terça-feira, 19 de março de 2019

A culpa não é da arma, é da destruição de família


Após o assassinato de crianças em Suzano, pululam explicações simplistas. O real problema permanece: os mesmos que querem controlar as armas também querem destruir a família
Tão logo se teve notícia do horrendo assassinato em massa numa escola em Suzano (SP), ocorreu a segunda tristeza quase inevitável em uma sociedade que perdeu a noção de luto e sagrado: a politização e tentativa de lucro político sobre a tragédia. Após a primeira eleição descaradamente ideológica do país, com a segurança determinando o vencedor, a principal tentativa de dividendos políticos sobre o massacre envolveu a liberação das armas.



As principais tentativas de auferir lucrinhos pessoais e políticos vieram da esquerda, que promoveu o estatuto do desarmamento e as políticas de foco na “ressocialização” que determinaram o estado da segurança brasileira nos últimos anos. Mas também nosso vice-presidente culpou… videogames.



 

O debate é manjado, e quase tudo o que poderia ser dito já foi dito (e deveria ser dito em outra hora, não durante o luto). Armas são instrumentos. E, afinal, são praticamente proibidas no Brasil atual: seria como alguém advogar que devemos proibir o crack para melhorar a situação da Cracolândia. Uma sandice que ninguém na esquerda diria – mas que é repetida como um estudo científico irrefutável a cada frase no debate sobre armas.



É claro que a culpa primordial de um assassinato é do assassino – ou melhor, seria claro, não vivêssemos tempos em que a ideologia surpassa a realidade. Qualquer feminista diz isso no caso de um estupro – mas imediatamente inverte o discurso no caso de um assassinato: aí, a única binaridade que consegue entender é a da luta de classes, colocada no lugar de “homem x mulher” (pensados sempre como entidades arquetípicas coletivas).



É notoriamente brilhante a definição de Theodore Dalrymple: 



A única causa inquestionável da violência, tanto política como criminosa, é a decisão pessoal de a cometer. (Excluo aqueles casos raros nos quais está em jogo uma malformação neurológica ou distúrbio fisiológico). Deste modo, qualquer estudo sobre a violência que não leve em conta os estados de espírito é incompleto e, na minha opinião, seriamente insuficiente. É Hamlet sem o Príncipe.



Ainda assim, muitos componentes podem ser colocados como adicionais à decisão de um indivíduo de puxar o gatilho em termos psicológicos, de segurança pública, políticas policiais ou mera sociologia criminológica. São elementos que podem ajudar a entender o histórico, o ambiente, as circunstâncias e, não raro, a loucura que leva um ser humano a matar outro – e nunca, como é o vezo da classe falante atual, serem considerados os elementos determinantes, excluindo o monólogo interno e o “ser ou não ser”.


Causa espécie a dificuldade de pessoas adultas, educadas, universitárias, trabalhadoras e vacinadas em não conseguir entender algo tão óbvio que qualquer capiau sem instrução domina com rigor absoluto. Livros são escritos em tons de surpresa, seja sobre um assassinato específico ou sobre bandos de criminosos, sobre “pobres” que viram assassinos ou sobre black blocs, abismados pela descoberta de que tais pessoas muitas vezes apresentam uma racionalidade fria e ordenada, e que não é possível amacetá-las em platiformas explicações “sociais”, como pobreza ou, o que é ainda pior na era da doutrinação ideológica, shibboleths da lactação como “machismo” ou “discurso de ódio”.



Na verdade, em comum em quase todos os casos está sempre um fator simples: a ausência de uma família estruturada. Pais ausentes, mães sem autoridade, crianças que cresceram sem amor (um sentimento gratuito, mas que significa sacrifício e entrega absolutas – o que apenas uma família, e não o Estado, pode dar), sem nenhum sentido na vida além de uma busca desenfreada por prazeres que, no mais das vezes, são incapazes de materializar.



Como escreveu Fernanda Takitani:



Posse de armas, segurança nas escolas, bullyng, isto tudo é superficial. O massacre de Suzano vai pra conta de quem passou as últimas décadas defendendo o divórcio, a fragmentação da família, o envenenamento do tecido social com desdobramentos do modelo de luta de classes (feminismo, gayzismo, racialismo etc) e, sobretudo, pra quem faz guerra contra a presença de Deus em nossa cultura e sociedade.



Desconsiderar estes fatores na hora de entender o ocorrido é fechar os olhos para o tamanho do problema.



É ainda mais chocante notar que uma mãe usuária de crack que larga o filho para ser cuidado pela avó, que faleceu recentemente, não chame a atenção de nossos esquerdistas, tão ávidos a falar em “ódio” e armas – e como se todo ódio, de aversão o comunismo até assassinar crianças, fosse o mesmo sentimento, e como se esquerdistas que votam no PSOL, o partido de Adélio Bispo, fossem integralmente desprovidos de sentimentos de repulsa. 



Enquanto a mente esquerdista, que funciona apenas preenchendo slots de 0 e 1, não encontra uma dicotomia maniqueísta, como “pobre x rico” ou “mulher x homem” ou “gay x hétero”, não entenderão a complexa estrutura do mal, que qualquer beata analfabeta domina e vence.



Uma vitima do mal, apreendemos com o narrativa da queda dos anjos, é muito mais propensa a praticar o mal ela mesma. O mal não existe como uma falta de controle, o objetivo final da esquerda: ninguém atira com uma arma por falta de controle total sobre as armas, uma impossibilidade material e ontológica, e sim porque alguém decide cometer o mal. É uma decisão também muitas vezes completamente racional (por isso seria interessante que nosso Direito abolisse expressões abobalhadas como “crime de ódio”). O sujeito argumenta em sua mente perturbada, reflete, prometida – e apenas depois de muito cálculo, decide de estro próprio que irá descer no vórtex do mal, com freqüência preferindo abandonar uma vida vazia, sem esperança, sem fé e sem caridade (sem nem mesmo ter alguém para ter conhecido a caridade e praticá-la com o próximo da fila) a enfrentar mais um dia em nossa curta passagem por este vale de lágrimas.



O ser humano é o animal mais frágil quando nasce de toda a natureza. Precisa de cuidados, ou não sobrevive. Em suma, precisa de uma família: a estrutura basilar de toda a sociedade, antes de Estados, antes de tribos, antes de ideologias. O ser humano sabe reconhecer como natural o afeto pela mãe, pelo pai, pelo irmão, pela avó, até pelo primo ou tio ou cunhado: tudo isso vem antes de leis, de planos de governo, de ideologias de controle, seja de armas ou da economia, em nome da planificação. 



Retire a família, a figura do pai provedor e da mãe como autoridade, dos laços de afeto mútuo, e o animal humano será criado pelos lobos. Será instinto sem auto-controle, será prazer imediato sem limites e disciplina para o futuro, será um pária e, do choque com desconhecidos, só trará uma carga psíquica de desarranjo. De “falho”.



Os jovens que cometem o mal, muito mais do que armas, tinham falta de sentido em suas vidas. “O ser humano carrega um buraco do tamanho de Deus dentro de si”, como definiu Dostoievsky. Queriam meninas bonitas sem terem se preparado para o cortejo cavalheirístico, queriam glória sem entenderem o que é sacrifício, queriam ser aceitos por um grupo sem terem antes sido acolhidos por uma família. Queriam fugir das frustrações da vida em fóruns anônimos de internet, sem desenvolverem sua masculinidade, sua busca de sentido, seu status de protetores e provedores, que é o que as mulheres esperam de homens. Queriam sexo só como resposta às paixões e hormônios, não buscando, afinal, construir uma família como patriarcas, já que não possuíram uma. Como disse Gustavo Corção, citando um amigo:



“Quando a onda do sexo passar, e os impotentes de amor descobrirem a enjoada monotonia do sexo sem amor, sem grande amor, passarão a matar. A matar em grupos. Comunitariamente. Haverá cursilhos para ensinar a matar sem ódio, como hoje se ensina o sexo sem amor”.



Aqueles que falam em controle sobre armas, aqueles que ferem o luto, aqueles que buscam explicações baseadas em “masculinidade tóxica” ou “videogames”, são binários platiformes (e totalitários) do mesmo matiz. Enquanto juram que algum dia vão “controlar” todo o mal impondo sua ideologia, a maldade, desde Caim e Abel, segue a mesma estrutura arquetípica: aqueles mesmos que falam em “irracionalidade” e criticam instrumentos e papéis sociais são os primeiros a destruir a família e pregar um hedonismo doentio, só satisfeito nas entranhas do abismo da deep web. 



O mal não acontece porque escaparam do controle de armas e de aulas de feminismo: o mal acontece precisamente por causa deles.



Flavio Morgenstern 

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Senso Incomum

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