebreus que a Liturgia da Palavra nos apresenta como segunda leitura para este domingo nos exorta à vivência do compromisso cristão e nos traz uma longa reflexão sobre o sacerdócio de Cristo (cf. Hb 5,7-9). O trecho apresentado se detém, sobretudo, na reação experimentada por Cristo diante do sofrimento e da morte.  Ele dirigiu-se ao Pai, pedindo que o ajudasse e, se fosse possível, que o poupasse da dor e da morte (v. 7). Sentiu Ele a necessidade de invocar o Pai para descobrir a sua vontade e para ter a força necessária para cumpri-la.

Peçamos a intercessão da Virgem Maria para que possamos fazer desse tempo da quaresma uma boa ocasião para “ver Jesus” e seguir fielmente os seus ensinamentos e que saibamos viver na fraternidade e na paz, sempre mais fortalecidos na fé naquele que é o princípio e fim de todas as coisas.  Assim seja.

PARA REFLETIR

Caríssimos, às portas da Semana Santa, concentremos, neste Domingo, todo o nosso olhar no Senhor nosso, Jesus Cristo, e na sua missão salvadora. Para isto, comecemos pelo belíssimo evangelho deste hoje. Contemplemos o Senhor! Contemplemo-lo com os olhos, contemplemo-lo com a fé, contemplemo-lo com o coração!

Jesus estava no interior do Templo de Jerusalém, no pátio interno, chamado Pátio de Israel. Ali, nenhum pagão podia entrar, sob pena de morte. Pois bem, dois gregos, dois pagãos, aproximaram-se de Filipe, que certamente estava na parte mais externa, no chamado Pátio dos Gentios, até onde qualquer pessoa podia chegar. Dois gentios, que procuravam com fervor o Deus de Israel, tanto que “tinham subido a Jerusalém para adorar durante a festa”. Com humildade, eles pedem: “Gostaríamos de ver Jesus!” Eles não podiam entrar no Templo, não poderiam ver Jesus, a não ser que este saísse e viesse aonde eles estavam. Filipe, então, foi a Jesus e lhe relatou o pedido dos gregos. Jesus, então, afirmou, de modo misterioso: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado!” Que mistério, caríssimos: para que os pagãos vejam Jesus, isto é, para que o contemplem com os olhos da fé, para que nele creiam e nele tenham a vida, é necessário que Jesus seja glorificado pela cruz e pela ressurreição! É necessário que Jesus, grão de trigo, que se faz Eucaristia, morra de dê fruto – e este fruto é toda a humanidade, judeus e gentios que nele acreditarão e nele terão a vida eterna:“Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz fruto”. Jesus entregará ao Pai a sua vida, para frutificar em salvação para nós, para que possamos vê-lo, contemplá-lo e experimentá-lo como nossa Luz e nossa Vida!

Mas, não foi fácil a sua missão! A vida de Nosso Senhor foi toda ela uma entrega de amor, que culminou com a entrega mais absoluta na cruz. E isso custou! Como não nos impressionar com as misteriosas palavras da Epístola aos Hebreus? “Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu. Mas, na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem!” Que mistério tão grande, tão adorável! O Filho foi se consumindo durante toda a vida, fazendo-se, por nós, obediente ao Pai, até a morte e morte de cruz. O Filho amado, durante toda a sua existência humana foi, humildemente, buscando a vontade do Pai e a ela se entregando, mesmo quando foi percebendo que a vontade do Pai querido apontava para a cruz! Assim, tornou-se causa de salvação para todos nós, para os judeus e para os pagãos! Quanto tudo isso custou: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!” Em Cristo, caríssimos, vai cumprir-se a promessa que o Senhor fizera pelo Profeta Jeremias: “Eis que virão dias em que concluirei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança: imprimirei minha lei em suas entranhas e hei de inscrevê-la em seu coração. Todos me reconhecerão, pois perdoarei sua maldade e não mais lembrarei o seu pecado”. Eis, irmãos e irmãs: é na morte de Cristo que judeus e gentios entrarão para a nova e eterna Aliança no sangue do Senhor! Quanto somos valiosos, quanto custamos em dores e sacrifício, em doação e trabalhos ao Senhor! Quanto deveríamos amar àquele que nos amou até a morte e morte de cruz! Por isso mesmo São Pedro exclamará: “Sabeis que não foi com coisas perecíveis, com prata ou com ouro, que fostes resgatados da vida fútil que herdastes dos vossos pais, mas pelo sangue precioso de Cristo” (1Pd 1,18).

E, no entanto, caríssimos em Cristo, é a cruz do Senhor, é seu sacrifício amoroso ao Pai por nós, o critério do julgamento do mundo. Como dizia o Santo Padre Bento XVI, não são os grandes, os crucificadores, que salvam, mas o pobre e impotente Crucificado: “É agora o julgamento deste mundo. Agora o Chefe deste mundo vai ser expulso, e eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim”. Compreendem, meus caros, o que o Senhor está dizendo? Sua cruz é o critério do julgamento do mundo: tudo aquilo que não couber na cruz, tudo aquilo que fugir da lógica da cruz, é lixo, é palha para ser queimada! É o amor manifestado e derramado na cruz que vence Satanás, que vence o pecado, que vence a morte e nos dá a vida plena. Não é a força, o sucesso, as razões humanas, o prestígio que salvam! Eis a loucura de Deus: é Cristo elevado na cruz quem libertará os gregos que estavam do lado de fora, sem poder entrar no povo da antiga aliança. Cristo morrerá por eles, por nós, para que todos, atraídos a ele, formemos um novo povo, a Igreja, povo da Nova e Eterna Aliança, selada no sacrifico do Senhor, neste mesmo Sacrifício Eucarístico que agora estamos celebrando nos ritos da sagrada liturgia! Quanta bondade, quanta misericórdia! Que dom tão grande recebemos do Senhor! Na cruz, de braços abertos, o Salvador nosso une judeus e pagãos num só povo, o novo Povo, a Igreja, sua amada esposa una, santa, católica e apostólica!

É este, caríssimos, o mistério que a Palavra do Senhor nos convida a contemplar neste último Domingo antes do início da Grande Semana. Mas, do alto da contemplação, o Senhor nos surpreende com um convite, um desafio, quase que uma ordem inesperada: “Se alguém me quer servir, siga-me, onde eu estou estará também o meu servo”. – Nós queremos, sim, te servir, Senhor nosso! Dá-nos a força de te seguir até onde estás: estás na cruz e estás na glória. Jamais chegaremos a esta sem passar por aquela, porque quem não ama a tua cruz não verá a tua luz, a luz da tua glória! Senhor, concede-nos, como fruto da santa Quaresma, um coração generoso para ir contigo, fazendo, como tu, a vontade do Pai na nossa vida! Senhor, dá-nos a graça de unirmo-nos mais intensamente a ti nestes benditos e santos dias que se aproximam, nos quais faremos memorial nos santos mistérios, da tua Paixão, Morte e Ressurreição, pelas quais fomos salvos e libertos! “Dai-nos caminhar com alegria na mesma caridade que te levou a entregar-te à morte no teu amor pelo mundo”. A ti a glória, ó Cristo Deus, hoje e para sempre! Amém.

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