terça-feira, 27 de abril de 2021

Relatório da Liberdade Religiosa 2021: Oriente Médio e Norte da África

Com base na nossa avaliação dos relatórios de país e das análises regionais, catalogamos onde quase todas as proteções à liberdade religiosa desapareceram (países em vermelho); onde estas proteções estão ameaçadas (países em laranja); e uma nova classificação, “sob observação”, onde novos fatores emergentes de preocupação foram observados, potencialmente pondo em perigo o direito do indivíduo à liberdade religiosa.

A região do Oriente Médio e Norte da África, Afeganistão e Paquistão, que se estende desde o Irã no sudoeste asiático até Marrocos, no noroeste da África, é uma região transcontinental que abrange mais de 6% da população mundial, com uma variedade de grupos culturais e étnicos. Local de nascimento das grandes religiões monoteístas mundiais, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, estes países onde a religião e a política estão frequentemente entrelaçadas incluem mais de 20% dos Muçulmanos do mundo e 60% das reservas mundiais de petróleo e, portanto, são uma região de forte influência política e religiosa global.

Vários países nesta área sofreram mudanças políticas e sociais positivas durante o período em análise, mas deixaram de promover e proteger os direitos humanos. O ambiente jurídico e social demonstra relutância em mudar, uma vez que as leis e práticas discriminatórias, principalmente contra os não muçulmanos, continuam.

Na melhor das hipóteses, a liberdade de culto é garantida, mas não a plena liberdade religiosa. Como demonstram os relatórios de país, a perseguição sistemática das minorias religiosas é limitada a apenas alguns países, como a Arábia Saudita, o Irã e o Paquistão, mas na maioria dos países a conversão do Islamismo é proibida por lei ou efetivamente proibida como consequência de fortes pressões sociais. O proselitismo em muitos destes países é ilegal. As leis contra a blasfêmia são utilizadas para silenciar grupos religiosos minoritários, como os Cristãos, bem como os ateus e os críticos do Islamismo. A tolerância social para com os Cristãos continua a ser baixa e, como inúmeros incidentes no Alto Egito atestam, a violência pode irromper a qualquer momento.

Apesar dos enormes esforços de doadores internacionais estatais e não estatais (principalmente cristãos), o número de Cristãos no Iraque provavelmente nunca se recuperará do golpe dado pelos jihadistas do grupo Estado Islâmico (EI) em 2014. A mesma tragédia enfrenta a Síria, onde dos 10% da população cristã em 2011, apenas 2% permanecem hoje, de acordo com o Núncio Apostólico.

Como as circunstâncias econômicas e políticas que levaram à Primavera Árabe não foram substancialmente abordadas, a instabilidade política continuará e ocasionalmente reacender-se-á, aumentando as inseguranças das minorias religiosas.

No período em análise, podem ser identificadas várias tendências principais.

Grupo Estado Islâmico enfraquecido, mas não destruído

Os crimes hediondos cometidos por grupos jihadistas como o EI ocorreram em menor número, pelo menos em grande escala, e parecem ter atingido o seu auge antes do período em análise. Embora o fanatismo islâmico armado ainda seja uma grande preocupação militar, por exemplo na Líbia e em partes da Síria, a derrota territorial do EI na Síria e no Iraque e a morte do seu autoproclamado califa Abu Bakr al Baghdadi pelas forças especiais dos EUA em 2019 não puseram fim à organização terrorista enquanto tal. Como evidenciado nos relatórios dos países, tendo deslocado parcialmente forças para a África (principalmente a África Subsaariana) e Ásia, o EI permanece relativamente adormecido na região do Oriente Médio e do Norte da África, apenas aterrorizando esporadicamente muçulmanos e não muçulmanos. O fim da sua expansão territorial pôs fim ao terror direto e sem paralelo que a organização exerceu sobre as pessoas de todos os quadrantes durante o seu período de poder.

Introspecção muçulmana

A brutalidade do EI, exibida de forma profissional nas redes sociais, e de outros grupos extremistas resultou numa profunda autocrítica no seio da comunidade muçulmana. Por exemplo, o secretário-geral da Liga Mundial Muçulmana, Mohammad bin Abdulkarim Al-Issa, quando questionado em 2019 sobre o que estimula a islamofobia no mundo, disse simplesmente: “Nós, os Muçulmanos”. O presidente Sisi do Egito também apelou repetidamente a uma verdadeira reforma do Islã. Infelizmente, os discursos reformistas de líderes como Sisi estão manchados com o seu próprio histórico sombrio em termos de direitos humanos. A abordagem de cima para baixo também limita estes esforços porque são vistos como politicamente motivados e, como tal, carecem de credibilidade entre os adeptos do Islamismo político.

A fenda dentro do Islamismo sunita aprofunda-se

É cada vez mais evidente um fosso maior nos países de maioria sunita do Islamismo no que diz respeito ao apoio à Irmandade Muçulmana, ou à falta dele. A destituição do poder de Mohammed Morsi e da Irmandade Muçulmana no Egito, em 2013, em grande parte financiada pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos, marcou o início desta divisão. Este movimento contra a Irmandade Muçulmana partilha o interesse de conter e acabar por eliminar a dimensão seletivamente política do Islamismo. O movimento a favor da Irmandade Muçulmana é representado pelos patronos regionais da Turquia e do Catar. A Turquia em especial mudou a sua posição relativamente ao papel político do Islamismo. Como revela o relatório do país, o presidente Erdogan, com a sua política externa neo-otomana, põe de lado o laicismo de Ataturk e procura posicionar a Turquia como uma potência sunita. Isto resultou em intervenções militares na Líbia, na Síria e na guerra entre a Armênia e o Azerbaijão, onde Erdogan alinha, quando oportuno, com jihadistas e mercenários. A transformação da Hagia Sophia de museu em mesquita é o exemplo mais revelador e simbólico da natureza mutável do Estado turco, onde o Islamismo ganha destaque. Tal como os relatórios dos países revelam, ao mesmo tempo, em muitos outros países majoritariamente muçulmanos, existe uma tendência oposta, com as autoridades procurando estabelecer laços mais estreitos com as minorias.

Gestos governamentais para com as minorias religiosas

Alguns governos empreenderam esforços para demonstrar publicamente uma sensibilidade renovada em relação às minorias religiosas e a necessidade de manter o pluralismo religioso. No Iraque, o Governo deu passos ao nomear cristãos para altos cargos públicos e ao designar o Natal como feriado público nacional. No Egito, as autorizações para construir igrejas, implementadas no final de 2020, deram aos Cristãos uma nova confiança. Os Emirados Árabes Unidos demonstraram o seu apoio financiando a reconstrução no Iraque de locais de patrimônio cristão destruídos pelo EI. Embora estes grandes gestos tenham sido seguidos por ações mais tímidas, incutiram entre as populações não muçulmanas a esperança de um maior reconhecimento do seu lugar na sociedade. A primeira Missa pública celebrada na Península Arábica, em 2019, pelo Papa Francisco é um exemplo importante desta mudança.

Tendências pós-setoriais

Como indicam os relatórios do Iraque e do Líbano, os protestos de 2019 e 2020 revelaram que as populações da região procuram cada vez mais um bom governo não sectário. Um indicador significativo foram as manifestações sunitas, xiitas e cristãs de 2019-2020 no Iraque, unidas contra um Governo disfuncional. Na sequência destas manifestações, o primeiro-ministro xiita Mustafa Al Khadimi fez discursos públicos à comunidade cristã. Khadimi visitou a Planície de Nínive (onde as milícias shabak têm aterrorizado os Cristãos) e apelou publicamente aos Cristãos para permanecerem na sua terra natal ou a ela regressarem, declarando: “Os Cristãos representam um dos componentes mais autênticos do Iraque e entristece-nos vê-los deixando o país”. Em janeiro de 2021, foi criada uma comissão nacional para a restituição dos bens cristãos.

Os protestos antigovernamentais no Líbano em 2019-2020, que uniram cidadãos de todos os credos, foram vistos por muitos como uma revolta contra o sistema sectário corrupto do país. O impasse político que continua a persistir, mesmo depois da explosão de Beirute em agosto de 2020 e dos subsequentes apelos internacionais à implementação de reformas, revela quão profundamente enraizado está o sectarismo.

Diálogo católico-muçulmano melhorado

O Papa Francisco dedicou esforços significativos para melhorar a relação da Igreja Católica com o mundo árabe, na sua maioria muçulmano sunita. O arrepio que se seguiu ao discurso de Regensburg de 2006 do Papa Bento XVI – interpretado como uma crítica ao Islamismo como sendo inerentemente violento – foi sentido ao longo da duração do pontificado deste. A suspensão do diálogo institucionalizado entre Roma e a Universidade Al-Azhar surgiu após um apelo do Papa Bento XVI em 2011 para a proteção dos Cristãos no Egito. Um novo capítulo foi aberto quando o Papa Francisco assumiu o cargo em 2013. O Papa abriu uma relação pessoal com o Grande Imã da Universidade Al-Azhar do Egito, Ahmed Al-Tayeb, culminando na declaração de Abu Dhabi, assinada em fevereiro de 2019, intitulada “Fraternidade Humana para a Paz Mundial e a Vida em Comum”. O documento, embora apenas um primeiro passo, é um marco no diálogo católico-muçulmano e apela “todos os interessados a deixarem de utilizar as religiões para incitar ao ódio, violência, extremismo e fanatismo cego e a absterem-se de utilizar o nome de Deus para justificar atos de homicídio, exílio, terrorismo e opressão”. A visita antecipada do Papa Francisco ao Iraque em 2021 – a sua primeira a um país de maioria xiita – irá, assim o esperamos, aprofundar o diálogo inter-religioso e ajudar a realçar a situação terrível dos Cristãos e outras minorias no Iraque e não só.

Surgimento de uma coligação sunita-israelita

A inimizade histórica entre as potências regionais sunitas e xiitas foi ainda mais enraizada com o advento de uma aliança anti-iraniana em 2020, que incluía estados sunitas como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos e o estado judaico de Israel, por um lado, e representantes iranianos na Síria, Iraque, Líbano e Iêmen, por outro lado. O fato de o estado judaico de Israel ter se associado abertamente a esta aliança, com o primeiro-ministro israelita Netanyahu inclusive visitando a Arábia Saudita, é impressionante e constitui uma mudança significativa numa política com décadas de existência. Os Acordos de Abraão, mediados pela administração Trump entre Israel e os Estados muçulmanos, incluindo os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos, são uma consequência e não a causa dessa evolução. O discurso e o ressentimento anti-israelitas e antijudeus nos países membros da aliança poderão, concebivelmente, diminuir. Por outro lado, a nova aliança poderá exacerbar um discurso antissemita já existente na República Islâmica do Irã e junto dos seus aliados regionais.

Paquistão: vislumbres de esperança numa paisagem sombria

A liberdade religiosa nesta república islâmica sofreu mudanças importantes. Apesar das muitas e terríveis violações deste direito e do aumento de casos de blasfêmia, o período em análise foi marcado por alguns sucessos jurídicos na anulação de decisões dos tribunais inferiores a favor da liberdade para aqueles acusados de blasfêmia, incluindo algumas notáveis minorias não muçulmanas como no caso de Asia Bibi. A ação executiva e judicial do Governo federal teve um impacto positivo nas províncias e vice-versa. Esta dinâmica é encorajadora se puder ser sustentada.
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ACN Brasil

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