quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Cardeal Burke e D. Athanasius publicam texto sobre o que significa ser fiel ao Papa


Nenhuma pessoa honesta pode continuar a negar a confusão doutrinária quase geral que reina hoje em dia na vida da Igreja. Isto deve-se, em particular, às ambiguidades acerca da indissolubilidade do matrimônio, que tem vindo a ser relativizada pela prática da admissão à Santa Comunhão de pessoas que coabitam em uniões irregulares; deve-se à crescente aprovação de actos homossexuais, intrinsecamente contrários à natureza e à vontade revelada de Deus; deve-se a erros a respeito do caráter único de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Sua obra redentora, que vem sendo relativizado através de afirmações errada sobre a diversidade das religiões; e, em especial, deve-se ao reconhecimento de diversas formas de paganismo e das respectivas práticas rituais em virtude do Instrumentum Laboris para a próxima Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica.

Tendo em conta esta realidade, a nossa consciência não nos permite ficarmos em silêncio. Nós, como irmãos no Colégio dos Bispos, falamos com respeito e amor, a fim de que o Santo Padre possa rejeitar inequivocamente os evidentes erros doutrinários do Instrumentum Laboris para a próxima Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazónica e não consinta a abolição na prática do celibato sacerdotal na Igreja Latina, mediante a aprovação da ordenação dos - assim chamados - “viri probati”.

Com a nossa intervenção, como pastores do rebanho, expressamos o nosso grande amor pelas almas, pela pessoa do próprio Papa Francisco e pelo dom divino do Ofício Petrino. Se não o fizéssemos, cometeríamos um grande pecado de omissão e de egoísmo. Pois, se ficássemos calados, teríamos uma vida mais tranquila e, quiçá, receberíamos até honras e reconhecimentos. No entanto, se ficássemos calados, violaríamos a nossa consciência.

Neste contexto, vêm-nos à mente as palavras sobejamente conhecidas do futuro santo, o Cardeal John Henry Newman (que será canonizado no dia 13 de Outubro de 2019): «Brindarei – ao Papa, com a sua licença –, mas, ainda assim, brindarei primeiro à Consciência, e só depois ao Papa» (Uma carta endereçada ao duque de Norfolk por ocasião da recente repreensão do Sr. Gladstone). Vêm-nos outrossim à mente estas outras palavras memoráveis e pertinentes de Melchior Cano, um dos bispos mais doutos do Concílio de Trento: “Pedro não precisa da nossa adulação. Aqueles que defendem cega e indiscriminadamente cada decisão do Sumo Pontífice são os que mais prejudicam a autoridade da Santa Sé: em vez de fortalecerem, eles destroem os seus fundamentos”.

Nos últimos tempos, criou-se uma atmosfera de quase total infalibilização das declarações do Romano Pontífice, ou seja, de cada uma das palavras do Papa, de cada um dos seus pronunciamentos e de documentos meramente pastorais da Santa Sé. Na prática, já não se observa a regra tradicional de distinguir os diferentes níveis dos pronunciamentos do Papa e dos seus serviços com as respectivas notas teológicas e o correspondente grau da obrigação de adesão por parte dos fiéis.

Apesar do diálogo e dos debates teológicos terem sido incentivados e promovidos na vida da Igreja nas últimas décadas após o Concílio Vaticano II, em nossos dias, parece não haver mais qualquer possibilidade de um debate intelectual e teológico honesto ou da expressão de dúvidas sobre afirmações e práticas que ofuscam e prejudicam seriamente a integridade do Depósito da Fé e da Tradição Apostólica. Uma tal situação conduz à desconsideração da razão e, portanto, da própria verdade.

Aqueles que criticam as nossas expressões de preocupação recorrem apenas a argumentos sentimentais ou de poder. Tudo indica que eles não querem entrar numa discussão teológica séria sobre o assunto. A respeito disto, parece que, muitas vezes, a razão é simplesmente ignorada e o raciocínio suprimido.

Uma expressão sincera e respeitosa de preocupação em relação a assuntos de grande importância teológica e pastoral na vida atual da Igreja, dirigida também ao Sumo Pontífice, é imediatamente esmagada e vista sob uma luz negativa com reprovações difamatórias dizendo que “semeia dúvidas”, que é “contra o Papa”, ou até que é “cismática”.

A Palavra de Deus ensina-nos, por meio dos Apóstolos, a mantermos a certeza, a sermos firmes e inabaláveis acerca das verdades universais e imutáveis da nossa Fé e a guardarmos e protegermos a Fé diante dos erros, na senda do que escreveu São Pedro, o primeiro Papa: «Tomai cuidado para que não caiais da vossa firmeza, levados pelo erro de homens ímpios» (2Pd 3, 17). São Paulo, por seu lado, também escreveu: «Não continuemos crianças ao sabor das ondas, agitados por qualquer sopro de doutrina, ao capricho da malignidade dos homens e dos seus artifícios enganadores. Mas, pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo» (Ef 4, 14-15).

É preciso ter em mente o fato de que o Apóstolo Paulo reprovou publicamente o primeiro Papa em Antioquia numa questão de menor gravidade, se comparamos com os erros que hoje em dia se espalham na vida da Igreja. São Paulo advertiu publicamente o primeiro Papa por causa do seu comportamento hipócrita e do consequente perigo de questionar a verdade que diz que as prescrições da lei mosaica não são obrigatórias para os cristãos.

Como reagiria hoje o apóstolo Paulo se lesse a frase do documento de Abu Dhabi que diz que Deus, na sua sabedoria, quer igualmente a diversidade de sexos, nações e religiões (entre as quais existem religiões que praticam a idolatria e blasfemam Jesus Cristo)! Tal afirmação representa uma relativização do carácter único de Jesus Cristo e da sua obra redentora! O que diriam São Paulo, Santo Atanásio e as outras grandes figuras do cristianismo ao ler essa frase e os erros expressos no Instrumentum laboris para a próxima Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazónia? É impossível pensar que essas figuras permaneceriam em silêncio ou se deixariam intimidar com censuras e acusações de falar “contra o Papa”.

Quando, no século VII, o Papa Honório I mostrou uma atitude ambígua e perigosa em relação à propagação da heresia do monotelismo – que negava que Cristo tivesse uma vontade humana –, Santo Sofrónio, Patriarca de Jerusalém, enviou um Bispo da Palestina a Roma, pedindo-lhe que falasse, rezasse e não ficasse em silêncio até que o Papa condenasse a heresia. Se Santo Sofrónio vivesse hoje, ele certamente seria acusado de falar “contra o Papa”.

A afirmação sobre a diversidade de religiões no documento de Abu Dhabi e, especialmente, os erros no Instrumentum Laboris para a próxima Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazónia contribuem para uma traição da singularidade incomparável da Pessoa de Jesus Cristo e da integridade da Fé Católica. E isto acontece diante dos olhos de toda a Igreja e do mundo.

Situação semelhante existia no século IV, quando, com o silêncio de quase todo o episcopado, a consubstancialidade do Filho de Deus foi traída em favor de afirmações doutrinárias ambíguas de semi-arianismo, uma traição na qual até o Papa Libério participou durante um breve tempo. Santo Atanásio nunca se cansou de denunciar publicamente tal ambiguidade. Foi excomungado pelo Papa Libério no ano 357 “pro bono pacis”, isto é, “para o bem da paz”, para ter paz com o imperador Constâncio e os bispos semi-arianos do Oriente. Santo Hilário de Poitiers relatou esse facto e repreendeu o Papa Libério pela sua atitude ambígua. É significativo que o Papa Libério, ao contrário de todos os seus antecessores, tenha sido o primeiro Papa cujo nome não foi incluído no Martirológio Romano.

A nossa declaração pública segue estas palavras do Santo Padre, o Papa Francisco: «Uma condição geral de base é a seguinte: falar claro. Que ninguém diga: “Isto não se pode dizer; pensará de mim assim ou assim…”. É necessário dizer tudo o que se sente com parrésia. Depois do ultimo Consistório (Fevereiro de 2014), no qual se falou sobre a família, um Cardeal escreveu-me dizendo: é uma lástima que alguns Purpurados não tenham tido a coragem de dizer certas coisas por respeito ao Papa, julgando talvez que o Papa pensasse de outra maneira. Isto não está bem, isto não é sinodalidade, porque é necessário dizer tudo aquilo que, no Senhor, sentimos que devemos dizer: sem hesitações, sem medo» (Saudação aos Padres do Sínodo durante a Primeira Congregação Geral da Terceira Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, 6 de Outubro de 2014).

Afirmamos na presença de Deus que nos julgará: somos amigos verdadeiros do Papa Francisco. Temos uma estima sobrenatural pela sua pessoa e pelo supremo múnus pastoral do Sucessor de Pedro. Rezamos muito pelo Papa Francisco e incentivamos os fiéis a fazer o mesmo. Com a graça de Deus, estamos prontos para dar a vida pela verdade da fé católica sobre o primado de São Pedro e dos seus sucessores, se os perseguidores da Igreja nos pedirem para negar essa verdade. Temos os olhos postos nos grandes exemplos de fidelidade à verdade católica do primado Petrino, como o foram São João Fisher, Bispo e Cardeal da Igreja, e São Tomás More, leigo, e muitos outros santos e confessores, e invocamos a sua intercessão.

Quanto mais os fiéis leigos, os sacerdotes e os bispos mantêm e defendem a integridade do depósito da fé, mais eles apoiam o Papa no seu ministério Petrino. Pois, na Igreja, o Papa é o primeiro a quem se aplica esta advertência da Sagrada Escritura: «Mantém a forma das sãs palavras que recebeste de mim, na fé e no amor a Jesus Cristo. Guarda o bom depósito que te foi confiado, pela virtude do Espírito Santo que habita em nós» (2Tim 1, 13-14).

24 de Setembro de 2019. Festa de Nossa Senhora das Mercês.



Raymond Leo Cardeal Burke
Dom Athanasius Schneider
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in Fratres in unum
Disponível em: Centro Dom Bosco

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