quinta-feira, 17 de março de 2016

A cruz de Cristo e a misericórdia




A proximidade da celebração da paixão, morte e ressurreição nos faz ver a grandeza da misericórdia que Deus revelou a nós no seu Filho, o Crucificado-Ressuscitado. São sempre atuais as palavras do profeta Zacarias, retomadas por São João: “olharão para aquele que traspassaram” (Jo 19,37). Será sempre um olhar humano, portanto limitado, que contempla a manifestação do ser mais profundo de Deus, seu amor misericordioso. Por isso, precisamos do “olhar da fé”, para, sem ignorarmos os fatos, vermos neles a redenção da humanidade, pura obra da graça. 

Na cruz, aquele que “passou fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38), mostra-se agora Ele próprio, digno da maior misericórdia. “Ele não tinha beleza e nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens, homem sujeito à dor, familiarizado com o sofrimento, como pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado, nem fazíamos caso dele.” (Is 53,2-3).Como que suplicando misericórdia, convida os discípulos a vigiarem com ele (Mt 26,28) e, ao Pai, pede para, “se possível, que passe de mim este cálice.” (Mt 26, 39). O Pai mantém-se fiel em seu amor misericordioso, “pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3,16). Não lhe é, porém, poupado o sofrimento.E não encontrou quem dele tivesse misericórdia! Por isso, a cruz fala do pecado, da falta de justiça e misericórdia da humanidade, da indiferença diante do sofrimento inocente, da violência que tira a vida de pobres, crianças e jovens. Infelizmente, também hoje, como com Jesus, “nem fazíamos caso dele.” (Is 53,2).
A vida, as palavras e atitudes de Jesus sempre foram misericordiosas. Mas, nenhum outro momento da vida de Jesus tocou mais profundo a miséria humana do que na sua cruz. Ele “foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca” (Is 53, 7). Sua fidelidade e seu amor foram até o fim (cf. Jo13,1). Oferece a si mesmo, a sua vida, como sacrifício expiatório (cf. Is 53, 10), e “levou sobre si o pecado de muitos” (Is 53,12). Sua misericórdia perdoa sempre. “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem.” (Lc 23,34). Por isso, disse S. João Paulo II: “A cruz é como que um toque do amor eterno nas feridas mais dolorosas da existência terrena do homem” (Dives in misericórdia, 8). No simbolismo do “sangue e água”, que brotam do coração traspassado do crucificado, a misericórdia de Cristo continua na sua Igreja através dos sacramentos, principalmente do Batismo e da Eucaristia.

Enfim, a cruz de Cristo não é somente manifestação da misericórdia divina, mas também, apelo aos cristãos a viverem a misericórdia e a doação de si.O estilo de vida do Nazareno, impregnado de misericórdia, torna-se o modo de ser e viver dos seus discípulos. Terão sempre diante de si, à luz da Ressurreição, a cruz e o Crucificado, pois nela a revelação do amor misericordioso atinge o ponto culminante. “Quem ama deseja dar-se a si próprio.” (S. João Paulo II, Dives in misericórdia, 8). Os cristãos são convidados a tocar as chagas do Crucificado, não ter medo de tocá-las. 

Vivamos todos cada dia da Semana Santa com intensidade. Participemos integralmente, em nossa comunidade, das celebrações do Tríduo Pascal.


Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta

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