domingo, 22 de julho de 2018

América Latina desmascara o mito de que cristãos não são perseguidos


Recentes desdobramentos nas nações da América Central, Nicarágua e a Venezuela, oferecem não só indicações sobre o direcionamento dessas sociedades, mas também uma completa desmistificação de um dos mitos mais persistentes sobre perseguições contra os cristãos no início do século XXI.

Desde que o assunto surgiu como uma questão de debate político e midiático na década de 1990, a discussão sobre as perseguições contra os cristãos passou por várias fases de negação.

A primeira foi a ideia de que não havia tal coisa, alimentada pela suspeita em alguns circuitos culturais e midiáticos de que "as perseguições contra cristãos" tinham sido exageradas por cristãos ocidentais conservadores procurando ganhar simpatia a fim de fazer passar suas posições socialmente impopulares sobre questões relacionadas à homossexualidade e às mulheres.

Após a ascensão do ISIS no Iraque e na Síria a ideia de que a perseguição fosse uma falácia se tornou insustentável, e a maioria das pessoas estava disposta a reconhecer que os cristãos estavam realmente sendo perseguidos pelo radicalismo islâmico em várias partes do Oriente Médio.

Mais recentemente, notícias de um possível avanço nas relações China-Vaticano tem novamente chamado atenção sobre o fato de que há uma Igreja perseguida e clandestina na China, e que não são apenas muçulmanos radicais que às vezes veem o cristianismo como uma ameaça.

A negação que resta é a de que os cristãos estão em risco de perseguição apenas onde eles são uma minoria. Nas sociedades em grande parte cristãs, pelo menos é o que o mito reforça, indivíduos cristãos estão seguros - e se não estão, o que eles estão sofrendo não é perseguição "religiosa".

Mesmo uma rápida reflexão, no entanto, é suficiente para demonstrar que não é apenas em lugares onde os cristãos são minoria que há perseguição.

O Center for the Study of Global Christianity (Centro para o Estudo do Cristianismo Global, em português) estima que dos 70 milhões de cristãos que foram martirizados desde a época de Cristo, 45 milhões morreram no século XX. De longe a maior concentração foi na União Soviética, chegando até 25 milhões mortos dentro Rússia e mais 08 milhões na Ucrânia. Tanto a Rússia como a Ucrânia são sociedades profundamente cristãs e assim têm sido há séculos, mesmo durante o período em que eram governadas por regimes oficialmente ateístas.

Muitos dos mais célebres mártires do século XX vieram da América Latina, entre os cristãos que resistiram as políticas de estado da região. Um lembrete desse histórico virá em outubro, quando a Papa Francisco canonizará oficialmente o arcebispo Oscar Romero de El Salvador, que foi morto a tiros enquanto rezava uma missa em 1980 pela defesa dos pobres e das vítimas de violações dos direitos humanos.

Outros exemplos destes mártires incluem a irmã americana Dorothy Stang, a grande "mártir da Amazônia", no Brasil, que é esmagadoramente católico; e, Maria Elizabeth Macías Castro, líder do movimento leigo dos Escalabrinianos e popular blogueira, decapitada no México em 2011 por expor as atividades de um cartel de drogas.

Hoje, a América Latina está mais uma vez na linha de frente da exposição do mito de “apenas uma minoria”. A violência na Nicarágua e as tensões políticas na Venezuela estão aí para provar.

Ontem, a jornalista do Crux, Inés San Martín apontou fatos arrepiantes dos recentes ataques sobre a Igreja na Nicarágua, onde forças leais ao presidente Sandinista Daniel Ortega e sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, estão cada vez mais inclinados a ver o clero católico e ativistas como o inimigo.

Na terça-feira, de acordo com o bispo auxiliar de Manágua, o bairro de Monimbo na cidade Masaya estava sob ataque. Ele disse que tiros atingiram a paróquia de Santa Maria Madalena, onde um padre católico buscava refúgio.

No sábado, a Igreja da Divina Misericórdia em Manágua ficou sob cerco durante 16 horas. Ela se tornou um refúgio para os estudantes que, enquanto protestavam na Universidade das proximidades, foram atacados por forças pró-governo. Fotos postadas nas redes sociais mostravam que a igreja tinha sido alvejada por tiros.

No domingo, o carro de um bispo foi baleado enquanto ele se dirigia a Nindiri, onde esperava que ele acabasse com o ataque de militares. Ele não foi ferido, mas os pneus e as janelas do carro foram destruídos.

No mesmo dia, a casa de um padre em Masaya foi saqueada pela polícia. Os pertences foram levados sem que nenhuma explicação fosse dada.

Na segunda-feira, um centro Caritas foi incendiado no norte da cidade de Sébaco.

Em 09 de julho, um cardeal, um bispo e o representante do Papa estavam entre padres de Manágua que foram atacados por uma multidão pró-governo enquanto tentavam proteger a Basílica de São Sebastião na cidade vizinha de Diriamba.

Ao mesmo tempo, na Venezuela, ao final da Assembleia Geral de 07 a 11 de julho, os bispos do país chamaram o governo do presidente Nicolás Maduro de “regime de facto”, devido ao desrespeito a Constituição e aos princípios da dignidade das pessoas.

Embora poucos incidentes de ataque tenham acontecido, em janeiro Maduro acusou dois bispos de “crime de ódio” por terem feito homilias em que denunciaram a fome e a corrupção.

Nenhuma acusação formal contra os bispos foi feita, mas era um sinal claro de que o governo está observando. Um deles, arcebispo Antonio López Castillo, de Barquisimeto, disse que recebeu um telefonema de apoio do Papa Francisco.

Nicarágua e Venezuela, não é preciso dizer, são ambas sociedades fortemente católicas, na qual a Igreja ocupou uma posição dominante por muito tempo.

Por acaso as duas nações estão na América Latina, mas há uma abundância de exemplos em outros lugares. Nas Filipinas, também muito católica, na quinta-feira, uma freira australiana de 71 anos foi condenada a ser deportada em função de sua participação em protestos contra a violenta repressão antidrogas lançada pelo presidente Rodrigo Duterte. Em todo país, ativistas católicos têm sido alvo de forças pro-Duterte.

Os recentes desdobramentos confirmam: em qualquer lugar que os cristãos professem sua fé abertamente, em qualquer lugar que tomem posições controversas em favor da justiça social e dos direitos humanos com base em suas convicções, estarão expostos ao perigo. Na verdade, o martírio também pode se dar onde os cristãos são maioria pela simples razão de que é mais provável que ativistas e vozes de consciência que estejam na oposição sejam cristãos.

Em outras palavras, o núcleo da vida cristã permanece o mesmo no século XXI tanto quanto foi no primeiro: O Evangelho é sempre disruptivo. Então quem o leva a sério e está disposto a colocar sua vida em risco por esse ele, não tem garantias de segurança, não importa o lugar onde vive.

John L. Allen Jr.
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Tradução: Victor D. Thiesen.
Fonte: Crux
Disponível em: IHU Unisinos

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