segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Homilética: 27º Domingo do Tempo Comum - Ano C: "Se tivésseis fé...".



Há poucas palavras de apenas duas letras que contenham tanta densidade como essa: Fé. Os apóstolos, ao compreender algo dessa realidade, pediram ao Senhor: “aumenta-nos a fé!” (Lc 17,5). E Jesus disse-lhes: “se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: arranca-te daqui e planta-te no mar, e ela vos obedeceria”. É uma linguagem figurada que exprime a onipotência da fé. Jesus não pede muito; pede apenas um pouquinho de fé, como o minúsculo grão de mostarda, bem menor do que a cabeça de um alfinete; mas, se for sincera, viva, convicta, a fé será capaz de coisas muito maiores, inconcebíveis à compreensão humana. Jesus quer educar os seus discípulos numa fé sem incerteza nem vacilações, numa fé que, apoiada na força de Deus, tudo crê, tudo espera, a tudo se atreve, e persevera invencível, mesmo nas dificuldades mais árduas e difíceis.

Precisamos de uma fé firme, que nos leve a alcançar metas que estão acima das nossas forças, que aplaine os obstáculos e supere os “impossíveis” na nossa tarefa apostólica. É esta a virtude que nos dá a verdadeira dimensão dos acontecimentos e nos permite julgar retamente todas as coisas. Só pela luz da fé e pela meditação da palavra de Deus é que se pode sempre e por toda a parte divisar Deus “em quem vivemos e nos movemos e somos” (At 17, 28), procurar a sua vontade em todos os acontecimentos, ver Cristo em todos os homens, sejam próximos ou estranhos, e julgar com retidão sobre o verdadeiro significado e valor das coisas temporais, em si mesmas e em relação ao fim do homem.

Houve ocasiões em que Jesus chamou aos Apóstolos “homens de pouca fé” (Mt 8, 26; 6, 30), pois não se encontravam à altura das circunstâncias. O Messias estava com eles, e no entanto tremiam de medo diante de uma tempestade no mar (Mt 8, 26), ou preocupavam-se excessivamente com o futuro, quando fora o próprio Cristo quem os chamara para que O seguissem. “Senhor, aumenta-nos a fé, pediram a Jesus. O Senhor atendeu a esse pedido, pois todos eles acabaram por dar a vida em testemunho supremo da sua firme adesão a Cristo e aos seus ensinamentos.

Nós também nos sentimos por vezes carentes de fé diante das dificuldades, da carência de meios, como os Apóstolos… Precisamos de mais fé! E ela aumenta com a petição assídua, com a correspondência às graças que recebemos, com atos de fé. “Falta-nos fé. No dia em que vivermos esta virtude – confiando em Deus e na sua Mãe –, seremos valentes e leais. Deus, que é o Deus de sempre, fará milagres por nossas mãos. Dá-me, ó Jesus, essa fé, que de verdade desejo! Minha Mãe e Senhora minha, Maria Santíssima, faz que eu creia!” (São Josemaria Escrivá, Forja, nº. 235).

Diante das provações, dos desafios, o Senhor nos fala pelo Profeta Habacuc: “… o justo viverá por sua fé” (Hab 2, 4). Este ensinamento tanto é para o israelita, como para o cristão de todos os tempos; é válido em qualquer circunstância da vida dos indivíduos, dos povos ou da Igreja. Mesmo que tudo aconteça como se Deus não existisse ou não visse, é necessário permanecer firmes na fé. Deus não pode demorar a Sua intervenção e intervirá, certamente, em favor dos que acreditam nEle e nEle depositam a sua confiança. “Deus concorre em tudo para o bem dos que O amam” (Rm 8, 28).

Pelo menos, desde S. Agostinho, é comum falar de três aspectos da fé. O primeiro deles é o subjetivo (credere in Deum), a entrega pessoal a Deus que cada um faz ao acreditar nele e nas suas promessas. Não se trata de ter fé como se tem um carro ou uma casa. Não! A fé impregna toda a nossa existência e, a partir do encontro com Deus, nós, fiéis de Cristo, não podemos explicar a nós mesmos sem a fé. Crer em Deus marca um antes e um depois na nossa vida: as nossas relações familiares, laborais, sociais, econômicas, políticas, etc., recebem um novo sentido, uma nova visão; simplesmente, vemos à maneira de Deus. Nós, crentes em Deus, não podemos permitir uma espécie de divórcio entre a fé e a vida, entre as convicções religiosas e as científicas, entre a maneira de atuar na presença de Deus e a de atuar, por exemplo, na política. Nós, os filhos de Deus, vivemos a unidade de vida. Cremos em Deus e lutamos pelo bem da humanidade e de cada pessoa que temos ao nosso lado, conscientes de que podemos e devemos oferecer aos nossos amigos o nosso tesouro, o que mais vale: a fé em Deus, a amizade com Cristo, o sentido para a vida e… para a morte.

O segundo aspecto da fé é o objetivo (Credere Deum). Qual é o objeto da nossa fé? “Corramos com perseverança ao combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus” (Hb 12,1). Como é importante manter o olhar fixo naquele que é fonte e meta, o único Salvador e Senhor do gênero humano: Jesus Cristo! Cremos em Deus, mas esse único Deus é três Pessoas: Pai e Filho e Espírito Santo. Cremos que Deus fez-se homem para a nossa salvação: o Filho único do Pai eterno fez-se carne, pela ação do Espírito Santo, nas entranhas puríssimas da Virgem Maria. A nova criação é a humanidade de Jesus e todos os que querem fazer parte dessa nova realidade têm que entrar em Cristo. Não podemos sequer ofuscar as verdades da nossa fé. São Paulo era tão consciente disso que deixou escrito que “ainda que alguém – nós ou um anjo baixado do céu – vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema” (Gl 1,8).

Além do mais, ainda que sejamos compreensivos com aqueles que nunca creram, que são ateus, não podemos deixar de sentir um grande pesar por essas pessoas e pedir para elas o dom da fé.

O terceiro aspecto é o motivo pelo qual cremos: a autoridade de Deus que se revela (Credere Deo). Não acreditamos porque estudamos muito ou temos muitos argumentos racionais, nem mesmo porque nos sentimos bem, nem muito menos porque a família sempre foi católica. Esses motivos são insuficientes. Cremos por Jesus Cristo nosso Senhor! O Amém da nossa fé está fundado em Deus que não se engana, nem pode enganar-se. A certeza da fé é mais segura que qualquer certeza científica. É interessante como algumas verdades científicas, certas noutros tempos, foram já totalmente descartadas. A ciência progride continuamente, Jesus Cristo, ao contrário, “é sempre o mesmo: ontem, hoje e por toda a eternidade” (Hb 13,8). É verdade, pode crescer a nossa compreensão do mistério de Cristo, mas ele é sempre o mesmo.

Os apóstolos realmente souberam apreciar o grande dom da fé e por isso não somente pedem-no, mas suplicam um aumento desse dom. Fé! Fé! Fé! Peçamos insistentemente ao Senhor que aumente a nossa fé e não descuidemos esse tesouro, por exemplo, lendo coisas perigosas, cheias de falácias; não nos deixemos levar da malsã curiosidade em escutar teorias de supostos teólogos que – em lugar de servir à fé e explicá-la – minam os seus fundamentos e arrancam as raízes da salvação do coração das pessoas. Atentar contra a fé dos outros, máxime quando se trata de pessoas simples, é uma impiedade tão grande que Jesus advertiu utilizando uma expressão que soa dura aos nossos ouvidos: “se alguém fizer cair em pecado um desses pequenos que crêem em mim, melhor seria que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem no fundo do mar” (Mt 18,6).

Comentário dos textos bíblicos

Leituras: Hab 1,2-3; 2,2-4; Sl 94; 2Tm 1,6-8.13-14; Lc 17,5-10

Meus caros irmãos e irmãs, todos os textos da liturgia deste domingo nos falam sobre a fé, que é o fundamento de toda a vida cristã.  Lançando um olhar para o Evangelho, encontramos um pedido feito pelos apóstolos a Jesus: “Aumenta a nossa fé!’ (Lc 17,5-6). E o Senhor responde: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (v. 6).

Sem responder diretamente ao pedido dos apóstolos, Jesus recorre a uma imagem paradoxal para expressar a incrível vitalidade da fé. Com isto, podemos dizer que a fé, mesmo que seja em pequena medida, é capaz de realizar coisas impensáveis, extraordinárias, como erradicar uma árvore frondosa e transplantá-la no mar. É suficiente ter um pouco de fé, mas precisa ser verdadeira, sincera.

A fé do cristão envolve uma escolha concreta: a de seguir o Mestre. Este seguimento do discípulo pode ser rápido, mas também pode ser lento e pode até ser interrompido. Ao longo da caminhada cristã podemos necessitar de reforço.  O que os apóstolos pedem a Jesus, neste sentido, é uma maior firmeza na decisão de segui-lo.  Jesus, com frequência já havia assinalado para eles uma caminhada difícil. São eles convidados a tomar a cruz todos os dias, a deixar tudo para seguir o Mestre, renunciando a família e os bens (cf. Lc 14,26ss). Muitos sentem-se tentados a rever a própria escolha (cf. Jo 6,60).  Diante desses desafios necessitam de uma maior firmeza na fé, por isto pedem: “Senhor, aumenta a nossa fé” (v. 5).

No entanto, os discípulos têm consciência de que essa adesão não é um caminho cômodo e fácil, pois supõe um compromisso radical, a vitória sobre a própria fragilidade, a coragem de abandonar o comodismo e o egoísmo para seguir um caminho de exigência. Pedir a Jesus que lhes aumente a fé significa, portanto, pedir-lhe que lhes acrescente a coragem de fazer uma opção; significa pedir que lhes dê a decisão para aderirem incondicionalmente à proposta de vida que Jesus lhes veio apresentar.

Inicialmente Jesus faz uma referência a um grão de mostarda. Lembremos que, para uma semente se desenvolver, faz-se necessário a ação do homem, elemento fundamental para que o pequeno grão venha se tornar grande árvore. O serviço de lançar a semente na terra exige a disposição para preparar o solo e, ao mesmo tempo, o cuidado constante para que a semente lançada encontre as condições necessárias para germinar, crescer e produzir frutos.  Assim também com a fé, que é dom de Deus: faz-se necessário cultivá-la para que ela possa se desenvolver.

Como a semente, que para crescer necessita desse empenho e dedicação do agricultor, exigindo dele serviço generoso e perseverante, alimentado pela esperança dos futuros frutos, também a fé no coração do crente deve crescer em vista da salvação, da implantação do Reino de Deus.

Quando Jesus diz sobre a amoreira: “‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (v. 6), dentro do conjunto de ensinamentos do texto, isto insinua não quer insinuar que a fé seja uma força mágica, utilizada para gestos ou mesmo manifestações fantásticas. Esta imagem utilizada por Jesus quer mostrar que, com a fé, tudo é possível. O símbolo da amoreira, árvore que atinge até 6 metros de altura, de raízes profundas, que ninguém consegue desarraigar, serve para dizer que a fé, sendo um dom de Deus, produz em quem crê, uma verdadeira conversão, pois é capaz de desenraizar o ser humano até mesmo das situações mais profundas de pecado e conduzi-lo para uma nova situação de vida, talvez impensável segundo cálculos humanos.

Porém, a fé, acolhida como dom de Deus, exige do crente uma atitude de humildade, por isto, Jesus, na segunda parte do texto, faz uma alusão ao trabalho realizado pelo servo (v. 7-10).  Na verdade, cada discípulo de Jesus deve assumir de forma perseverante e fiel a sua condição de servo, que reconhece o serviço prestado aos demais, levando-os ao crescimento.

Estejamos conscientes disso: Somos servos de Deus.  O servo está sempre sujeito à vontade de seu patrão.  Não basta servir a Deus durante apenas uma época da vida.  Não basta cumprir a vontade de Deus em algumas realizações e por algum tempo somente, mas toda a nossa vida deve ser consagrada ao serviço de Deus. A atitude do discípulo fiel deve ser a de quem cumpre o seu papel com humildade, sentindo-se um servo que apenas fez o que lhe competia. O servo não procura a sua glória, mas somente a alegria de ter realizado o seu dever.

Jesus educou os seus discípulos para crescer na fé, acreditar e confiar cada vez mais nele, a fim de que pudessem edificar a própria vida sobre a rocha. Por isso, os próprios apóstolos solicitam: “Aumenta a nossa fé” (Lc 17, 6). Os discípulos não pedem dons materiais, nem privilégios, mas sim a graça da fé, para que ela seja a base de tudo e os oriente e os ilumine ao longo da vida.  Como de fato, o Senhor atendeu a esse pedido, pois todos eles acabaram por dar a vida em testemunho supremo da firme adesão a Cristo e aos seus ensinamentos.

Nós também nos sentimos por vezes enfraquecidos na fé, diante das dificuldades, da carência de meios e, como os apóstolos, precisamos de mais fé.  Ela pode aumentar, mediante nosso pedido assíduo, com a oração diária e com a prática das boas obras, em nome de Cristo.  A nossa fé não pode ficar adormecida, mas deve reanimar a cada momento, sendo fortalecida pela prática da oração.  A oração é o respiro da fé: numa relação de confiança, de amor, não pode faltar o diálogo, e a oração é o diálogo da alma com Deus.

Quem reza caminha como um peregrino que busca a luz, entra na vontade de Deus.  Em alguns momentos, quando estamos na noite longa do sofrimento e do ódio erigido contra nós, pode acontecer nossa súplica: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste” (Mc 15,34). É uma oração, um grito de fé para Deus.  É o grito de Jesus na Cruz, um grito de abandono filial à única vontade do Pai. Enquanto rezava no Gólgota, Jesus disse: “Abba, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Contudo, não se faça o que eu quero, senão o que tu queres” (Mc 14,36).  Estar em oração é olhar para Deus e deixar-se olhar por Ele, é procurar Deus e deixá-lo mostrar o seu rosto e revelar a sua vontade.  Na oração é Deus que fala e nós escutamos atentamente nos colocando em busca da sua vontade. É nestes momentos de provação que precisamos que ele reanime a nossa fé.

Que possamos sempre lembrar de pedir: “Senhor, eu creio, mas aumentai a minha fé”. Sempre que uma dificuldade bater à nossa porta, ou mediante uma situação de perigo, quando estivermos fracos, diante da dor, das dificuldades, peçamos em oração esse acréscimo de fé: “Senhor, aumentai a minha fé”.  O pedido dos Apóstolos a Jesus “aumenta a nossa fé” é uma bela oração também para nós pois, para aquele que tem fé, tudo é possível. E principalmente, quando alguma dificuldade surgir, tenhamos força, fé e humildade para acolher a mão de Jesus, que vem nos levantar sempre.

A fé á um dom gratuito de Deus ao homem e para viver, crescer e perseverar na fé, é necessário que cada cristão procure se alimentar da Palavra de Deus. A nossa fé precisa ser sustentada pela esperança e permanecer enraizada na fé da Igreja (cf. CIgC 162). Somente pela luz da fé e pela meditação da Palavra de Deus é possível sempre e por toda parte proclamar as maravilhas do Senhor.

Saibamos olhar com esperança para o futuro e vivamos com coragem os valores do Evangelho, para fazer resplandecer a luz do bem. Com a força da fé tudo é possível!  Que o Cristo venha em nosso auxílio e alimente em cada um de nós o desejo de proclamar, com as palavras e as obras, a sua presença e o seu amor e que possamos viver com coragem os valores do evangelho, para fazer resplandecer a luz do bem.  Assim seja.


PARA REFLETIR

Hoje, a Palavra de Deus nos coloca diante de um tema inquietante, o tema da fé. E o coloca com toda a dureza, nas palavras do profeta Habacuc. Ele viveu no final do século VII, início do século VI antes de Cristo. Reinava em Judá um rei iníqüo, Joaquim; o povo já não cultivava amor pelo Senhor; imperava a injustiça, a impiedade, a imoralidade, a violência do grande contra o pequeno… Diante desta situação tão triste, o profeta anunciava que os babilônios viriam e levariam o povo para o exílio. Seria a correção de Deus. Mas, aí, o profeta entra em crise: está certo que Judá merecia castigo; mas, por que Deus iria usar para castigar exatamente os babilônios, que eram um povo mais pecador que os judeus? O profeta angustia-se com esta incompreensível lógica do Senhor e, com dor e sinceridade sofrida, apresenta o seu protesto: “Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me socorreres? Por que me fazes ver iniqüidades, quando tu mesmo vês a maldade? Destruições e prepotência estão à minha frente”. “Senhor, tu poderias resolver tudo! Tu poderias corrigir o teu povo de um modo mais lógico, mais compreensível! Por que, Senhor, ages deste modo?”

Crer não é compreender tudo. O profeta, que fala em nome de Deus, nem mesmo ele compreende totalmente o agir de Deus, e se angustia, e pergunta, e chora: “Senhor, por que ages assim? Por que teus caminhos nos escapam deste modo?” A verdade é que a fé não é uma realidade quieta e pacífica! O próprio Jesus adverte que somente os violentos conquistam o Reino dos céus (cf. Mt 11,12s); somente aqueles que lutam, que teimam em acreditar! A fé é uma realidade que sangra, sangra na dor de tantas perguntas sem resposta, sangra pelo sofrimento do inocente, pela vitória dos maus, pelo mal presente em tantas dimensões da nossa vida… E Deus parece calar-se! Um filósofo ateu do século passado chegou a dizer, escandalizado com o sofrimento no mundo: “Se Deus existe, o mundo é sua reserva de caça!” Jó, usou palavras parecidas: “Também hoje minha queixa é uma revolta, porque sua mão agrava os meus gemidos. Ele cobriu-me o rosto com a escuridão” (23,2.17). E, pesaroso, se queixa de Deus: “Clamo por ti, e não me respondes; insisto, e não te importas comigo. Tu te tornaste o meu carrasco e me atacas com teu braço musculoso!” (30,20s). Por que, Senhor? Por que te calas? Por que teus caminhos nos são escondidos? Por que parece que não te importas conosco? – Eis a dor que sangra das feridas dos crentes! A resposta de Deus a Habacuc não explica, mas convida a crer novamente, a abandonar-se novamente, a teimar na perseverança: “Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé!” Deus é assim: nunca nos explica, mas nos convida sempre à confiança renovada, ao abandono nas suas mãos. Quem não é correto, quem não se entrega nas mãos do Senhor, perderá a fé, morrerá na sua amizade com Deus… mas o justo, o amigo de Deus, viverá, permanecerá firme pela sua fé total e confiante. O justo vive da fé! É isto que é tão difícil para o homem de hoje, que tudo deseja enquadrar na sua razão e, quando não enquadra, se revolta e dá as costas a Deus e, assim, termina morrendo… porque viver sem Deus é a pior das mortes, o maior dos absurdos! O justo vive da fé, vive na fé, vive abandonado nas mãos do Senhor, como dizem as palavras da Antífona de Entrada, que o missal coloca para a liturgia de hoje: “Senhor, tudo está em vosso poder, e ninguém pode resistir à vossa vontade. Vós fizestes todas as coisas: o céu, a terra, e tudo o que eles contêm; sois o Deus do universo!” (Est 13,9.10-11).

Nunca esqueçamos: Deus não nos explica seu modo de agir! Se o compreendêssemos, compreenderíamos o próprio Deus e, aí, já não seria o Deus verdadeiro, mas apenas um idolozinho! Contudo, isso não significa que Deus não liga para nossa dor e para o nosso destino. Pelo contrário! Ele veio a nós, fez-se um de nós, viveu nossa vida, suportou nossas dores, experimentou nossa morte! Deus próximo, Deus de amor, Deus solidário! Por isso, podemos olhar para ele e, suplicantes, estender-lhe as mãos, como os discípulos do Evangelho, que pediam: “Aumenta a nossa fé!” E Jesus responde – a eles e a nós – “Se vós tivésseis fé (em mim), mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’ e ela vos obedeceria”. Ou seja: se crermos de verdade naquele amor que se manifestou até a cruz, se crermos – aconteça o que acontecer – que Deus nos ama a ponto de entregar o seu Filho, teremos a força de enfrentar todas as noites com a sua luz, todos os pecados com a sua graça, todas as mortes com a sua vida! Mas, se não crermos, pereceremos… O que o Senhor espera dos seus servos é esta fé total, incondicional, pobre e amorosa! É o que o Senhor espera de nós. Mas, o que fazemos? Queremos recompensas, provas, certezas lógicas! E, os mais cultos, vamos atrás de filosofias e sabedorias humanas… e os mais incultos e tolos, vamos atrás de seitas, de descarregos, de exorcismos feitos por missionários de araques e pastores de si próprios, falsos profetas de um deus falso, feito de dízimos, moedas e gritarias…

O justo vive da fé! Como nos exorta a segunda leitura, reavivemos a chama do dom de Deus que recebemos! “Deus não nos deu um espírito de timidez, de frouxidão, de covardia e incerteza, mas de fortaleza, de amor e sobriedade”. Não nos envergonhemos do testemunho de nosso Senhor! Guardemos aquilo que aprendemos de nossos antepassados, conservemos o “preciosos depósito” da nossa fé católica e apostólica, “com a ajuda do Espírito Santo que habita em nós”. Não corramos atrás das ilusões, fruto das invenções humanas! É isto que o Senhor espera de nós, é este o nosso dever, é esta a nossa vocação, é esta a nossa glória. E, após termos agido assim, não achemos que temos algum direito diante de Deus. Humildemente, digamos: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”.

Que o Senhor nos dê esta graça: a graça de viver e morrer na fé. Que o Senhor nos conceda a recompensa dosa servos bons e fiéis! Amém!

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