A liturgia do sexto domingo pascal nos introduz na
esfera de Pentecostes, aprofundando o significado da ressurreição de Cristo
para nós. Pois, se a ressurreição é a vida de Cristo na glória, ele não a vive
para si. Ele “ressuscitou por nós” (Oração Eucarística IV). A realização da ressurreição
em nós, a presença vital do Cristo em nós, de tal modo que sejamos Cristo no
mundo de hoje, o Espírito de Deus é que opera tudo isso, pela força de seu
sopro de vida, pela luz de sua sabedoria, pelo misterioso impulso de sua
palavra, pelo ardor de seu amor. Para completar a celebração da ressurreição,
devemos abrir-nos agora para que esse Espírito penetre em nós.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
I leitura (At
8,5-8.14-17)
Na linha dos
domingos anteriores, a primeira leitura descreve a expansão da Igreja, agora na
Samaria. Também nessa nova fase, como na anterior, aparece o papel do Espírito
Santo na comunidade cristã. Quando os apóstolos em Jerusalém ouviram que a
Samaria tinha aceitado a Palavra de Deus, mandaram Pedro e João para impor as
mãos a esses batizados, para que recebessem o Espírito Santo (At 8,14-15). Tal
prática não era necessária: há casos em que Deus derrama o Espírito mesmo antes
do batismo (At 10,44-48). Mas, de toda maneira, a presente narração nos mostra
que a vida cristã não é completa sem a efusão do Espírito Santo, que os
apóstolos impetravam pela imposição das mãos. O Espírito une a todos, ele é o
Espírito da unidade; por isso, os apóstolos de Jerusalém vão impor as mãos aos
batizados da Samaria. Um resquício disso é, ainda hoje, a visita do bispo
diocesano às paróquias para conferir o sacramento da crisma, prefigurado nesta
leitura de At 8. Daí dizermos que, se a Páscoa foi o tempo liturgicamente propício
para o batismo, a festa de Pentecostes, que se aproxima, é o momento propício
para a crisma.
II leitura (1Pd
3,15-18)
A segunda leitura
nos conscientiza de que estamos em litígio com o mundo (cf. o evangelho). O
mundo pede contas de nós, mas é a Deus que devemos prestar contas. Isso, porém,
não nos exime de responder ao mundo a respeito de nossa esperança (v. 15). E
essa esperança está fundada na ressurreição de Cristo. O mundo pode matar, como
matou Jesus. Mas, no Espírito que fez viver o Cristo (v. 18), viveremos. Essa
leitura traz a marca da teologia do martírio (melhor padecer fazendo o bem do
que fazendo o mal). Porém, não devemos interpretá-la num sentido fatalista
(“Deus o quer assim”…), e sim num sentido de firmeza, porque o cristão sabe que
Cristo é mais decisivo para ele que os tribunais do mundo.
Evangelho (Jo
14,15-21)
O presente domingo
continua, no evangelho, a meditação das palavras de despedida de
Jesus. E essa meditação introduz – duas semanas antes de Pentecostes – o tema
do Espírito Santo, que João chama “o Paráclito”, ou seja, o “assistente
judicial” no processo movido contra o cristão pelo “mundo” (termo com o qual
João indica os que recusaram o Cristo). O “mundo” indiciou o Cristo e seus
discípulos diante do tribunal (perseguições etc.). Nessa situação, precisamos
do Advogado que vem de Deus mesmo e toma o lugar do Cristo (por isso, Jesus
diz: um outro Paráclito; Jo 14,16), já que seu testemunho vem
da mesma fonte, o Pai. Graças a esse Paráclito, a despedida de Jesus não nos
deixa numa situação de órfãos (v. 18). Jesus anuncia para breve seu
desaparecimento deste mundo; o mundo não mais o verá. Mas os fiéis o verão,
pois estão nele, como ele está neles. Tudo isso com a condição de guardar sua
palavra e observar seu mandamento de amor: na prática da caridade, ele fica
presente no meio de nós, e seu Espírito nos assiste. E o próprio Pai nos ama.
DICAS PARA REFLEXÃO
Os domingos depois
da Páscoa sugerem o aprofundamento do sentido do batismo. Na mesma linha
podemos considerar hoje o sacramento da crisma, que, com o batismo e a
eucaristia, integra a iniciação cristã. Nas origens, o sacramento da crisma era
administrado junto com o batismo, e ainda hoje sobra um resquício disso na
unção pós-batismal. Quando, porém, se introduziu o costume de batizar as
crianças, a confirmação e a eucaristia ficaram proteladas para um momento
ulterior, geralmente no início da adolescência, pelo que a crisma adquiriu o
significado de “sacramento do cristão adulto”.
No tempo de nossos
avós, o dia da crisma era ocasião muito especial para as comunidades, quando o
bispo vinha “confirmar” as crianças (hoje, muitas vezes, é o vigário episcopal
que faz isso). De onde vem esse costume? Na primeira leitura, lemos que o
diácono Filipe batizou novos cristãos na Samaria. Depois, vieram os apóstolos
Pedro e João de Jerusalém para confirmar os batizados,
impondo-lhes as mãos para que recebessem o Espírito Santo. Assim, os apóstolos,
predecessores dos bispos, completaram e “confirmaram” o batismo. A confirmação
do batismo pela imposição das mãos do bispo – sucessor dos
apóstolos – completa o batismo e realiza o dom do Espírito Santo.
Esse sacramento
chama-se “crisma”, isto é, “unção”, porque o bispo unge a fronte do crismando
em sinal da dignidade e da vocação do cristão, pois crisma e Cristo vêm
da mesma palavra. O adolescente ou jovem é confirmado na sua fé, pelo dom do
Espírito. Agora, ele terá de assumir pessoalmente o que, quando do batismo, os
pais e padrinhos prometeram em seu nome. Para a comunidade, a celebração da
crisma significa também a unidade das diversas comunidades locais na “Igreja
particular” ou diocese, graças à presença do bispo ou do vigário episcopal.
O evangelho de hoje
nos ensina algo mais sobre o Espírito que Jesus envia aos seus: é o Espírito da
inabitação (morada) de Deus e Jesus Cristo nos fiéis. Assim, o batismo não é
mera associação de pessoas em redor do rótulo “Jesus Cristo”, mas realmente
participação em sua vida e continuação de sua missão neste mundo. Por isso, o
Espírito não é algo sensacionalista, como às vezes se imagina. Jesus envia o
Espírito para que os fiéis continuem sua obra no mundo. Pois o lugar de Jesus
“na carne” era limitado, no tempo e no espaço, e os fiéis são chamados a
ampliar, com a força do Espírito-Paráclito, a sua obra pelo mundo afora. É esse
o sentido profundo da crisma, que assim completa nosso batismo.
Então, a vida do
cristão adulto assinalada pelo sacramento da crisma consiste sobretudo na mística de
união com o Pai e com o Filho pelo Espírito que vive em nós e na ética ou
modo de proceder que provenha dessa presença de Deus em nós e testemunhe,
diante do mundo, a vida de Cristo, presente em nós. Ele, pela ressurreição na
força do Espírito-sopro de Deus, foi estabelecido Senhor na glória. O mundo não
mais o vê, mas em nossa vida de cristãos, prestes a responder por nossa
esperança, realiza-se a presença de seu amor.
Pe. Johan Konings,
sj
Nascido
na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor
em Teologia e mestre em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade
Católica de Lovaina. Atualmente é professor de Exegese Bíblica na Faje, em Belo
Horizonte. Dedica-se principalmente aos seguintes assuntos: Bíblia – Antigo e
Novo Testamento (tradução), evangelhos (especialmente o de João) e hermenêutica
bíblica. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia;
A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos
fiéis – anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A
Bíblia nas suas origens e hoje; Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e
Lucas e da “Fonte Q”.
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Vida
Pastoral
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