segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Os primeiros cristãos eram socialistas?


São três as passagens mais citadas por gente de esquerda sobre este ponto. Porém, cada uma delas tem sua explicação:

1 – Jesus expulsou a chicotadas os mercadores do Templo. Sim, mas é preciso ler corretamente os evangelhos: Mateus 21, Marcos 11, Lucas 19 e João 2. Não eram simples “mercadores”; eles comercializavam a religião. A cada festa da Páscoa, vendiam as pombas e animais para os sacrifícios no Templo. E os cambistas trocavam o dinheiro grego e romano dos peregrinos por moedas judaicas, as únicas autorizadas para as oferendas. O templo, “Casa de Oração”, e não de negócios, se encontrava tomado por todo esse ruído e desordem.

Jesus nada tinha contra o trabalho e o comércio: ele e sua família eram carpinteiros; boa parte de seus discípulos eram pescadores; e suas maiores lições sobre o Reino de Deus são as “parábolas agrícolas”, com vinhas e propriedades, senhores e trabalhadores: nada tinham contra o capitalismo nem a favor do socialismo. O comércio com o sagrado é algo distinto; por isso aquele ato foi o equivalente a hoje expulsar a chicotadas esses pastores que enriquecem com dízimos e ofertas, “promessas” e “pactos”.

2 – E o “jovem rico”? Leia com atenção Mateus 19, Marcos 10 e Lucas 18. Um camelo não passa pelo buraco de uma agulha; é impossível. Não é como dizem, que “Agulha era o nome de uma porta da cidade”; ou “uma corda, e a palavra se parecia com um camelo”, etc. A pergunta do jovem rico nada tem que ver com riqueza, mas com vida eterna: “Mestre, que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna?” A resposta correta é: nada; porque a salvação é pela graça. “Ao Senhor pertence a salvação”: Salmo 37.39, Isaías 33.22, Jonas 2.9. E o jovem o sabia. Porém, Jesus quis que ele pensasse novamente sobre a questão, por isso repassou com ele os mandamentos; e o jovem respondeu que os observava desde a infância. Então Jesus lhe mandou que desse sua fortuna aos pobres, porém, não para ganhar o mesmo na eternidade com Deus, nem para fazer “justiça social”, mas para desligar-se de seus afãs e negócios, e se tornasse um discípulo: “segue-me”, tal como Mateus.

A vida eterna com Deus não é algo que alguém faz por merecer cumprindo essa ou aquela regra, como creem os “sinergistas” e a grande maioria das pessoas. Não é algo que os ricos podem comprar com suas riquezas; nem tampouco “ganhar” dando suas riquezas aos pobres, como dizem (mas não fazem) os socialistas. E o discipulado? Bem, esse é outro assunto: para isso, sim, é necessário deixar muitas coisas, e o jovem não estava pronto. Essas são as duas lições de Jesus ao jovem — e aos discípulos que ali estavam. Quando disse que era mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que alguém entrar por seus méritos na Salvação, os discípulos lhe fizeram outra pergunta: “Sendo assim, quem pode ser salvo?”. Resposta de Jesus: “Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível”. 

3 – No livro de Atos dos Apóstolos se diz que os primeiros cristãos tinham seus “bens em comum”. Lendo bem o contexto se vê que isso ocorreu só em uma das primeiras igrejas: a de Jerusalém, porém não nas outras. E como os cristãos de Jerusalém não podiam manter-se, as outras igrejas lhe fizeram uma coleta: Gálatas 2.10, 1Coríntios 16.1-3, 2Coríntios 8-9, e Romanos 15.25-27.

E por que isso aconteceu? Por duas razões: (1) os primeiros cristãos, quase todos judeus, eram perseguidos pelos demais judeus, em todo lugar, como se lê ao longo de todo o livro de Atos; e em Jerusalém, a capital, a perseguição era mais virulenta. (2) Eles estavam esperando o “Dia do Senhor”, o castigo divino sobre a cidade, por haver ela rejeitado e crucificado o Messias, e perseguido a seus seguidores. No capítulo 24 do Evangelho de Mateus, Jesus profetiza esse terrível dia de juízo, anunciando os sinais que viriam: falsos messias, guerras e rumores de guerras, fome, terremoto e pestes, perseguições e apostasias, e o “abominável da desolação”. Seria a “grande tribulação” que marcaria o fim, não do mundo, mas de uma era: a era judaica; e o começo de outra, a era cristã.

Esperando o dia de juízo, os cristãos viviam como em um gueto, quase na clandestinidade. Por isso não tinham negócios nem bens próprios; e no ano 70 d.C., quando se cumpriu a profecia de Jesus, e o juízo se abateu com as legiões romanas de Tito, os cristãos fugiram, ou já haviam deixado a cidade. Haviam se mudado, e estavam em diáspora, pregando o evangelho do Reino. A comunhão de bens foi uma medida excepcional, para uma emergência, somente naquela cidade; não é algo que se tome como norma no Novo Testamento. Por isso a coleta. E o casal Ananias e Safira, que mentiu sobre o preço de um terreno, foi condenado por sua mentira, não por resistir ao socialismo.

Concluindo, por que não se sabe a verdade? Por que essas interpretações corretas da Bíblia não são amplamente divulgadas e conhecidas?

Porque vão de encontro a crenças muito arraigadas e populares, que as más exegeses apoiam. (1) Não contam como realmente foi o caso dos mercadores expulsos a chicotadas porque isso seria contrariar as negociatas religiosas que são tão comuns a muitos pastores de hoje em dia; por isso fazem concessões em apoio às ideias socialistas. (2) Põem a frase do camelo e o buraco da agulha como favorável ao socialismo, porque esse diálogo, lido da forma correta, não vai contra os ricos, nem contra o capitalismo, mas contra a popular crença católico-romana de que o Céu é um prêmio que se ganha em razão de uma “boa conduta”. (3) E se o caso dos “bens em comum” dos cristãos de Jerusalém fosse lido apropriadamente, seria necessário mencionar a feroz perseguição dos judeus aos cristãos, e o terrível juízo de Deus sobre os judeus e sua cidade sagrada; e isso poderia soar “antissemita”, e não é “politicamente correto”, entende? Por isso retorcem Mateus 24, para dizer que fala do “Fim do Mundo” vindouro, quando não é o caso. E utilizam o caso de Ananias e Safira para apoiar teses socialistas, quando também não se trata disso.


Alberto Mansueti 
é advogado e cientista político.
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Mídia sem Máscara  
Texto originalmente publicado no jornal boliviano El Día.

Tradução: Márcio Santana Sobrinho

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