quarta-feira, 18 de maio de 2016

Homilética: Solenidade da Santíssima Trindade - Ano C: “Pai, Filho e Espírito Santo”.



 

Depois de ter celebrado os mistérios da Salvação, desde o nascimento de Cristo (Natal) até a vinda do Espírito Santo (Pentecostes), a liturgia propõe-nos o mistério central de nossa fé, a fonte de tudo e à qual tudo deve voltar: a Trindade.

Santo Agostinho afirmou que é difícil encontrar uma pessoa que, falando da Trindade, saiba do que esteja falando (Confissões XIII,II). Trata-se de uma tarefa – como foi revelado em sonho a Santo Agostinho – não menos impossível do que aquela de uma criança que tenta esvaziar o mar usando uma concha.

Toda a vida da Igreja está impregnada pelo Mistério da Santíssima Trindade. E quando falamos aqui de mistério, não pensemos no incompreensível, mais na realidade mais profunda que atinge o núcleo do nosso ser e do nosso agir.

A revelação da Trindade é, portanto, uma cascata de amor: é o gesto supremo da condescendência divina para com o homem. Os gregos diziam: “ Nenhum Deus pode se misturar com o homem” ( Platão). Nosso Deus, em vez disso, se misturou com o homem; tramou sua vida com a do homem preparando-o para a comunhão eterna com ele.

Mas é Cristo quem nos revela a intimidade do mistério trinitário e o convite para que participemos dele. “Ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt, 11, 27). Ele revelou-nos também a existência do Espírito Santo junto com o Pai e enviou-o à Igreja para que a santificasse até o fim dos tempos; e revelou-nos a perfeitíssima Unidade de vida entre as Pessoas divinas (Cf. Jo16, 12-15).

O mistério da Santíssima Trindade é o ponto de partida de toda a verdade revelada e a fonte de que procede a vida sobrenatural e para a qual nos encaminhamos: somos filhos do Pai, irmãos e co-herdeiros do Filho, santificados continuamente pelo Espírito Santo para nos assemelharmos cada vez mais a Cristo.

Por ser o mistério central da vida da Igreja, a Santíssima Trindade é continuamente invocada em toda a liturgia. Fomos batizados em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e em seu nome perdoam-se os pecados; ao começarmos e ao terminarmos muitas orações, dirigimo-nos ao Pai, por mediação de Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Muitas vezes ao longo do dia, nós, os cristãos repetimos: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.

A Santíssima Trindade habita na nossa alma como num templo. E São Paulo faz-nos saber que o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Cf. Rm 5, 5).

Imensa é a alegria por termos a presença da Santíssima Trindade na nossa alma! Esta alegria é destinada a todo cristão, chamado à santidade no meio dos seus afazeres profissionais e que deseja amar a Deus com todo o seu ser; se bem que, como diz Santa Teresa, “há muitas almas que permanecem rodando o castelo (da alma), no lugar onde montam guarda as sentinelas , e nada se lhes dá de penetrar nele. Não sabem o que existe em tão preciosa mansão, nem quem mora dentro dela”. Nessa “preciosa mansão”, na alma que resplandece pela graça, está Deus conosco: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Só Cristo nos revelou claramente essa verdade: Fala constantemente do Pai: Quando Felipe diz: “Mostra-nos o Pai…”, Jesus responde: “Felipe… quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,8).

Jesus promete o Espírito Santo: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena Verdade”.

Quando se despede, no dia da Ascensão, afirma: “Ide… e batizai em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.”

A contemplação e o louvor à Santíssima Trindade são a substância da nossa vida sobrenatural, e esse é também o nosso fim: porque no Céu, junto de Nossa Senhora – Filha de Deus Pai, Mãe do Filho, Esposa do Espírito Santo: mais do que Ela, só Deus – , a nossa felicidade e o nosso júbilo serão um louvor eterno ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Estes vieram em nós no Batismo. Estabeleceram em nós sua habitação e nos são mais íntimos do que nós mesmos, diz Santo Agostinho. Em seu nome e no diálogo com eles desenvolve-se toda a nossa vida de fé, desde o berço até o túmulo. No limiar da existência fomos batizados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. No ocaso dela, partiremos deste mundo ainda “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

Fazendo o sinal da Cruz, nós declaramos a cada vez, nossa vontade de pertencer à Trindade.

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS



Leituras: Pr 8,22-31; Rm 5,1-5; Jo 16,12-15

“Não devemos perder de vista a tradição, a doutrina e a fé da Igreja Católica, tal como o Senhor ensinou, tal como os apóstolos pregaram e os Santos Padres transmitiram. De fato, a tradição constitui o alicerce da Igreja, e todo aquele que dele se afasta deixa de ser cristão e não merece mais usar este nome” (Das cartas de Santo Atanásio, bispo, séc.IV). O que quer dizer “Santíssima Trindade”? Um mistério que só pode ser conhecido pela fé: há um só Deus em três Pessoas realmente distintas entre si: o Pai e o Filho e o Espírito Santo. A nossa salvação tem estrutura trinitária: o Filho nos atrai ao Pai a través da ação do Espírito Santo, somos batizados em nome das três Pessoas divinas. A Profissão de Fé, o Credo, tem essa mesma estrutura: “Creio em Deus Pai todo-poderoso (…). E em Jesus Cristo seu único Filho nosso Senhor (…). Creio no Espírito Santo (…)”. Nós queremos dizer no dia de hoje com a liturgia da Igreja: “Sede bendita, ó Trindade indivisível, agora e sempre e eternamente pelos séculos, vós que criais e governais todas as coisas” (Antífona do Cântico evangélico de Laudes). E pedimos: “Fazei que, professando a verdadeira fé, reconheçamos a glória da Trindade e adoremos a Unidade onipotente” (oração coleta).

Para dizer-se cristão é necessário crer que há um só Deus em três Pessoas realmente distintas – o Pai e o Filho e o Espírito Santo – e crer também que o Filho de Deus se fez homem, se encarnou para a nossa salvação. Há um só Deus e esse único Deus é uno, ou seja, não se divide; não é um Deus em três versões, em três rostos, ou em três deuses. Não! Há um só Deus. E, no entanto, Jesus Cristo, nos revelou que dentro de Deus há vida, há diálogo, há amor; em Deus há três Pessoas: o Pai e o Filho e o Espírito Santo. Mas o Pai não é nem o Filho nem o Espírito Santo, o Filho não é nem o Pai nem o Espírito Santo, o Espírito Santo não é o nem Pai nem o Filho; são Pessoas distintas. Cada Pessoa é Deus, cada Pessoa divina é toda a divindade e, no entanto, não há três deuses. Grande mistério!

O leitor poderia dizer-me: “mas isso eu já sei pela catequese”. De acordo! E, contudo, eu tenho certeza que é muito importante voltar a celebrar a nossa fé, professá-la e pensá-la. O dogma (verdade) da Santíssima Trindade nos diz também que o Pai não foi feito por ninguém, não foi criado, não foi gerado; que o Filho não foi criado pelo Pai, foi gerado, o que é muito diferente; que o Espírito Santo não foi criado nem gerado pelo Pai e pelo Filho, mas foi espirado, o que também é distinto. A geração do Filho pelo Pai é um ato espiritual, eterno e não pressupõe nenhuma ação fora da realidade de Deus. A espiração do Espírito Santo é também um ato espiritual e eterno, dentro da vida divina, que tem como fonte o Pai enquanto que tem um Filho; daí que no Ocidente sempre foi comum dizer que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho (Filioque), isto é, do Pai através do Filho, expressão mais próxima ao oriente cristão.

Quando dialogamos sobre a criação do mundo utilizando o argumento de que é preciso, seguindo as causas do que existe, chegar a um momento inicial, um princípio eterno que cause tudo o que existe, não é incomum encontrar a seguinte pergunta: “e quem fez Deus?”. A esta pergunta há que responder: Deus não foi feito por ninguém; se Deus fosse criado não seria Deus, seria criatura. Por outro lado, o nosso interlocutor precisa ser consequente: se não admitíssemos a existência de um Principio sem principio, que chamamos Deus, não existiria nada. Essa argumentação filosófica é completada pela afirmação teológica: a criação é obra de toda a Santíssima Trindade: do Pai e do Filho e do Espírito Santo; a criação é o resultado externo – e não necessário – do amor interno e necessário de Deus.

O Mistério da Santíssima é o motor da nossa vida cristã. Todas as nossas orações começam com o Sinal da Cruz e com a Santíssima Trindade; fomos feitos filhos do Pai no Filho pelo Espírito Santo; as orações da liturgia se dirigem ao Pai através do Nosso Senhor Jesus Cristo na unidade do Espírito Santo; a fé e a esperança e a caridade manifestam sobrenaturalmente as características internas da vida de Deus em nós; a nossa estrutura humana intelectual também leva a marca da Trindade nas nossas potencias de memória, inteligência e vontade. Enfim, estamos tocados até o mais profundo do nosso ser pelo Mistério do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Toda a nossa salvação depende da Santíssima Trindade, com a qual colaboramos. Não nos cansemos dizer, portanto, no dia de hoje e sempre: “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”.

PARA REFLETIR

É estranho celebrar com uma festa litúrgica a Santíssima Trindade, pois a Trindade Santa é celebrada em toda a vida cristã e, particularmente, em toda e cada Eucaristia. Recordemos que a Missa é glorificação da Trindade Santíssima, na qual o Filho se oferece e é por nós oferecido ao Pai no Espírito Santo, para a salvação nossa e do mundo inteiro. Mas, aproveitando a festa hodierna, façamos algumas considerações que nos ajudem na contemplação e adoração desse Mistério tão santo, que nos desvela a vida íntima do próprio Deus.

Poderíamos começar com uma pergunta provocadora: como a Igreja descobriu a Trindade? Descobriu, como duas pessoas se descobrem: revelando-se! Duas pessoas somente se conhecem de verdade se conviverem, se forem se revelando no dia-a-dia, se se amarem. Só há verdadeiro conhecimento onde há verdadeiro amor. É costume dizer-se que ninguém ama o que não conhece; pois, que seja dito também: ninguém conhece o que não ama. O amor é a forma mais profunda e completa de conhecimento! Foi, portanto, por puro amor a nós, à nossa pobre humanidade, que Deus quis dirigir-se a nós, revelar-se, convivendo conosco, abrindo-nos seu coração, dando-nos a conhecer e a experimentar seu amor… E fez isso trinitariamente! Então, desde o início, a Igreja experimentou Deus na sua vida concreta, e o experimentou trinitariamente, como Pai, como Filho e como Espírito Santo. Antes de falar sobre a Trindade, a Igreja experimentou a Trindade!

Primeiramente, o Senhor Deus incutiu no coração do povo de Israel e da própria Igreja que ele é um só: “Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus, o Senhor é um só!” Um porque não pode haver outro ao seu lado, Um porque não pode ser multiplicado, Um porque não pode ser dividido e Um porque deve ser o único horizonte, o único apoio, a única rocha de nossa existência: ele, o Senhor Deus, é o único absoluto, o único que é, sem princípio e sem fim, sem mudança e sem limite! Jamais poderemos imaginar tal grandeza, tal plenitude, tal suficiência de si mesmo! Deus É – e basta! Tudo o mais apenas existe porque vem dele, daquele que É! Mas, ele não é um Deus frio: sempre apresentou-se ao povo de Israel como um Deus amante, um Deus de misericórdia e compaixão, um Deus que não sossega enquanto não levar à plenitude da vida as suas criaturas. Por isso, com paciência e bondade, conduziu o seu povo de Israel, formando-o, educando-o, orientando-o e prometendo um futuro de bênção e plenitude, de eternidade e abundância de dons, que se concretizaria com um personagem que ele enviaria: o Messias, seu Ungido.

Esse Messias prometido, nós, cristãos, o reconhecemos em Jesus, nosso Senhor. Ele é o enviado de Deus, do Deus único, Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, Deus do povo de Israel. A esse Deus tão grande e tão santo, Jesus chamava de Abbá – Papai: o meu Papai! A si mesmo, Jesus se chamava “o Filho” – Filho único, unigênito de Deus, Filho Amado! Mais ainda: o próprio Jesus, que veio para nós e por amor de nós, agiu neste mundo, em nosso favor, com uma autoridade que ultrapassava de longe a autoridade de um simples ser humano: ele agia como o próprio Deus. Não só interpretava a Lei de Moisés, como também a modificou e a ultrapassou; perdoava os pecados, exigia um amor e uma obediência absolutos à sua pessoa… amor que somente Deus pode exigir. Jesus se revelava igual ao Pai, absolutamente unido a ele: “Eu e o Pai somos uma coisa só! Quem me vê, vê o Pai. Eu estou no Pai e o Pai está em mim”. Após a ressurreição, a Igreja compreendeu, impressionada, maravilhada: Jesus não somente é o enviado daquele Deus a quem chamava de “Pai”, mas ele é igual ao Pai: ele é Deus como o Pai, é eterno como o Pai, é o Filho amado pelo Pai desde toda a eternidade. Então, o Deus de Israel é Pai, Pai eterno, Pai eternamente, que eternamente gera no amor o Filho amado. Por amor, ele nos enviou este Filho: “Verdadeiro homem, concebido do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria, viveu em tudo a condição humana, menos o pecado. Anunciou aos pobres a salvação, aos oprimidos, a liberdade, aos tristes, a alegria”. E para realizar o plano de amor do Pai, “entregou-se à morte e, ressuscitando dos mortos, venceu a morte e renovou a vida”.

Mas, há ainda mais: o Filho, ressuscitado e glorificado, derramou sobre seus discípulos o Espírito Santo, que é o próprio Amor que o liga ao Pai. Este Espírito de Amor não é uma coisa, não é simplesmente uma força, não é algo: é Alguém, é o Amor que une o Pai e o Filho, e agora é, na Igreja de Cristo, o Paráclito-Consolador, Aquele que dá testemunho de Jesus morto e ressuscitado, Aquele que vivifica e orienta a Igreja, Aquele que renova em Cristo todas as coisas. Ele é o Dom que o Filho ressuscitado recebeu do Pai e derramou sobre a Igreja, para santificar todas as coisas. Este Espírito permanece no nosso meio na Palavra e nos sacramentos; este Espírito conserva a Igreja unida na mesma fé e na mesma caridade fraterna, este Espírito é a Força divina, a Energia criadora que nos ressuscitará, como ressuscitou o Filho Jesus para a glória do Pai.

É assim que a Igreja confessa um só Deus, imutável, indivisível, perfeito, eterno, absolutamente um só. Mas confessa e experimenta igualmente que este Deus único é real e verdadeiramente Pai, Filho e Espírito Santo, numa Trindade de amor perfeito e perfeitíssima Unidade. A oração inicial da Missa de hoje, exprime este Mistério: “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao mundo a Palavra da verdade, que é o Filho, e o Espírito santificador, revelastes o vosso inefável mistério. Fazei que, professando a verdadeira fé, reconheçamos a glória da Trindade e adoremos a Unidade onipotente”.

Continuemos, então, a nossa Eucaristia, na qual torna-se presente sobre o Altar a oferta do Filho que, por nós, entregou-se ao Pai num Espírito eterno.

Ao Pai, ao Filho e ao Santo Espírito, Trindade santa a consubstancial, a glória e o louvor pelos séculos dos séculos. Amém.

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