sábado, 13 de julho de 2013

A Igreja sem pecados, mas não sem pecadores


Não se pode dizer que a Igreja é realidade híbrida, a um tempo santa e pecadora. Na medida em que concebemos a Igreja como tal, parecemos minimizar o que aos Efésios S. Paulo revelou. Para o apóstolo, a Esposa de Cristo é absolutamente intemerata. E nada, no texto inspirado nos leva a interpretá-lo restritivamente da Igreja celeste apenas.

S. Paulo, neste passo, apresenta como exemplar, aos esposos cristãos, a união de Cristo e de sua Igreja; não já união futura, após o consumar-se dos séculos, mas união atual. Cristo escolheu uma Esposa entre judeus e pagãos maculados por tantos pecados – “noutro tempo éreis trevas” (Ef 5,8); — purificou-a, santificou-a pelo seu sangue, no Calvário (Ef 5,25; At 20,28) e aplica a cada novo cristão essa virtude purificadora, pelo “lavacro da água bastimal” (Ef 5,26) . Surge então a Esposa que ele “apresenta a si mesmo, Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5,27).

Basílica de São Pedro em Roma

Melhor nos parece se amoldar à doutrina paulina a fórmula de um grande eclesiólogo contemporâneo: ”A Igreja é sem pecado mas não sem pecadores”. Se é verdade que ela conserva em seu seio pecadores sem-número, é igualmente verdade que não abriga nenhum pecado, nem mesmo sombra de pecado. E como poderia abrigá-lo se, longe de consentir ao pecado ela lhe tem ódio, repele-o com sua energia?

Estranho, por definição, à Santa Igreja, o pecado é seu maior, seu único adversário; ela persegue-o sem dar tréguas. Impossível, pois, falar em “pecados da Igreja”. A Igreja não tem pecado algum; tem-no seus filhos; ela, em vez de aceitá-lo, esforça-se por todos os meios para exterminá-lo. À semelhança de seu Esposo – o Cordeiro Imolado – a Igreja pena, geme, implora perdão pelas nossas faltas.

Pelo que tem de mais seu— o livre-arbítrio— abandonou a Igreja, o pecador, para fazer-se servo de Satanás. Donde dizemos, com razão, que está em vias de se perder. Vamos, pois, excluir os pecadores da Igreja? De todo; não nos despenhamos na heresia. O Corpo Místico encerra verdadeiramente membros pecadores, excluindo-lhes, porém, os pecados. Suponhamos, na videira, um sarmento de vontade livre. Poderia abrir-se à seiva que da cepa constantemente lhe corre; mas poderia também obstar a esse influxo vivificante, permanecendo ainda ligado à videira, embora como sarmento estéril, ou mesmo seco e morto.

Assim, os pecadores permanecem no Corpo Místico pelo que ainda de santo conservaram: os caracteres sacramentais, a fé e a esperança, o influxo que tanto o Espírito Santo como o conjunto das realidades produzidos pelo Espírito Santo —  embora não mais neles habitem sobretudo a caridade —  continuam a sobre eles exercer: remorsos, incitamentos à penitencia, assistência a sermões, obras de misericórdia, educação religiosa da prole, cumprimentos de certos preceitos de Deus e da Igreja, etc. Tudo isso é santo ainda – posto que tal santidade imperfeita, ineficaz, permanecem os pecadores vinculados à Santa Igreja. Mas a malícia de seu pecado está fora da Igreja, nem a pode de modo algum inquinar.

Entretanto, objetará alguém, a Igreja não é uma entidade fantástica ou extramundana. Existe concretamente, no espaço e no tempo, desdobra-se na história, encarna-se nos homens, que são pecadores. Logo, pelo menos estes pecados estão na Igreja e a maculam.

Sim, contestamos, a Igreja é uma realidade concreta; vive no mundo, porém não é do mundo; por conseguinte permanece santa. Santa nos seus membros santos; santa ainda nos seus membros pecadores, pelo que neles sobrevive, apesar de tudo, dos valores cristãos. Mas a zona tenebrosa, onde campeia o pecado— e que em muitos batizados é o principal – se encontra totalmente fora da Igreja.

Quem peca, trai a Igreja; cortar-se ocultamente do Corpo Místico, na medida em que peca. Tanto assim que ainda o justo, templo do Espírito Santo e habitáculo da caridade de Cristo – por isso mesmo a caminho do céu – se porventura resvala no pecado venial, não recebe a seiva vivificante nesse cantinho da sua alma. Somente quando agimos virtuosamente, agimos na qualidade de membros do Corpo Místico.

Justos e pecadores pertencem, pois, à Igreja, na proporção exata em que abrigam em si maiores e menores elementos de santidade: na medida em que vivemos pela Igreja somos santos, e pecadores na medida em que a traímos.

Não é que o mesmo homem esteja, a um tempo, dentro e fora da Igreja; mas o mesmo homem pode pertencer ou parcialmente ou totalmente à Igreja. Em cada justo e em cada pecador passa uma linha divisória, separando invisivelmente o santo – que é da Igreja— do pecaminoso— que é do mundo e do maligno. Os híbridos de santidade e pecado somos nós, e não a Igreja. Justo e pecador encontram-se ambos dentro do Corpo Místico, porém acham-se internamente divididos, aquele menos este mais. E dessa divisão íntima tomamos alguma consciência ao sentirmos a luta que se trava em nós, entre o homem animal e o espiritual, entre o cristão e o adepto do mundo.

Santa ontologicamente porque consagrada a Deus, a Igreja é ainda santa moralmente porque transformada em Deus pelo amor. Fundamento de ambas essas santidades é a inabitação do Espírito Santo e a conjunção íntima com Cristo Cabeça. Desta dupla santidade essencial à Igreja, derivou a sua santidade causal: ela é fruto da santidade que se encerra nos seus membros: muito imperfeitamente nos pecadores, melhor nos justos, plenamente nos santos.

Devemos testemunhar esta santidade, fazendo resplandecer a verdadeira face de Deus e da Igreja, pela adesão à pessoa de Cristo, e a observância do que Ele prescreveu.
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Disponível em: Decor Carmeli 
Fonte: PENIDO, Pe. Iniciação Teológica. vol. I, o mistério da Igreja.Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1956. pp.249-251

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