sexta-feira, 18 de julho de 2014

O jihadismo está destruindo o nosso patrimônio


Uma vez encontrei um autêntico herói, um homem que tinha feito coisas notáveis para preservar e defender a herança cultural humana. Era Donny George (Youkhanna), o cristão assírio que ocupava o cargo de Diretor Geral do Museu Nacional do Iraque, depois da invasão dos aliados em 2003. Com esforços sobre-humanos e uma grande coragem, ele recuperou milhares de artefatos antigos roubados ou perdidos no caos, salvando assim uma porção importante dos primeiros rastros da civilização.


Tragicamente, o mundo poderia ter necessidade de muito mais indivíduos deste tipo.


Em um belo artigo publicado recentemente, Christopher Dickey advertiu que “O EIIL vai destruir a história bíblica no Iraque”, mostrando provas do fato de que o Estado Islâmico do Iraque e do Levante já destruiu muitos tesouros em museus que estavam sob seu controle e que os jihadistas estão vendendo outros para financiar as próprias atividades. Dickey ressaltou um perigo crítico, mas é parte de uma ameaça muito mais ampla e hereditária mundial. Por quanto o EIIL possa ser insano, não iniciou esta tendência, que pode ser associada também a alguns dos mais estreitos aliados do Ocidente na região. Tudo é contra os locais cristãos, ou judaicos (ou pagãos).

Desde os primeiros séculos, o islamismo proclamou a supremacia da palavra escrita, sobretudo do Alcorão. Apesar deste princípio, os muçulmanos rapidamente atribuíram santidade aos lugares e indivíduos particulares, a membros da família do Profeta, ou a xeques e santos mais recentes, e aos lugares a eles associados. Os muçulmanos de todo o mundo desenvolveram uma viva cultura de peregrinação a estes lugares santos, em duas cidades santas: Mecca e Medina. Desde o século XVIII, movimentos de reforma radical como o wahhabismo começaram a pedir a eliminação desta expressão rival de fé. Para os muçulmanos wahhabitas ou salafistas, estas ideias materiais de santidade são não islâmicas. Hoje, um peregrino que faça o mínimo gesto de respeito a um santuário, ou a uma tumba será severamente repreendido: “Não irmão, isto não é Sunnah!”.

Nos anos vinte, o wahhabismo acumulou poder na terra que hoje chamamos Arábia Saudita, e as consequências da hereditariedade cultural são catastróficas. Os sauditas destruíram impiedosamente casas, mesquitas e santuários associados ao mesmo Maomé, à sua família e aos seus primeiros seguidores. Demoliram lugares de santidade antiga e de imenso interesse histórico. Os principais grupos muçulmanos protestaram repetidas vezes, mas em vão. 

As ações sauditas estabeleceram um obstáculo muito alto para os movimentos islâmicos e extremistas de todo o mundo ansiosos para experimentar as próprias credenciais puritanas e sua recusa absoluta da idolatria, ou do sincretismo. Pensemos na destruição das obras dos talibãs, as figuras de Buda e Bamiyan, no Afeganistão em 2001, ou a carnificina nos templos e sobre as tumbas islâmicas em Mali em 2012, sobretudo em volta da grande cidade de Timbuktu. No Mali, os destruidores pertenciam ao grupo ligado à al-Qaeda Ansar Dine, Defensores da Fé. 

Uma vez que um movimento inicia aquela estrada, tem várias opções sobre como se livrar dos objetivos e lugares “ofensivos”. A simples destruição atinge o propósito e serve também como instrutiva demonstração para quem os assiste. O fato que um lugar supostamente sacro possa ser destruído sem consequências para os ativistas - nenhuma intervenção angélica, nada de chuva de sangue - envia uma poderosa mensagem de que Deus não se importa e não o protegerá.


São possíveis outras estratégias. Como ressalta Dickey, grupos como o EIIL podem desprezar e detestar as antiguidades que chegam a suas mãos, mas não há nenhuma razão pela qual eles não devam lucrar. Usando uma analogia, em 1933, o novo governo soviético vendeu o famoso livro do Evangelho, o Codex Sinaiticus, para a Grã-Bretanha. Se os crentes queriam pagar por isto, por que os comunistas não deveriam aproveitar os desejos supersticiosos deles e usar o dinheiro para promover a causa da revolução mundial?

O EIIL segue principalmente idêntico, lançando-se no mercado negro das antiguidades. Essa mudança tem consequências fundamentais para as agências de inteligência ocidentais. Há quarenta anos, estas agências sabem que o melhor modo para rastrear os movimentos terroristas é seguir o tráfico ilícito em três setores fundamentais: armas, ouro e drogas. Agora é adicionado um quarto elemento, já que os atos terroristas serão financiados pelo lucro de estátuas assírias ou cálices cristãos, manuscritos judeus ou tábuas sumérias. Espero que as nossas agências de anti-terrorismo trabalhem com forte contato com estudiosos e arqueólogos. 

Existe uma outra opção e a mais preocupante. Os extremistas como al-Qaeda e EIIL usam a violência terrorista para intimidar os próprios inimigos e demonstrar seu poder. O problema é que os meios de comunicação são inconstantes, e o público se habitua rapidamente também aos atos mais horríveis.


E isto nos leva ao mundo das antiguidades. Qual o melhor modo para chamar a atenção ocidental de maneira confiável e repetida que destrói a hereditariedade cultural: eliminar os restos dos templos gregos e dos castelos das cruzadas, dos mosaicos romanos e dos mosteiros antigos? E melhor ainda se estes locais têm alguma conotação bíblica! Atos deste tipo são simples, no sentido que não pedem infiltração em território inimigo, nem riscos físicos. Eles também poderiam ser rentáveis, porque as nações ocidentais poderiam pagar resgates substanciais para evitar a destruição de outros locais e o valor do choque que é imenso.

Talvez estamos entrando na era do terrorismo do patrimônio.
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Fonte: Aleteia

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