sábado, 16 de fevereiro de 2019

A lama do pecado


O Brasil e o mundo se assustaram com o terrível desastre do rompimento da barragem em Brumadinho MG, especialmente com o sofrimento e a morte de pessoas, com a dor dos seus familiares, colegas e amigos. 

Com o Papa Francisco, exprimimos também os nossos sentimentos de pesar pela tragédia que atingiu o Estado de Minas Gerais. E com Sua Santidade recomendamos à misericórdia de Deus todas as vítimas e ao mesmo tempo rezamos pelos feridos, exprimindo o nosso afeto e proximidade espiritual às suas famílias. Estamos solidários com os Bispos de Minas, suas dioceses e o povo mineiro em geral.

Mas esse desastre ambiental, com sintomas de crime, nos leva a questionamentos e reflexões. A lama muitas vezes é tomada na Sagrada Escritura como símbolo do pecado. Será que essa lama de Minas Gerais não aponta pecados graves de omissão nos responsáveis?

Um dos princípios fundamentais da Doutrina Social da Igreja é a prioridade do ser humano sobre os bens materiais: “É preciso acentuar o primado do homem no processo de produção, o primado do homem em relação às coisas” (S. João Paulo II, Lab exercens, 12f). Quando o ser humano é tratado apenas como peça de uma engrenagem de produção, quando se põe o lucro e o dinheiro acima das pessoas, estamos no inverso do que se espera de uma sociedade humana e cristã. E essa prioridade é negligenciada quando se pensa mais no lucro e no dinheiro do que na segurança e bem-estar das pessoas, com gravíssimas consequências, como as que presenciamos. O Papa Francisco tem nos advertido contra a cultura do lucro, do descarte e da indiferença, sobretudo em se tratando de pessoas. O preço da vida humana é inestimável.

São Leonardo de Porto Maurício, exímio pregador, falando sobre a grande responsabilidade dos que têm outros sob sua guarda, conta-nos uma curiosa parábola: certo pastor de cabras foi preso e lançado na prisão sem saber por quê. E ele dizia a si mesmo: eu não fiz mal algum. E no tribunal lhe perguntaram: você não é o pastor tal, guardião daquele rebanho? Sim, respondeu ele. Você está condenado às galés. Mas por que? Enquanto você tocava sua flauta e descansava, suas cabras romperam a cerca, entraram na plantação do vizinho e destruíram tudo. Elas são animais irracionais. Mas você era o guardião e responsável: crime de omissão. Pela sua negligência, está condenado a pagar todos os prejuízos. 

Grandes tragédias já aconteceram por negligência dos (ir)responsáveis. No Titanic, o telegrafista não se importou com as insistentes advertências dos outros navios sobre a presença de perigosos icebergs. Uma inadvertência do comandante do transatlântico, um cochilo do piloto do avião que depois ficou ingovernável, a falta de colocação de disjuntores em aparelhos de ar condicionado, etc. Mede-se a gravidade da negligência pelo tamanho do prejuízo causado. Os responsáveis devem ser responsabilizados e punidos, para se evitar desastres futuros. 
 

Dom Fernando Arêas Rifan,
bispo administrador apostólico da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney.

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