quarta-feira, 4 de setembro de 2019

“Crê para compreender, compreende para crer”


No homem atual, assim como no de outros momentos históricos, se encontra a pergunta sobre a relação entre a fé e a razão. Estes dois conceitos seriam contraditórios (ou eu acredito, ou eu compreendo) ou seriam correspondentes (eu creio, por isso compreendo e eu compreendo, por isso creio)? A resposta da fé católica a esta pergunta é clara: “Crer é um ato da inteligência humana que assente à verdade divina a mando da vontade movida por Deus através da graça” (Santo Tomás de Aquino – S. Th. II-II,2.9). O nosso ato de resposta a Deus, longe de excluir a inteligência, faz dela uma instância de tal resposta. Desta forma, nós podemos afirmar uma relação positiva entre fé e razão: “Mas, ainda que a fé esteja acima da razão, jamais pode haver verdadeira desarmonia entre uma e outra, porque o mesmo Deus que revelou os mistérios e infunde a fé, dotou o espírito humano da luz da razão, e Deus não pode negar-se a si mesmo, nem a verdade jamais contradizer a verdade” (Concílio Vaticano I – Dei Filius – DS 3017).

Historicamente, nós encontramos três tipos de resposta à pergunta da relação fé e razão. Destas repostas, duas a Igreja considera insuficiente. A primeira resposta insuficiente é o fideísmo. Este pode ser entendido como a aceitação dos mistérios revelados por Deus sem o auxílio da razão. De maneira geral, podemos exemplificá-lo da seguinte maneira: “Eu creio porque Deus disse! Eu creio porque está na Bíblia! Eu creio porque para Deus tudo é possível!”. Esta postura carrega de positivo a abertura para a Revelação Divina. Todavia, não leva a sério o fato de que o conteúdo da Revelação foi dirigido para nós, homens. Nós fomos criados por Deus capazes não só de aceitar as verdades de Fé, mas também de entendê-las, de aprofundá-las, de retirar conclusões delas. Sem esta faculdade crítica, nós seríamos levados por todo vento de doutrina sem critérios para nos guiar.

A segunda resposta insuficiente é o racionalismo. Este pode ser entendido como o esforço do homem em “crer” só naquilo que ele pode explicar cientificamente. De maneira geral, podemos exemplifica-lo da seguinte maneira: “Eu creio porque a ciência provou que isto é verdade!”. Esta postura carrega de positivo uma tentativa do homem de conhecer a verdade. Todavia, embora Deus tenha nos criado com a faculdade da razão, esta é limitadíssima quando seu objeto de conhecimento é o próprio Deus e sua verdade revelada. Se o homem acreditar apenas no que sua razão conseguir comprovar cientificamente, viverá uma fé bem reduzida. De maneira geral, esta visão critica muito os milagres, as profecias, a Ressurreição de Cristo, a realidade sobrenatural da Igreja, a vida da graça, os novíssimos (purgatório, inferno e céu). A razão sozinha pode até conhecer a Deus, mas a revelação é quem a ilumina no conhecimento das realidades divinas.

Podemos perceber como o fideísmo e o racionalismo são posturas extremadas. A nossa Igreja acredita numa relação positiva entre fé e razão. De maneira geral, podemos exemplificar da seguinte maneira: “Eu creio porque Deus revelou e isto se harmoniza com a razão, tenho motivos de credibilidade”. A postura da Igreja valoriza o homem, criatura de Deus e dotado de inteligência, e a graça. O ato de crer não é movimento cego do homem.

A definição do ato de Crer dada por Santo Tomás de Aquino acima nos mostra exatamente o que entendemos por este ato: 

Deus através da graça move a vontade humana – A fé é dom de Deus. É Ele que com o dom da sabedoria infunde um conhecimento de si no homem.

A vontade direciona a inteligência – Uma vez recebido o dom da fé, a vontade inclina a inteligência humana a buscar assentir, ou seja, a inteligência quer conhecer a Deus e os seus mistérios. 

Crer é um ato da inteligência humana que assente a verdade divina – a inteligência humana compreende, em sua condição, a verdade revelada por Deus e encontra credibilidade nela. 

Pelo que vimos nesta catequese, a fé cristã católica acredita na relação harmônica entre a fé e a razão. Nossa postura é equilibrada, salvaguardando tanto a dimensão da fé (Deus que revela a si mesmo e a sua vontade) e a dimensão da inteligência da fé (o homem é chamado a responder a Deus tendo razões críveis para o ato de fé). Assim, não vivemos nem o fideísmo (a fé pela fé) nem o racionalismo (a fé só naquilo que a ciência pode provar). A razão iluminada pela fé pode confiar plenamente em Deus e acolher a sua verdade sem ficar constrangida.

Para aprofundar convidamos a leitura do Catecismo da Igreja Católica, parágrafos de 154 a 160; do Compêndio do Catecismo, perguntas 28 e 29; do Youcat, pergunta 23; a Dei Verbum, número 2, 5 e 6; e, Gaudium et Spes, números 14-17; 53-62. 
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Arquidiocese do Rio de Janeiro/ Jornal Testemunho de Fé

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