sexta-feira, 25 de março de 2016

A Igreja não celebra a Eucaristia na Sexta-feira Santa

 
A Sexta-feira Santa é considerada pela liturgia como dia de amorosa contemplação do Sacrifício cruento de Jesus, fonte de nossa salvação. A Igreja celebra a morte vitoriosa do Senhor. Por isso, fala de “bem-aventurada” e “gloriosa” paixão.

Segundo antiquíssima tradição, a Igreja nesse dia não celebra a Eucaristia; o elemento fundamental e universal da liturgia desse dia é a proclamação da Palavra. Se for possível, este ato litúrgico deve ser celebrado às três horas da tarde, a hora da morte de Jesus. Razões pastorais poderão fazer com que seja feita em hora mais tardia.

O rito compõe-se de três partes: a) A liturgia da palavra, com três leituras: o profeta (Is 52,13-15; 53,1-12): “Foi transpassado por nossos pecados”; o apóstolo (Hb 4,14-16; 5,7-9): “Cristo aprendeu a obediência e tornou-se causa de salvação eterna para todos aqueles que lhe obedecem”; o Evangelho de Jo 18 e 19: a história da paixão de Jesus. b) A adoração da Cruz. c) A comunhão: como a Eucaristia não é celebrada, o altar estará inteiramente desnudado: sem cruz, sem velas e sem toalhas.

A liturgia da Sexta-feira Santa, ao referir-se ao culto à Cruz, se expressa dizendo que se trata de uma “solene adoração da santa Cruz”, deixando, inclusive, a possibilidade de dobrar o joelho diante dela. Penso que estas palavras calaram no coração de mais de um cristão, deixando-o pensativo, com maior razão se refletimos naquilo que realizamos: aproximamo-nos da imagem do Cristo crucificado e O beijamos; adoramos a Cristo, a sua Cruz. Na verdade, Cristo e a sua Cruz são identificados nesta liturgia solene de hoje.

Nós adoramos e beijamos a Santa Cruz nesse dia porque ela foi o madeiro no qual o próprio Deus feito homem retirou a maldição do pecado que pesava sobre nós. A cruz era sinal de maldição, suplício dos culpados e grandes marginais da sociedade. Cristo quis transformar esse sinal de maldição em sinal de bênção. Por isso, para entender é preciso que compreendamos uma realidade: as coisas contêm um significado. Por exemplo: beijar uma pessoa tem distintos significados quando realizado em diversas circunstâncias. Uma criança que dá um beijo na sua mãe quer significar todo o carinho e agradecimento que sente por ela; duas pessoas que se dão os dois beijinhos sociais quando se conhecem não querem significar mais que a alegria que sentem em conhecer-se, e celebrar dessa maneira ritual essa nova relação de amizade que começa; dois namorados que se beijam querem expressar o amor que sentem mutuamente.

Há beijos que significam pura sensualidade, outros são exposições das escórias e dos desvios humanos. Enfim, um beijo pode significar muito! No caso do beijo à Santa Cruz, trata-se de um beijo que se pode interpretar em relação a outro beijo, aquele que o sacerdote dá (ao) no altar todos os dias ao começar e ao terminar a Santa Missa: um beijo cheio de amor, de respeito, de admiração. O Altar representa Cristo como a Cruz também O representa.

“Cristo por nós se fez obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,8).Mas, na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem”. Isto é, tornado perfeito na obediência, consumando toda a sua existência humana de modo amoroso e total, entregando-se ao Pai por nós, Ele se tornou causa da nossa salvação!

É o próprio Cordeiro santo e imaculado que, com todo amor do seu coração, com toda dedicação de sua alma, se oferece livremente por nós todos! Por isso, ele “tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem”, isto é, desde que nós entremos na sua obediência e dela participemos na nossa vida! Entremos nessa obediência bendita e amorosa do Nosso Senhor: façamos de nossa vida uma entrega total ao Pai, com Jesus: entrega de nossos atos, de nossos pensamentos, de nossos afetos, de nossos negócios, de nossa vida familiar e profissional, de nossas decisões e escolhas, de nossas relações humanas.

Por isso, ao celebrarmos a Paixão do Cristo devemos ter consciência de que a celebração principal da Semana Santa é a Vigília Pascal, quando Cristo Ressuscita para que todos nós, os batizados, sejamos redimidos da culpa original. Eis o lenho da Cruz, da qual pendeu a salvação do mundo!



Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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