Os noticiários já falam nas
previsões para o Natal deste ano, se será bom ou ruim, melhor, igual ou mais
fraco que o do ano passado. Isso para o comércio, que, sem dúvida, já se
preparou de acordo com as previsões mais realistas. Esse Natal é um grande motor
da economia, é a grande festa do consumo, a grande festa do capitalismo.
O nosso preparar-nos para a vinda
do Senhor é outra coisa. Neste domingo, já aparece a figura de João Batista, o
anticonsumo. A austeridade com que ele se apresenta, a sua roupa e sua comida
já revelam sua mensagem: mudar de mentalidade.
A palavra grega metanoia,
que, nos três primeiros Evangelhos, resume a pregação de João e também a de
Jesus, é fácil de entender. Meta, o mesmo prefixo grego que
encontramos em “metamorfose”, indica mudança, significando aqui “mudança
de forma”. Noia nós conhecemos de “paranoia” e
refere-se à cabeça. Metanoia é, então, “mudança de cabeça”,
mudança de mentalidade, de maneira de pensar e agir.
Assim, a nossa preparação para a
vinda do Senhor – não apenas para a celebração do nascimento de Jesus – vai
remar contra a corrente do capitalismo, que governa o nosso mundo. E essa
corrente não é um filete de água, mas um caudal imenso, que vai arrastando tudo
com sua força avassaladora. É contra essa corrente que remamos.
Diz a antiga fábula: o lobo e o
cordeiro foram ao mesmo córrego beber água. Vendo o cordeiro, o lobo diz: “Vou
te matar porque estás sujando a minha água!”. O cordeiro responde: “Não pode
ser, eu estou mais embaixo, a água está correndo daí para cá”. O lobo diz:
“Então eu vou te devorar porque na semana passada teu pai me insultou!”. “Não
pode ser”, responde o cordeiro, “faz dois meses que meu pai morreu.” “Ah! Se
não foi teu pai, foi teu irmão, teu tio…” E avançou sobre o cordeiro. O
fabulista conclui: “O mais forte sempre acha uma razão para devorar o mais
fraco”. Não será esse o princípio que governa o nosso mundo?
Comentários aos textos bíblicos
I leitura: Is 11,1-10
Isaías depositava grande
esperança no futuro rei. Com ele, a lei do mais forte vai acabar, pois tanto o
rei como o país inteiro, todos vão defender os fracos. Deixaremos, então, de
ser bichos uns para os outros. Isso resume o belo texto de Isaías, motivo de
muitos cânticos de Advento.
Isaías era familiar ao palácio de
Acaz e conhecia bem seu filho Ezequias, em quem depositava grande confiança.
Ezequias foi realmente um dos melhores reis de Judá, mas o poema de Isaías que
expressa sua confiança nele vai muito além.
A dinastia de Davi, o filho de
Jessé, estava enfraquecida, quase liquidada diante do poderio crescente da
Assíria. Falando em ramo familiar, o de Jessé estava reduzido a quase nada, a
um toco cortado quase rente ao chão. Como de uma velha parreira decepada, do
toco ou até das raízes, ainda pode surgir um broto novo, assim também surge
aqui o broto novo do ramo familiar de Jessé.
O Espírito do Senhor lhe dará as
qualidades dos famosos antepassados, a sabedoria e a perspicácia de Salomão, as
qualidades bélicas de prudência e ousadia de Davi, e ainda vai lhe acrescentar
outras duas: o temor e o conhecimento de Javé. O próprio texto vai explicar o
que é “temor de Javé”: é não julgar por interesses escusos (v. 3), mas fazer
justiça aos fracos e castigar o opressor. “Conhecer Javé”, Jeremias explica em
22,15-16. É praticar o direito e a justiça, fazer justiça ao humilde, ao
indigente.
Inspirado no temor de Javé, o
novo rei vai acabar com a estória do lobo e do cordeiro, quando o mais forte
sempre tem razão e sempre encontra um motivo para devorar o mais fraco. Então,
“o lobo será hóspede do cordeiro, o leopardo vai se deitar ao lado do
cabrito…”. As pessoas deixam de ser bichos umas para as outras.
Inspirado no temor de Javé, ele
vai usar de sua autoridade para fazer justiça ao fraco e reprimir o opressor.
Assim, o resultado será que, não só ele, mas o país inteiro estará inundado do
“conhecimento de Javé”, todos sabendo respeitar os direitos dos fracos.
Aquilo em que o profeta foi além
em seu poema ficou como esperança messiânica, esperança de um salvador
definitivo para o porvir. Será que o Cristo já realizou isso?
II leitura: Rm 15,4-9
Os cristãos judeus tinham sido
expulsos de Roma. Agora, autorizados a voltar, retornavam para Roma e para as
suas comunidades. Seriam bem recebidos pelos irmãos que não eram judeus?
Essa situação é que nos dá o
contexto geral da carta aos Romanos. Aqui, já na parte parenética ou nas
recomendações finais, Paulo diz que é tempo de esperança, esperança
fundamentada na palavra de Deus, nas Escrituras. Nelas encontramos
encorajamento e firmeza, palavras frequentemente traduzidas por “paciência” e
“consolação”.
O Deus do encorajamento e da
firmeza é que deve levar os cristãos a ter um mesmo pensar, seguindo o Cristo
Jesus. Só assim se podem superar as dificuldades de relacionamento entre os
cristãos judeus que voltam e os cristãos gentios que ficaram. Só assim poderão
participar unidos numa mesma celebração para louvar a Deus.
A prática é esta mesma, saberem
acolher uns aos outros, sem discriminação e sem preconceitos. Assim é que o
Cristo nos acolhe. Ele se pôs a serviço dos judeus para realizar as esperanças
consubstanciadas nas promessas contidas em suas Escrituras Sagradas. Nem por
isso os não judeus, “gentios” ou “nações”, são esquecidos, pois as mesmas
Escrituras os convidam também a louvar o Senhor.
Evangelho: Mt 3,1-12
Estamos nos preparando não para a
festa do Natal, mas para a chegada de Jesus, o Messias, o Salvador! O Evangelho
vai nos responder quem é esse que prepara os caminhos do Senhor, como é que ele
vive, qual a sua mensagem.
Aparece João Batista. Ele prega
no deserto da Judeia, num lugar ermo e sem vida. Sua mensagem se resume em metanoia,
a mudança de cabeça, mudança de mentalidade, a coragem de remar contra a
corrente do pensamento dominante, a coragem de pensar e agir diferente.
O motivo é que o reinado de Deus
está chegando. O Evangelho de Mateus, sendo de cristãos judeus, fala de “céus”
para substituir a palavra Deus, por respeito ao Nome. Quando diz reino dos
céus, então, está dizendo reinado de Deus, mundo onde manda Deus, não o
dinheiro ou um de seus súditos.
João prepara os caminhos do
Senhor. Sua figura é sua mensagem e já contrasta fortemente com o pensamento
dominante do seu tempo, quanto mais o de hoje. Como o profeta Elias, ele veste
uma roupa tecida de pelos de camelo, com uma cinta de couro. Seu alimento
também não combina com os banquetes e as bebedeiras dos poderosos do seu tempo
nem do nosso Natal consumista. Ele prega a metanoia.
Representantes de dois poderosos
movimentos religiosos rivais – o dos fariseus, que dominavam a consciência do
povo, e o dos saduceus, que comandavam o Templo e o sinédrio – vão à procura do
batismo de João. Estarão também querendo mudar de mentalidade?
João os aborda sem meios-termos:
bando de cobras venenosas!
A metanoia tem
de ser efetiva, produzir resultados práticos; não é mero ritual, o batismo,
para tentar enganar os outros, a si mesmo e a Deus! O título de filho de Abraão
(ou de cristão) não dá isenção a ninguém, todos têm de mudar de mentalidade.
Não adianta parecer uma árvore
frondosa e bonita; o machado já está ao pé das árvores, e a que não estiver
produzindo frutos vai ser cortada e jogada ao fogo. Frutos de verdadeira metanoia!
Depois, João fala de Jesus. “Não
sou digno de carregar suas sandálias” pode significar também: não mereço ficar
no lugar dele, assumir a função dele. Como em Rt 4,7ss: o que desiste da tarefa
e a passa a outro tira e lhe entrega a sandália.
“O Espírito Santo e o fogo”, no
contexto da comparação com o lavrador que abana o seu cereal, poderia
significar “o vento e o fogo”, o vento que carrega a palha e o fogo que vai
queimá-la. Jesus, que vem, é o último juiz da humanidade; ele separa o grão da
palha, ele guarda o grão no seu celeiro e joga ao fogo a palha, o que não tem
serventia. No final do capítulo 25 do mesmo Evangelho, ele vai dizer: “Vinde,
benditos” e “ide, malditos”.
Pistas para reflexão
Advento não é tempo de preparar
as comemorações do Natal, os presentes, as comidas, bebidas e roupas. É tempo
de caminhar ao encontro pessoal e comunitário com o Cristo, o Messias Jesus.
Seu berço foi um cocho, dentro de um estábulo, e seu leito de morte foi a cruz.
Nossa caminhada ao encontro do
Cristo exige a metanoia, a mudança de cabeça, porque o reinado de
Deus está chegando. Se é Deus, Pai de todos, e não o dinheiro, pai só de
alguns, que deve comandar, então é preciso mudar as cabeças.
Metanoia nos leva a nadar contra a
corrente, embora esta seja mais volumosa que o rio Amazonas. Na minha prática
cotidiana, na chegada do próximo Natal, por exemplo, o que isso significaria?
Jesus realizou as palavras de
Isaías e acabou com a estória do lobo e do cordeiro? Todos já deixamos de ser
bichos uns para os outros? Que fez Jesus? Que falta ainda para esse sonho
acontecer? Quem será o responsável por levá-lo a cabo? Basta cantar: “Da cepa
brotou a rama…”?
Celebrações vazias, que não movem
o coração e a mente nem dos que as presidem, quanto mais dos participantes,
tornam todos semelhantes aos fariseus e saduceus que foram pedir o batismo a
João.
João cobrava deles o fruto ou
resultado, que é uma metanoia verdadeira, sincera. A vinda de
Jesus é a vinda do juiz que não se engana, pois sonda os rins (os sentimentos)
e o coração (a mente).
Na eucaristia, celebramos um
mundo diferente, que vem por um caminho diferente; a mesa comum da humanidade,
que vem da partilha de si, do partir-se em pedaços como aquele pão. O caminho é
a austeridade, não o consumo exasperado; é o sacrificar-se pelo outro, não o
aproveitar-se da situação. A chegada é a mesa comum.
Pe. José Luiz Gonzaga do Prado
Mestre em
Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em Sagrada Escritura pelo
Pontifício Instituto Bíblico. Autor dos livros A Bíblia e suas contradições:
como resolvê-las e A missa: da última ceia até hoje, ambos publicados pela
Paulus.
__________________________________
Vida Pastoral
Nenhum comentário:
Postar um comentário