quinta-feira, 11 de outubro de 2018

"Plebiscito Constituinte" é Tentativa de Golpe (Parte 2)



Afinal, por que uma Constituinte?

Na primeira parte deste texto, expus algumas noções fundamentais sobre o “plebiscito constituinte” que começou recentemente a pipocar pela internet: quem o está organizando, o que ele pretende convocar e qual a dimensão do poder que uma “assembleia constituinte” efetivamente possuirá caso venha a ser realizada.

Agora, passo a um ponto ainda mais importante: a investigação dos motivos pelos quais se pretende convocar um plebiscito e uma constituinte. Ainda que seja verdade o fato de que o sistema atual tenha seus problemas e precise de reformas (embora as reformas necessárias não coincidam com as propostas pela esquerda, que isso fique claro), por que é que PT, CUT e “movimentos sociais” querem fazê-las por meio de um novo poder constituinte, e não simplesmente emendando a constituição atual?

A resposta é complexa. Não é minha intenção aqui esgotar o tema, mas apenas expor algumas premissas iniciais que, em minha opinião, não podem ser ignoradas nesse debate. Em um texto anterior, cuja leitura ajuda a entender alguns dos pontos que pretendo levantar, procurei fazer uma analogia entre uma medida recém-adotada pelo governo petista (o Decreto 8.243) com a experiência histórica anterior do socialismo e as lições deixadas por seus teóricos. No caso do plebiscito constituinte, uma comparação similar pode ser feita.

A defesa "light" da constituinte

Luís Roberto Barroso, Ministro do STF indicado pelo PT

O assunto deste texto são as motivações ideológicas que norteiam os promotores do plebiscito. Antes de falar propriamente sobre elas, no entanto, é preciso apontar que nem todos os defensores da ideia são socialistas, revolucionários ou coisa que o valha. Quem defende o plebiscito não necessariamente usa camiseta do Che Guevara. Há gente que, por uma razão ou outra, defende a ideia de uma forma mais sutil, não recorrendo a noções relacionadas à ruptura institucional. Vamos a dois exemplos.

A ideia de uma constituinte exclusiva para a reforma política não é nova. Ao longo do tempo, vários juristas se posicionaram contra ela, entre os quais o atual ministro do STF, Luís Roberto Barroso, em entrevista concedida a um site jurídico em 2011. Naquela ocasião, Barroso defendeu exatamente o mesmo entendimento exposto na parte 1 deste artigo: “a teoria constitucional não conseguiria explicar uma constituinte parcial. A ideia de poder constituinte é de um poder soberano, um poder que não deve o seu fundamento de legitimidade a nenhum poder que não a si próprio e à soberania popular que o impulsionou. De modo que ninguém pode convocar um poder constituinte e estabelecer previamente qual é a agenda desse poder constituinte. O poder constituinte não tem agenda pré-fixada”.

No entanto, o mesmo Barroso milagrosamente negaria seu próprio entendimento dois anos depois, logo após ser indicado para o STF. Que coincidência, não? Na ocasião (logo após os protestos de jun/13, quando a história da “constituinte” ganhou força) ele chegou a afirmar que sempre fora “a favor de uma Constituinte específica, que possa tratar de temas específicos como, por exemplo, uma reforma política”. Coerência zero.

Outro jurista esquizofrênico no que concerne o tema é o atual presidente da República (e professor de direito constitucional) Michel Temer. No caso dele é ainda pior: a incoerência está dentro de um mesmo texto, publicado em 2007. Nele, Temer inicialmente se diz contra uma constituinte exclusiva para a reforma política, por questões técnicas e também porque sua instalação significaria “a desmoralização absoluta da atual representação” e “a prova da incapacidade de realizarmos a atualização do sistema político-partidário e eleitoral”. Até aí tudo bem. O problema é o trecho em que ele menciona que seria possível “uma autorização popular, plebiscitária, para permitir a revisão do pacto federativo e de outras matérias que são imodificáveis no texto constitucional. E desde que não se pense em modificar os direitos e as garantias individuais e os direitos sociais”. Ora, decida-se: dá para fazer constituinte ou não?

Posições como as de Barroso e Temer acabam por se revelar completamente incoerentes – na busca por uma solução conciliatória incorre-se em uma contradição intrínseca, defendendo-se ao mesmo tempo o poder atualmente vigente e o que seria instituído pela assembleia. Sr. Spock diria que isso é ilógico. Das duas, uma: ou não se convoca uma constituinte e se mantém o estado atual, ou se convoca e se dá um chute na ordem vigente. Se não existe meio estado, também não existe meia constituinte.

Por isso, a análise das razões ideológicas do plebiscito deve ir mais a fundo do que o exposto nesse tipo de opinião. Deve-se entender a motivação por trás de quem propõe a ideia “completa”: ou seja, daqueles que sabem, assumem e defendem que a constituinte será um reboot no estado brasileiro. É o caso, por exemplo, dos autores que assinam o “livro jurídico” destinado a justificar o plebiscito.

Socialismo e Estado

Teórico do pensamento comunista, Karl Marx

Creio que não haverá discordâncias se essa análise for iniciada por Karl Marx – na verdade, estranho seria se alguém não associasse uma iniciativa apoiada por inúmeros “sindicatos”, “movimentos sociais”, “frentes de luta” e partidos de esquerda com o pensamento do filósofo alemão. Como se não bastasse, vários textos que defendem o plebiscito se baseiam nas teorias do barbudo. Nada mais natural do que falar sobre ele, então.

Para Marx e seu amigo Engels, o estado (ou melhor, a forma como o estado estava constituído a seu tempo) nada mais era do que um instrumento ideológico a serviço da “burguesia” – como afirmado no Manifesto Comunista, “o governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” (p. 10). A solução para esse problema seria a derrota da burguesia e a tomada dos meios de produção pelo proletariado, seguida pela substituição da organização estatal outrora vigente pelo “proletariado organizado em classe dominante”. Como esse processo seria realizado? Marx e Engels não dão muitos detalhes no Manifesto, até porque o livro foi escrito em 1848 e, na época, não havia lá muitas experiências históricas de “revoluções proletárias” nas quais eles pudessem se basear.

Marx voltaria a se debruçar sobre a questão mais de vinte anos depois, ao analisar as razões pelas quais a Comuna de Paris havia falhado. Para refrescar a memória das aulas de História: a Comuna foi a primeira vez na história em que um governo socialista foi de fato implantado, o que ocorreu na capital francesa após o fim da Guerra Franco-Prussiana, em 1871. O descontentamento popular gerou uma insurreição que derrubou o governo republicano e instituiu o governo comunal, que duraria menos de dois meses.

Por motivos óbvios, Marx se interessou bastante pelo assunto e escreveu vários textos a respeito. Um deles interessa particularmente aqui. Trata-se de uma carta a seu amigo Ludwig Kugelmann, enviada em abril de 1871, ainda durante a existência da Comuna. Nessa carta, Marx afirmou que os communards não deveriam “passar para outras mãos a máquina burocrática e militar, como se tem feito até aqui, mas destruí-la” – o original fala em zerbrechen, verbo alemão que significa algo como “quebrar em pedaços”. Para uma análise mais completa a respeito da ideia do estado em Marx, sugiro a parte final deste texto.

Quase cinquenta anos depois, essa passagem influenciaria o pensamento de Lênin – que, em sua obra “O Estado e a Revolução”, afirmou que “essas palavras … condensam a grande lição do marxismo a propósito do papel do proletariado revolucionário com relação ao Estado”. A análise que Lênin desenvolve indica que “todas as revoluções anteriores aperfeiçoaram a máquina do Estado, mas é preciso demoli-la, quebrá-la” – ou seja, substituir o estado que existia até então por outro, inteiramente novo.

Imagino que o leitor mais atento já tenha adivinhado onde quero chegar. Mas prossigamos.

Socialismo e Constituição


As ideias de Marx e Lênin são fundamentais para se entender o porquê de determinadas entidades preferirem reescrever a constituição brasileira do zero a reformá-la “por dentro”. Mas há uma segunda noção que deve ser entendida sobre o assunto, igualmente importante. Ela vem do trabalho de Ferdinand Lassalle, um teórico socialista do século XIX, e é estudada até hoje nas faculdades de direito.

Na teoria de Lassalle, exposta neste texto de 1862, a verdadeira constituição de um país não seria aquilo que está escrito em um conjunto de normas jurídicas com esse nome, e sim o que ele chama de “fatores reais do poder” – as relações concretas que existem entre soberano, burguesia, povo etc. De acordo com Lassalle, uma constituição escrita que não reflita tais “fatores de poder” será apenas uma “folha de papel” – isto é, algo que não vale porcaria nenhuma.

Explico melhor. Para Lassalle, não adianta nada uma constituição dizer que “os órgãos responsáveis pelo poder são x, y e z”: se essas relações não existirem previamente na sociedade, “nem Deus nem a força” salvam essa constituição. O real precede o escrito. Nas palavras do próprio autor, “de nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder”. Uma consequência dessas premissas é a de que, se uma constituição não está de acordo com “os fatores reais e efetivos do poder” que imperam em uma sociedade, ela deve ser reformada – “virada da direita para e esquerda”, como diz o autor.

Essas ideias já foram aplicadas na prática. Na história constitucional soviética, elas se transformaram naquilo que se chamou de “constituição-balanço”. Uma “constituição-balanço” é um documento que descreve e registra a organização política estabelecida em um determinado momento, a qual muda conforme o processo revolucionário avança. Esse tipo de constituição funciona como uma “fotografia” das relações de poder que existem em um país em um determinado estágio da marcha para o socialismo. Quando essa marcha alcança um novo patamar, uma nova constituição é promulgada – e assim sucessivamente.

história da União Soviética registrou três “constituições-balanço”, após um primeiro texto constitucional elaborado em 1918. A primeira delas (1924) foi uma simples consolidação de declarações e tratados anteriores, entre os quais o que criou a URSS em 1922. A segunda (1936), por sua vez, aboliu o sistema de voto limitado e em escalões sucessivos herdado dos sovietes de 1917, instituindo o sufrágio universal – a premissa que norteou a mudança foi a de que à época a revolução já estaria consolidada e não haveria mais uma “burguesia exploradora”. Já a terceira (1977) procurou aprofundar a “democracia socialista” que se julgava existir na época – seu preâmbulo afirma que “como as metas da ditadura do proletariado foram cumpridas, o estado soviético se transformou em um estado do povo. O papel de liderança do Partido Comunista, a vanguarda de todo o povo, cresceu” (o uso de verbos no pretérito revela exatamente o que expliquei acima: no constitucionalismo socialista, considera-se que a relação real de poder é anterior ao texto da constituição).

Seguindo uma lógica similar, outros países socialistas também tiveram o hábito de reformar continuamente suas constituições. A Iugoslávia, por exemplo, passou por três reformas (1953, 1963 e 1974). Após a assunção do chairman Mao, a China viu quatro constituições (1954, 1975, 1978 e 1982) – a última, em vigor até hoje, passou por processos de revisão em 1988, 1993, 1999 e 2004. Na América Latina, a Venezuela adotou uma nova constituição em 1999 e a Bolívia em 2009. Cuba reformou a constituição de 1976 duas vezes (1992 e 2002). Foram apenas emendas ao texto original, mas com significação profunda – a última chegou a lançar um double dare no artigo 3º, dizendo que o socialismo no país “es irrevocable y Cuba no volverá jamás al capitalismo”.

Com a teoria e essas experiências históricas, dá para entender qual é a visão que um socialista tem a respeito da constituição. Na visão socialista, a constituição está para o processo de tomada do poder assim como os níveis estão para um jogo de videogame: basicamente, ela sinaliza que um conjunto x de objetivos já foi superado e que ainda restam os objetivos y, z e w até o resultado final. Foi o que ocorreu, por exemplo, no processo constitucional soviético: enquanto a constituição de 1936 foi editada após os revolucionários julgarem ter “acabado com a burguesia exploradora”, a de 1977 demonstrou que se considerava ter sido consolidada uma “democracia socialista”.

E o que exatamente está fazendo o PT e os “movimentos sociais” acreditarem que passaram de nível no jogo político brasileiro, a ponto de justificar uma nova constituição? A resposta não é simples, nem de longe. Mas tentarei esboçá-la no próximo item.

Achievement unlocked: faça o povo se cansar das instituições


A ideia de um “plebiscito constituinte” no Brasil, na verdade, já vem de longe – um exemplo disso é o artigo de Michel Temer a que me referi acima, elaborado em 2007. Mas a coisa realmente começou a ser divulgada no ano passado, após o quebra-pau nacional dos protestos de junho. Lembram-se do discurso de Dilma na TV propondo um “pacto” pela reforma política? Pois então. Logo após, no dia 24 de junho de 2013, a ideia foi detalhada em um pronunciamento no Palácio do Planalto: com sua habilidade retórica habitual, a presidente anunciou que pretendia “propor o debate sobre a convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinte específico para fazer a reforma política que o país tanto necessita”. Tal debate não avançou no Congresso, apesar da insistência do Executivo e, particularmente, de Dilma (12).

Nesse contexto, é fácil entender que o “plebiscito popular” nada mais é do que um subterfúgio, uma maneira de se realizar extraoficialmente aquilo que não se conseguiu pelas vias legais.

E por que o PT insiste na realização do plebiscito neste momento? A resposta pode ser encontrada na “resolução sobre a situação política” do Brasil divulgada após a primeira reunião do Diretório Nacional do partido após os protestos – note-se bem, o documento foi elaborado pelo próprio PT. Nessa “resolução”, o repúdio aos espaços tradicionais de manifestação política é evidente: diz-se que os protestos surgiram “à margem das instituições tradicionais de representação e organização”, “deixaram perplexidade no mundo político institucional” e “manifestavam um sentimento de não-representação pelos partidos e governos”. A ideia de um plebiscito é lançada três vezes ao longo do texto.

O “texto de contribuição ao debate” utilizado no V Congresso do PT (dez/2013) aprofunda a ideia, citando como meta do partido “resolver as dificuldades institucionais e burocráticas que se antepõe[sic] à ação governamental” (item 17), chamando as instituições vigentes de “arcaicas” (item 18), apontando que “é importante igualmente avançar na reforma político-institucional do país para dar continuidade e mais velocidade à transição econômica e política em curso no país” (item 32, e sim, você leu bem: “transição econômica”), e assim por diante – recomendo enfaticamente a leitura do documento inteiro. Seu ponto alto é o item 78, que merece ser transcrito na íntegra: “a agenda é vasta e complexa e envolve a discussão de formas de propriedade e de organização da economia, inclusive a democratização do espaço fabril e de todos os locais de trabalho. Envolve, também, a democratização e socialização da política, mudanças radicais na esfera da cultura e no cotidiano, sob a égide da mais ampla liberdade e do respeito dos Direitos Humanos”.

Um primeiro passo disso que está se chamando de “democratização e socialização da política” foi o Decreto 8.243, cujo mecanismo de funcionamento foi explicado neste artigo. A intenção por trás do “plebiscito constituinte” é similar, como pode ser facilmente percebido da leitura dos textos acima.

Há, no entanto, algo importante que deve ser notado. Como expliquei no item anterior, a visão socialista de uma “constituição” envolve o equilíbrio entre “fatores reais de poder” e a realidade – uma constituição não criaria poderes novos, e sim consolidaria no papel o que já existe na prática. PT, CUT e “movimentos sociais”, portanto, não julgam estar querendo “revolucionar a política” – em sua visão de mundo, o Decreto 8.243 e a nova constituição são apenas um retrato posterior de coisas que já existem de fato. Uma prova teórica disso são os textos de petistas ou de jornalistas chapa-branca sobre o decreto bolivariano: a grande maioria menciona “consolidar” ou “aprofundar” a “participação popular” na política – e não se “consolida” nem “aprofunda” algo que não se julgue existir previamente. Uma prova prática: movimentos sociais e similares já participam da delimitação de políticas públicas em administrações conduzidas pela esquerda brasileira (um exemplo aqui).

Para resumir: aqueles que querem o “plebiscito constituinte” julgam ter mudado suficientemente o Brasil, cansando o cidadão das instituições políticas já existentes e criando uma demanda por novas. Nessa visão, uma etapa do “processo revolucionário” já estaria queimada, e agora seria a hora de “passar de nível” e iniciar a etapa seguinte. No que essa etapa consiste? Excelente pergunta, mas que já extrapola o objeto deste texto. Fica para uma próxima.

E agora, o que fazer?


Uma observação fundamental não poderia passar batida antes da conclusão. O PT, na verdade, não gosta de consultas populares – aliás, tem motivos para odiá-las profundamente. Na única que fizeram, em 2005, perderam feio. Aliás, parecem não ter aceitado o resultado escolhido pela maioria (64%) da população: nove anos depois, campanhas do desarmamento vivem aparecendo por aí e somos enxurrados periodicamente por propaganda governamental dizendo “entregue sua arma”. E já se cogitou um segundo plebiscito para que a escolha do primeiro fosse revogada. Definitivamente essa não é a conduta de alguém que de fato se importe com o resultado de uma votação popular.

É importante notar que um plebiscito ou referendo “verdadeiro”, como foi o das armas, não tem resultado pré-determinado. Duas ou mais opções são lançadas um debate paritário e vence aquela que for considerada a melhor – e isso é tudo o que a esquerda não quer. Basta ver como funciona qualquer reunião de grupelhos revolucionários, do soviete de Petrogrado em 1917 a uma assembleia de DCE universitário hoje em dia. Decisões são tomadas por grupos pequenos e levadas ao conhecimento popular em um segundo momento – e, nesse processo, a única função da massa é aplaudir. O modus operandi da esquerda é sempre o mesmo: “vontade popular” significa “aclamação de uma decisão anterior”.

Dito isso, vamos aos fatos. O “plebiscito popular” será realizado quer você queira, quer não, e possivelmente você será convidado a votar nesse estrupício em algum momento. Nesse caso, você se verá em um dilema: se não votar, estará ajudando o resultado a ser uma esmagadora maioria para a opção pró-constituinte; se votar contra a constituinte, estará aumentando o número total de votos e legitimando o plebiscito. Que fazer?

A resposta a esse dilema – que não existe, é só aparente – deve considerar um ponto fundamental, que parece ser ignorado pelos organizadores do plebiscito e não deve sê-lo por seus opositores. Como o plebiscito pretende ser uma iniciativa “democrática”, nunca é demais lembrar que está faltando a ele um pressuposto fundamental à democracia: a transparência. Em uma atividade de cunho eleitoral como essa, a transparência se traduziria em revelar quem a está financiando, quanto dinheiro está envolvido em sua organização e qual sua origem. Envolveria a realização de campanhas eleitorais pró e contra a alternativa proposta, disponibilizando-se aos votantes toda a informação necessária para a tomada da melhor decisão. Além disso, demandaria a fiscalização de todo o processo de votação (cadastro dos votantes, distribuição das cédulas, contagem e recontagem dos votos etc.) por delegados neutros e/ou indicados pelos dois lados da disputa – sem isso é impossível saber se princípios básicos como o do “um homem, um voto” estão sendo respeitados.

Sem essas medidas básicas – e absolutamente nenhuma delas está sendo tomada – o resultado final do plebiscito não tem legitimidade alguma, quer ele venha a ser interpretado por seus organizadores como “manifestação da vontade popular” ou usado como instrumento de pressão junto ao Congresso. Uma votação que não atenda a esses pressupostos nada mais é que uma farsa, e deve ser tratada como tal.

É claro que, exatamente por causa do exposto nos parágrafos anteriores, a (não) participação dos opositores da “constituinte” na votação não importa tanto assim – o resultado final da votação será um embuste de qualquer forma. Independentemente da adesão que o plebiscito realmente provoque, as organizações “participantes” já estarão prontas para encher as urnas com votos favoráveis à iniciativa. Muito provavelmente veremos notícias chapa-branca dizendo algo como “95% dos votantes querem a constituinte” – um dado tão relevante quanto “100% dos torcedores do Flamengo torcem para o Flamengo”. Foi o que ocorreu, por exemplo, em 2002, quando esse mesmo povo montou um “plebiscito popular” em que 98% dos participantes (uau!) se posicionou contra a ALCA, aquele acordo de livre comércio que poderia inundar os supermercados de importados baratos dos EUA. Você votou nesse negócio? É, eu também não.

Em suma: o plebiscito constituinte pode ser comparado a uma gigantesca assembleia de DCE universitário, só que a nível nacional. Seu objetivo é claro: referendar uma decisão já tomada pelos dirigentes do grupo político que está no poder. Nesse contexto, cabe a todos aqueles que se opõem a tal decisão – ou, mais claramente, à reforma política – a tarefa de desmontar essa farsa, demostrando que, em uma campanha que desde o início está sendo direcionada para um fim determinado, não existe resultado mais previsível do que uma pretensa aclamação.
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Opinião Crítica/ Liberzone

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