segunda-feira, 28 de março de 2016

Excomunhão e Obsolescência


Desde tempos remotos a sociedade tem recorrido a formas eficazes de exclusão. Há sempre um jeito de afastar pessoas e coisas consideradas inconvenientes e disso tirar algum proveito. A sociedade cristã, do início até a era contemporânea, foi manejada pelo catolicismo. A igreja, ao longo dos séculos, fez acordos e conchavos com reis e tiranos, apoiando-os em suas ambições e, em troca, exercendo o controle social, em proveito próprio. Levava ao povo o ensino, o cartório, a catequese e, de quebra, o controle social. A fase mais aguda desse controle foi certamente aquele exercido pela “Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício”. Ou simplesmente: Santa Inquisição. Milhares de pessoas foram condenados por ela. Com pena de morte na fogueira, para servir de exemplo. Para que os demais andassem na linha, sem ferir os interesses da igreja.

Mas ao longo da História, uma das penas mais recorrentes pela igreja foi a excomunhão. Por essa pena, uma pessoa, ou um grupo, ou uma pessoa e seus descendentes ficava excluída da comunhão. O excomungado estava para sempre impedido de acessar os sacramentos ministrados pela Igreja. Como, pelo catecismo em vigor, quem não fazia uso dos sacramentos estava condenado ao fogo do inferno, um simples praguejo de padre era o bastante para condenar alguém à danação eterna.

Hoje em dia, no entanto, essas pragas de padre já não assustam mais. Se alguém é excomungado numa igreja, corre pra outra. E se for um pouco mais empreendedor, funda a sua própria, e congrega aqueles que têm pensamentos parecidos com os seus. O que pouca gente percebe é que a excomunhão milenarmente exercida pela igreja, de repente ficou laica, mundana. Foi refeita, modernizada, customizada, recebeu certificação ISO 9000 e se encontra em plena aplicação pelo mercado. 

A pena de excomunhão mudou até de nome para não assustar os incautos. Mas no fundo ela continua a mesma. Só um pouco mais feroz. Hoje ela se deixa chamar pelo singelo apelido de data de validade. Ou obsolescência. E o mercado é mais tinhoso. Não precisa aplicar a pena com estardalhaços diretamente sobre as pessoas. Aplica a pena sobre as coisas, as ferramentas, os objetos de trabalho e indiretamente as pessoas são afastadas da comunhão social. São literalmente excomungadas. 

O excomungado da igreja contava com a possibilidade de converter a pena em pecúnia. Ou seja, pagava um valor, sempre exorbitante,  e voltava a acessar os santos sacramentos, recobrando assim a possibilidade de ver a face de Deus. O método do mercado é o mesmo. Alguém ficou obsoleto porque suas ferramentas já não acessam mais as fontes de informação e conhecimento, é só pagar o preço e adquirir ferramentas novas.  E, é claro, se preparar para a nova excomunhão. O ciclo é cada vez mais curto.

A excomunhão da igreja assombrava as pessoas, mas nunca foi capaz de pôr em risco a existência humana. Já a excomunhão exercida pelo mercado, esta sim. Mesmo não assustando, e talvez por isso mesmo, põe em risco a existência da espécie. Com tanto consumo e desperdício, o esgotamento do planeta parece próximo. Infelizmente, o fim do mundo pela ação humana vai deixando de ser uma simples profecia de malucos.  


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Edival Lourenço

Publicado no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em 06 de dezembro de 2012.

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