O primeiro domingo do Advento abre a
perspectiva da segunda vinda do Senhor. Ela virá com toda a certeza e marcará a
libertação total daqueles que aceitaram a Palavra de Jesus e viveram na
vigilância, na oração (evangelho), dando frutos do amor plantado em seus
corações pelo próprio Deus (segunda leitura). Assim se cumpre, de modo
inusitado, a palavra de Jeremias (primeira leitura), a qual anuncia a vinda de
um rei justo, que conduzirá o povo eleito à sua plena realização.
Comentário dos textos bíblicos
I
leitura (Jr 33,14-16)
O texto de Jeremias apresenta um
oráculo de salvação que será a realização plena da promessa de Deus. Este
oráculo tem dois componentes:
a) Deus suscitará um rei da dinastia
davídica. Numa época em que já não há monarquia em Jerusalém, espera-se, com
base na promessa feita a Davi (cf. 2Sm 7,12-16), a restauração da realeza em
Jerusalém. Mas, diferentemente de tantos monarcas que haviam reinado na cidade
santa, particularmente nos últimos tempos antes da invasão babilônica, esse
novo rei realizará a vontade de Deus, estabelecendo o direito e a justiça, ou
seja, a vida conforme os mandamentos.
b) O país entrará numa nova situação.
Judá e sua capital, Jerusalém, estarão livres de qualquer ameaça estrangeira,
não mais sujeitas à destruição. Assim todo o povo reconhecerá que Deus age em
seu favor. Ele é sua justiça, ele é quem realiza a reta ordem na história
universal e no interior do povo eleito, garantindo a observância de sua
vontade, expressa na Lei.
No Novo Testamento, o rei suscitado
por Deus que restabelece a justiça é Jesus. Não mais numa monarquia terrestre,
em Jerusalém, mas num domínio que a ultrapassa e se estende a todos os povos.
Ele o faz já inicialmente em sua vida terrena; realiza-o na sua cruz e
ressurreição; e o consuma na sua segunda vida, quando virá com “poder e grande
glória” (Lc 21,27). O novo povo de Deus recebe, por meio dele, a garantia de
participar da nova época salvífica (cf. Lc 21,28).
Evangelho
(Lc 21,25-28.34-36)
Após anunciar a queda de Jerusalém
(Lc 21,8-24), o discurso escatológico de Jesus abre-se para a consumação final,
que virá não só para Jerusalém, mas para todo o orbe (v. 26.35). A consumação
final é determinada pela vinda do Filho do homem (v. 27.36) e é precedida por
sinais cósmicos (no céu e na terra: v. 25), que revertem a ordem da criação,
levam-na ao caos, criando uma situação de grande temor e angústia. Trata-se de
um modo de falar que tematiza o futuro desconhecido com base no imaginário
conhecido. São imagens utilizadas na apocalíptica e no discurso profético que
têm por finalidade mostrar que este mundo, esta história, não tem consistência
em si e por si. É a vinda do Filho do homem que põe em xeque toda segurança
humana e decide o futuro da humanidade. Retoma-se aqui a visão de Daniel
(7,13-14), aplicando-a ao Cristo morto e ressuscitado que virá consumar sua
obra e receberá do Pai o domínio universal e o poder de julgar as nações (v.
36).
Opõem-se, no texto, o medo e a
angústia das populações em geral e a confiante expectativa dos discípulos
(“vós”: v. 28). A vinda do Senhor não será, para estes, motivo de inquietação,
mas de alegria. A obra redentora de Jesus já os atinge no hoje histórico, mas
sua volta marcará o momento em que já não estarão sujeitos aos percalços da
vida, permeada de perseguições (v. 12-16). Os discípulos já não precisarão
fugir para escapar de tribulações (v. 21). O desejo, presente em todo ser
humano, de ter sua vida histórica totalmente integrada na salvação (cf. Rm
8,23) se realizará. A redenção será então levada à sua plena manifestação.
Subentende-se que começará então uma época absolutamente nova.
A vinda do Senhor ocorrerá no “dia”
(v. 34). Esse “dia” foi anunciado pelos profetas com variada gama de
significados: desde o de juízo para o povo eleito até o de sua restauração
definitiva e do aniquilamento dos pagãos. Agora, o “dia” é marcado pela ação do
Filho do homem, que virá para julgar. Sua realização é absolutamente certa, mas
sua expectativa não pode ser determinada com base num calendário do qual que se
espera o cumprimento. Ela deve ser caracterizada pela atitude de prontidão em
relação àquela vinda.
Em Lc 17,22-31, compara-se a atitude
errônea diante do dia do Filho do homem com a dos contemporâneos de Noé e Lot,
os quais, apesar das admoestações, continuaram sua vida sem atentar para a
ameaça que estava por se realizar (o dilúvio e a destruição de Sodoma e
Gomorra): “Comiam, bebiam…” (v. 27-28). Contra isso, Lc 21,34.36 exorta os
fiéis a não se deixarem tomar pelas inquietações do dia a dia, esquecendo-se do
anúncio de Jesus. “Não dormir, não embriagar-se…” (cf. 1Ts 5,6-7). É preciso
manter-se atento, vigilante, plenamente consciente.
Na perspectiva de Lucas, porém, isso
não basta. A vigilância deve ser cumprida na oração constante. Vigiando e
orando (cf. Lc 22,46, no Getsêmani), o discípulo terá a força para superar as
tribulações (v. 25-26), alegrar-se-á pela proximidade da vinda (v. 28) e terá
confiança de ser acolhido pelo Filho do homem (v. 36).
O texto mostra, assim, o dia da vinda
do Senhor como o dia da grande libertação. Nessa perspectiva, o cristão pode
viver com imensa esperança. O futuro trará a plenitude dos dons de Deus e a
consumação de toda a sua obra. Essa esperança se expressa então na atitude de
permanente atenção e na oração constante. Longe de alienar o discípulo de suas
responsabilidades, tal esperança lhe dará a motivação mais profunda e o
dinamismo mais produtivo para que ele colabore na construção do Reino, já
presente em semente.
II
leitura (1Ts 3,12-4,2)
O texto litúrgico se inicia com uma
oração do Apóstolo (3,12-13). Ela expressa suas expectativas, que simultaneamente
são orientações de vida para os cristãos. Dois elementos são mencionados: o
amor e a santidade.
O Apóstolo ora em primeiro lugar para
que o Senhor faça crescer o amor, primeiramente entre os irmãos, mas também
para com os que não pertencem à comunidade cristã. Trata-se de uma atitude que
os cristãos devem desenvolver; sua fonte, porém, é o próprio Deus: é ele quem o
faz crescer. O amor deve ser realizado concretamente no trato cotidiano, mas
isso só ocorrerá se cada um estiver aberto a recebê-lo de Deus. Então, sim,
poderá transbordá-lo para os outros. É o que diz em outras passagens são Paulo:
“O amor de Deus foi derramado em nossos corações…” (Rm 5,5); e “Aprendestes
pessoalmente de Deus a amar-vos mutuamente” (1Ts 4,9).
O segundo elemento, a santidade, não
é um algo a mais ao lado do amor, mas designa a mesma realidade, embora de modo
mais abrangente. A santidade não consiste simplesmente em comportamentos
segundo a moral, mas segundo a vivência do amor. Tendo o cristão crescido no
amor, Jesus confirma seu coração (a sede de sua vida, de sua intelectualidade,
moralidade e espiritualidade) na participação da santidade do Deus que é amor.
Tal confirmação ocorrerá por ocasião
da parúsia do Senhor. Será confirmada uma vida já vivida na santidade. O
cristão não espera a parúsia de modo descompromissado, mas na tensão de uma
vida que vive plenamente o presente com a luz que lhe confere o futuro.
Em sua vinda, Jesus não estará
sozinho. Ele virá acompanhado de seus santos, que podem ser aqui os anjos e/ou
os fiéis já falecidos. Ele inaugurará nova época da qual participarão todos os
que viveram no amor.
O texto litúrgico continua com a
exortação do Apóstolo, em tom afetuoso, para que os cristãos não se acomodem,
mas vivam sob o olhar de Deus, realizando sua vontade e progredindo nesse
caminho. A fonte do amor é Deus (cf. 3,12), mas isso não dispensa o empenho
pessoal.
III.
Pistas para reflexão
– A santidade é vocação universal
(Lumen Gentium, cap. 5). Levo a sério essa vocação? Como vivo o amor (aos
irmãos e aos que não pertencem à comunidade) em meio às tensões do cotidiano?
– As preocupações do dia a dia, a
busca de bem-estar, de “qualidade de vida”, de sucesso… ocupam minha atenção,
de modo a obscurecer a orientação de minha vida para o Senhor?
– Como viver o compromisso cristão
neste mundo em atitude de vigilância e oração?
Maria
de Lourdes Corrêa Lima
Professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio e do Instituto Superior de Teologia da
Arquidiocese do Rio de Janeiro. Doutora em Teologia (Bíblica) pela Pontifícia
Universidade Gregoriana (Roma). É membro da Ordem das Virgens da Arquidiocese
do Rio de Janeiro. E-mail: mllima@puc-rio.br
___________________________________
Vida
Pastoral