sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Não somos deuses


“O sonho do ser humano é ser Deus e seu pesadelo é ver-se obrigado a simular que alcançou esse propósito”. - Guilhermo Cabreira Infante, escritor cubano radicado em Londres

A serpente disse à mulher: “não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses” (Gn 3,4. 5).

A primeira e a mais soberba e exacerbada  das tentações é querermos ser como Deus ou até mesmo sermos deuses. Como exemplo, Pedro se recusou a ser tratado como um deus (At 10,26), enquanto Herodes aceitava o título de “deus” (At 12,22-23). Herodes, no entanto, “... roído de vermes, expirou.” (At 12,23). Quando Paulo e Barnabé ouviram a multidão chamando-os de deuses, pelos nomes de “Mercúrio” e de “Júpiter”, perceberam como era grande essa tentação. “Ouvindo isto, os apóstolos Barnabé e Paulo rasgaram seus mantos e precipitaram-se em meio à multidão e disseram: amigos, que estais fazendo? Nós também somos seres humanos, sujeitos aos mesmos sofrimentos que vós” (At 14, 15). De modo a corrigir o povo sobre o erro de atribuir divindade a eles (At 14,14-15). Contrariamente ao que é pregado por outros cultos, nós não somos deuses.

Ao invés de cada um de nós tornarmo-nos deuses, Deus se fez um de nós. Ele se fez um ser humano. Ao invés de nos fazer homens-deuses, Ele se fez Deus-homem. Desse modo, nós não tornamos Deus, mas podemos ter parte  em sua natureza divina (2 Pd 1,4) e “... a fim de que, por ele, nos tornemos justiça de Deus.” (2 Co 5,21). Podemos até mesmo ter Deus, o Pai, Filho, e Espirito Santo estabelecendo uma morada conosco (Jo 14,23). Não somos deuses; somos tabernáculos e templos de Deus (1Co 6,19) (1).

Somos pecadores que carecem do perdão, de mudanças via a graça maravilhosa de Cristo e de progressiva santificação no amor de Deus. A nossa vida deve caminhar na humildade e simplicidade da doutrina do Evangelho de Jesus. 

O ser humano com sua inteligência e natureza pecaminosa e perversa criam sistemas para melhor canalizar suas ideologias e realizar seus projetos de domínios. Toda estrutura torna-se manipulada pela sede de poder. Legitimado pela ferramenta da ciência, das leis, da cultura e da religião. O ser humano que pensa ser Deus, vice Deus, um ser divino intocável, esquematiza sua vida religiosa como representante “único” de Deus  e finge uma espiritualidade que engana espetacularmente seus seguidores.

O maior e o mais bem sucedido sistema de controle, de poder e de escravidão é o religioso. É imperativo para os fiéis não questionar o líder religioso, os dogmas, as crenças e jamais as finanças do “templo sagrado”. O renomado jornalista americano e autor do livro A Prisão da Fé, Lawrence Wright, escreveu: “Passei boa parte de minha carreira examinando os efeitos de crenças religiosas sobre a vida das pessoas. Historicamente, essa é uma influência muito mais profunda sobre a sociedade e os indivíduos que a política, matéria-prima de tanto jornalismo” (2).

A revelação mais terrível é saber que tais líderes não acreditam em nada do que é transcendental, sobrenatural, Divino e Eterno.

O teatro da liderança religiosa é uma arte grandiosa que se esmera de forma tão eficaz que passa para o público a imagem de verdadeiros praticantes da fé, do amor, da caridade, da paz e da justiça; no entanto, tudo é encenação litúrgica arquitetônica. Tudo tem que ser majestoso: das vestes religiosas aos templos grandiosos. Tudo é para impressionar, pasmar os crentes e deixa-los impossibilitados de se libertar, questionar e de pensar diferente.

Há muitas igrejas, religiões, seitas, crenças, farta literatura de doutrinas espirituais e mentores demais; todavia falta a vivência da verdade, da liberdade religiosa, da união abissal e da comunhão entre todos.



Pe. Inácio José do Vale
Professor de História da Igreja
Instituto de Teologia Bento XVI
Sociólogo em Ciência da Religião
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com

(1) Um Pão, Um Corpo, 18/05/2014, p. 54.
(2) Wright, Lawrence. A prisão da fé: cientologia, celebridade e Hollywood, 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 14. 

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