segunda-feira, 15 de agosto de 2016

No exterior, combates; no interior, temores


Os santos varões, envolvidos na luta das adversidades, ao mesmo tempo que golpeiam a uns, a outros sustentam pela persuasão; àqueles opõem o escudo da paciência, a estes atiram as setas da doutrina, e em ambos os modos de combater, impõem-se pela maravilhosa arte da virtude. Dentro, compõem com sabedoria as coisas desregradas, e fora, desprezam com fortaleza as adversas. Ensinando, corrigem a uns; a outros, tolerando, barram o caminho. Pois pela paciência suportam os inimigos que atacam, mas por compaixão reconduzem à salvação os irmãos mais fracos. Resistem àqueles para que não desencaminhem os outros. A estes oferecem a sua solicitude, para que não se desviem totalmente do caminho reto.  

Contemplemos o soldado dos exércitos de Deus, lutando contra ambos. Diz: No exterior, combates; no interior, temores(2Cor 7,5). Enumera as pelejas que sustenta fora: Perigos nos rios, dos ladrões, perigo dos de minha raça, perigos dos gentios, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos dos falsos irmãos (2Cor 11,26). Nesta guerra, aos dardos a se lançarem contra o adversário, acrescenta: Nos trabalhos e tristezas, nas muitas vigílias, na fome e na sede, em muitos jejuns, no frio e na nudez (2Cor 11,27).  

Mas, envolvido em tantas lutas, diz como guardava pela fortaleza das vigílias o próprio acampamento. Ajunta logo: Além destas coisas exteriores, minha preocupação diária, a solicitude por todas as Igrejas(2Cor 11,28). Com coragem aceita em si as lutas e se consagra com misericórdia a proteger o próximo. Contra os males sofridos, acrescenta o bem realizado.  
Imaginemos que trabalho tolerar os males de fora e ao mesmo tempo proteger os fracos de dentro. Suporta no exterior adversidades. Pois é rasgado pelas chicotadas, preso em cadeias. No interior, sente o medo de que seus sofrimentos sejam obstáculos não para si, mas para os discípulos. Por isto escreve-lhes: Ninguém se perturbe com estas tribulações. Vós mesmos sabeis que para isto fomos escolhidos (1Ts 3,3). Em seus padecimentos temia a queda dos outros, porque se os discípulos soubessem que suportava açoites pela fé, talvez viessem a recusar o testemunho de fidelidade.  

Ó entranhas de imensa caridade! Não se importa com aquilo que ele mesmo sofre e cuida de que os discípulos não sofram de alguma ideia perniciosa no coração. Despreza em si as feridas do corpo e sara nos outros as feridas do coração. Os justos têm isto de próprio: na dor de suas atribuições, não abandonam o interesse pelo bem do outro; e, sofrendo, estão atentos a ensinar o necessário aos outros e sofrem como grandes médicos doentes. Em si toleram as feridas profundas e prescrevem a outros os medicamentos salutares.



Dos livros Moralia sobre Jó, de São Gregório Magno, papa
(Lib. 3,39-40: PL75,619-620)             (Séc.VI)

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