sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Avanço do secularismo é apontado como uma das causas do enfraquecimento da Igreja Católica


Transformações culturais vêm sendo, também, decisivas para a "descatolização" do Brasil. O padre e professor Leandro Chiarello localiza em fenômenos como a aceitação do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo o tipo de mudança que o refluxo religioso desencadeia: 

– O secularismo é a construção de uma sociedade sem Deus. Essa é a tendência que estamos observando, a busca de uma sociedade desvinculada de valores religiosos. Não gosto de dizer católicos, porque parece que é só a Igreja Católica que está no barco. Não. É uma ação entre todos os cristãos.

Na Europa, em países como França, Alemanha, Holanda e Inglaterra, o avanço da secularização e o aumento da indiferença religiosa provocaram o fechamento de centenas de igrejas. Velhos templos foram vendidos e hoje abrigam lojas de departamentos, escola para artistas de circo, pistas de skate. A crise é tamanha que até outro ramo periclitante, o das venda de livros físicos, mostra-se em posição de superioridade: alguns templos foram convertidos em livrarias. Na Escócia, uma igreja luterana virou bar temático alusivo a Frankenstein.

No Brasil, não há nada tão extremado acontecendo, mas sacerdotes e fiéis enxergam as igrejas esvaziarem-se ano após ano. Tarcisio Scherer, 84 anos, vigário da Paróquia São Pedro, na Capital, ordenou-se em 1958. Ir à missa, afirma, era considerado uma obrigação, a atividade mais importante do fim de semana: 

– As igrejas enchiam, não só uma vez, mas duas, três, no mesmo dia. Era feio não participar, não expressar publicamente a fé. Era um escândalo. Havia uma pressão social. Agora, temos de ano para ano uma diminuição visível da frequência à missa.

Para Scherer, o Brasil vive com alguns anos de retardo o mesmo processo de secularização ocorrido na Europa. Ele associa a "descatolização" ao triunfo do consumismo e do hedonismo, acompanhado por uma oferta muito maior de atividades:

– Na época em que as igrejas estavam cheias, não havia outras coisas para fazer. Agora tem TV, tem videogame, tem estradas que permitem chegar à praia em uma hora e meia, há shows. É uma sociedade em que quanto mais as pessoas puderem curtir, mais elas curtem. Não têm tempo para a religião. Ainda restam fortes traços católicos, mas dizer que o Brasil ainda é um país católico, não sei.

As semelhanças entre o que ocorre no país e o que sucedeu na Europa precisam ser nuançadas, diz Silvia Fernandes, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Ela argumenta que, por aqui, em oposição ao Velho Mundo, pessoas que se declaram ateias ou sem religião são malvistas. 

– Sou contrária à ideia de que há um declínio da religiosidade. Dados de pesquisas qualitativas mostram que as pessoas têm buscado formas alternativas de viver a própria religiosidade – afirma.

O bispo Brustolin cita o espanhol José Casanova, tido como o maior especialista internacional em secularização, para quem os processos da Europa e do Brasil são profundamente distintos. No continente europeu, a secularização avançou carreada por um racionalismo arraigado. Dessa forma, quanto mais instruída a pessoa, menos religiosa ela é. No Brasil, essa relação não seria tão clara. O brasileiro tem um fundo religioso capaz de resistir com alguma firmeza. 

A influência do Vaticano


Uma outra diferença é que, até o século 20, a presença institucional do Vaticano no país era rarefeita, por causa da união entre Igreja e Estado, que na prática significava uma tutela da Igreja pelo Estado. Isso levou a um tipo peculiar de catolicismo, com matizes populares, resumido no adágio "Muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre". Após a separação entre Igreja e Estado, o Vaticano tomou as rédeas e inundou o país de sacerdotes europeus – os mais velhos lembram que uma das características do clero era o português mastigado com sotaque.

– A institucionalização criou um conflito. Houve perseguição àquele catolicismo popular trazido pelo colonizador português. Era um catolicismo que não seguia os trâmites doutrinários e os rituais estabelecidos. O clero criou uma série de embaraços e tentou enquadrar esse catolicismo, baseado na relação direta com os santos – diz Ricardo Mariano.

Esse conflito pode ter influenciado no desenvolvimento posterior da força católica no Brasil. Mariano observa que justamente onde o catolicismo popular resistiu às investidas do Vaticano e seguiu forte, o Nordeste, há hoje maior proporção de pessoas que se declaram católicas. Entre os nordestinos, o pentecostalismo não conseguiu avançar. A percepção dessa realidade fez a Igreja mudar sua política: nos últimos anos, passou a valorizar a crença popular. 

– Não é à toa que o papa Francisco reconheceu a figura de Padre Cícero e o absolveu. A tendência é que seja canonizado no futuro – diz Mariano.

Por atitudes como essa, a ascensão ao trono de Jorge Mario Bergoglio, o primeiro latino-americano a ocupar o posto, despertou muitas esperanças de um reacendimento da fé no continente. Especialistas como Sílvia Fernandes afirmam que o papado trouxe uma nova dinâmica e colocou a Igreja Católica em evidência. Mas outros observadores veem com ceticismo a capacidade do papa de provocar transformação. Lembram que no auge da euforia pela vinda dele ao Brasil em 2013, para a Jornada Mundial da Juventude, registrou-se, sim, um redespertar nas paróquias – mas que logo refluiu, passado o evento.

Como vaticinava a canção de 1990 dos Engenheiros do Hawaii, o papa parece ter sido entronizado, antes de qualquer outra coisa, no panteão das figuras pop. É celebrado pela simpatia e pelo carisma, e não necessariamente pela fé que representa. Pode-se argumentar que isso só é possível em um cenário no qual está instalada uma boa dose de ignorância sobre os princípios que ele propõe. Nas últimas semanas, por exemplo, viu-se no país uma onda de curtidas e compartilhamentos de mensagens falsamente atribuídas a Francisco. Em mais uma demonstração de que grande parte dos brasileiros é alheia aos princípios básicos do catolicismo, ninguém desconfiou que as palavras não fossem do papa – mesmo que não apresentassem parentesco ou referências à doutrina cristã.

Em que pese a proximidade ou o afastamento atual, o certo é que quase todos os brasileiros nasceram de um mesmo ventre, como as gêmeas Analissa e Alana Padilha, de 21 anos, ambas estudantes em Porto Alegre. Esse ventre foi a Igreja Católica. A diferença é o que cada um faz a partir dessa origem comum. Até pouco tempo atrás, ambas as irmãs militavam no CLJ. Analissa entrou para o grupo de jovens católicos há seis anos, por influência de Alana, que já fazia parte. Alana, contudo, deixou de participar há um ano:

– Ainda digo que sou católica, mas não frequento mais a Igreja. Cada um tem a sua opinião, segue o que quiser. Para mim, a Igreja foi um belo caminho de estudos. Mas não tem receita para ser feliz. Não acho ruim que as pessoas não estejam na Igreja. É muito de cada um.

Como já ocorria no seu dia a dia entre os colegas do curso de Administração Pública e Social na UFRGS, Analissa se sente agora uma voz isolada dentro de casa. Além do afastamento da irmã gêmea, os pais, que no passado a estimularam a fazer a primeira comunhão, mantêm distância da prática religiosa.

– Eu tentei atraí-los para a Igreja, mas ele pediram respeito pela opção deles. Eu entendo – resigna-se Analissa, derradeiro bastião, em sua casa, de um Brasil inaugurado na praia da Coroa Vermelha.
________________________

ZH

Nenhum comentário:

Postar um comentário