sábado, 30 de novembro de 2013

Palmas para o palhaço


Certo dia, durante o espetáculo, os bastidores do teatro pegaram fogo. O palhaço apareceu no palco para alertar o público. Todos pensaram que fosse uma brincadeira e começaram a aplaudir. O coitado insistiu, mas as palmas só aumentaram. - Assim - ele pensou - acabará o mundo: na alegria das pessoas de bem pensando que tudo seja uma farsa -. Quem escreveu isso foi o filósofo Sören Kierkegaard alguns anos atrás.

Poucas palavras são suficientes para representar o drama da vida humana. Chegamos neste mundo, aplaudimos, rimos, choramos, gritamos, dançamos, deixamos o tempo passar. Assim vai a vida. Na infância devemos crescer. Na juventude desfrutar da vida. Na idade mais adulta enriquecer. Na idade avançada cuidar das doenças. Com tantas coisas para fazer, temos pouco tempo para pensar. Seria mais honesto dizer que temos pouca vontade de refletir. Buscar o sentido da vida é cansativo, pode nos levar à angustia ou à paz. Depende de nós, trocarmos a vida por uma farsa ou dar-lhe um sentido.
 
Com o primeiro domingo do Advento, recomeçamos o ano litúrgico. Iremos repercorrer todo o mistério cristão, os grandes eventos da nossa salvação. O primeiro a ser vivido será o Natal de Jesus. Neste tempo, para ir às compras, basta ter dinheiro no bolso ou crédito no banco. Mas para viver o Natal de Jesus, precisa buscar algo mais na vida. Algo que não é vendido, mas doado, algo que não aparece atrás dos pisca-piscas chamativos, mas que deve ser buscado com firmeza e esperança. Falo nada menos que de Deus e do sentido da nossa vida.

Pensando bem a existência humana é uma contínua surpresa. Simplesmente porque, apesar dos nossos esforços e dos nossos "seguros" contra os imprevistos, muito - ou quase tudo - não depende de nós. Para começar foram outros, os nossos pais, que nos chamaram à vida. Já é muito se conseguimos decidir a respeito da nossa profissão e da nossa família. Às vezes foram as circunstâncias a resolver as coisas para nós ou, simplesmente, como muitos pensam, o destino. E a saúde? Fazemos exames e mais exames, mas quem pode saber o certo?

No entanto, no meio das diversas situações, lá estamos nós tentando entender o porquê das coisas. "Dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado..." (Mt 24,40). Assim duas mulheres... Uma será levada e a outra deixada. (v.41). Porque Jesus nos disse estas coisas? Já não são suficientes as incertezas da vida? Ainda, por cima, fala-nos do ladrão que vem, lógico, sem avisar o dono da casa... É para nos assustar, deixar-nos inquietos ou para nos alertar?

Aqui está a resposta: é para ficar preparados. Significa que a vida não é uma farsa e nem uma brincadeira. É bonita e valiosa demais para ser desperdiçada, para não ter um sentido grande. Deve ser vivida com consciência e responsabilidade. Sem medo, mas com atenção. Sem angústia, mas com capricho. Sem superficialidade, mas também sem tristeza. Com esperança, confiança, olhando o aqui e agora e, ao mesmo tempo, o que virá depois. Com o mesmo olhar amoroso de Deus.

Jesus remonta ao tempo de Noé para nos dizer que "eles", naqueles momentos, nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos. Continua: "Assim acontecerá também com a vinda do Filho do homem" (v.39). Verdade: veio o Filho e nada perceberam. Jesus sempre bate à porta da nossa vida e ainda hoje podemos deixá-lo fora. Ou podemos abrir e deixá-lo entrar para que sente conosco, more conosco, seja companheiro da nossa caminhada neste mundo.

Se Deus amou tanto o mundo que enviou o seu Filho é porque o mundo e a vida não são nem farsa e nem brincadeira. Devem ser vividos na melhor maneira possível. Para ficar alerta, precisa procurar sempre estar do lado do bem, atentos para a justiça, acordados para o amor. Quantas vezes aplaudimos a Jesus. Que não aconteça com ele o que aconteceu com o palhaço do filósofo.


Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá (AP)
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