quarta-feira, 10 de maio de 2017

As normas sozinhas não são suficientes


«A corresponsabilidade exige uma mudança de mentalidade em relação, em particular, ao papel dos leigos na Igreja, que devem ser considerados não como «colaboradores» do clero, mas como pessoas realmente «corresponsáveis» pelo ser e pelo agir da Igreja». O Papa Bento XVI expressa assim o desafio que a Igreja está a enfrentar no respeitante à interação entre clero e laicado. Os leigos não são apenas colaboradores do clero: têm a corresponsabilidade da edificação e da missão da Igreja. Aquilo que é válido para os leigos é válido também para as leigas.

A afirmação do Papa tem as suas raízes na doutrina do Vaticano II. O concílio afirma que por meio do batismo todos os fiéis participam no tríplice ministério de Cristo. Disto deriva que «O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro (ad invincem tamen ordinetur); pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo» (Lumen gentium, 10). Estão ordenados ao outro. O Vaticano II ensina: «A santa Igreja, por instituição divina, é organizada e governada com uma variedade admirável. “Assim como num mesmo corpo temos muitos membros, e nem todos têm a mesma função, assim, sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo, sendo membros uns dos outros”» (Lumen gentium, 32). Com base no batismo, há entre os membros uma comum dignidade e «nenhuma desigualdade, portanto, em Cristo e na Igreja, por motivo de raça ou de nação, de condição social ou de sexo» (ibidem). A igualdade e o ser «ordenados um ao outro» relacionam-se com a doutrina segundo a qual o Espírito Santo distribui «graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja, segundo aquelas palavras: “a cada qual se concede a manifestação do Espírito em ordem ao bem comum”» (Lumen gentium). Esta compreensão explica por que a diocese é «uma porção (portio) do povo de Deus confiada aos cuidados pastorais do bispo» (Christus dominus). O bispo não é ordenado para a sua santidade pessoal, mas para o serviço de uma Igreja local específica. Governar a diocese implica promover e proteger todos os carismas dados às pessoas confiadas aos seus cuidados. Por conseguinte, o bispo não pode exercer o seu ministério sozinho, mas de facto deveria querer ouvir, aceitar conselhos e consultar-se com todos os fiéis, incluídas as mulheres.

A doutrina deve ser integrada com normas canónicas que ajudem a comunidade a implementá-la: as normas têm a função de facilitar. De que maneira as atuais normas canónicas facilitam o exercício da corresponsabilidade das mulheres?

O direito em vigor imediatamente antes do Vaticano II consentia que os homens leigos desempenhassem alguns cargos, papéis e funções que não estavam abertos às mulheres leigas. O direito atual integrou em larga medida o Vaticano II: quase não faz distinção entre leigos e leigas. A exceção fundamental é que só os homens batizados podem ser ordenados. Contudo isto não é de natureza canônica, mas doutrinal. 

O direito canônico confirma que por meio do batismo todos os fiéis cristãos (portanto o clero está incluído), participam «do modo que lhes é próprio do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, estão chamados a atuar, segundo a condição própria de cada um, a missão que Deus confiou à Igreja para cumprir no mundo». Esta perspectiva é reafirmada no Título dedicado às obrigações e aos direitos comuns a todos os fiéis, quer se trate de clérigos ou leigos, homens ou mulheres. O primeiro cânone deste Título diz: «Entre todos os fiéis, em virtude da sua regeneração em Cristo, subsiste uma verdadeira igualdade na dignidade e no agir». Estas normas dizem que em virtude do batismo todos cooperam, mas cada um o faz com base na própria condição ou função.

Em relação aos diferentes carismas, o Código de direito canônico estabelece que os leigos são idóneos para exercer verdadeiros ofícios eclesiásticos e cargos e que de facto podem cooperar no poder de governo. Por conseguinte, as normas dizem que os leigos, e por conseguinte as mulheres, podem participar nas tarefas de ensino, santificação e governo da Igreja. Têm portanto o direito fundamental, assim como o dever, de difundir a mensagem divina da salvação no mundo. Para o bem da Igreja, têm o direito de expressar as próprias necessidades e manifestar as suas preocupações aos pastores e aos outros fiéis. Gozam do direito de apoiar o apostolado com iniciativas próprias. Todos podem ser nomeados administradores de uma paróquia, missionários, catequistas, ministros da sagrada comunhão, leitores e acólitos (mesmo se não estavelmente), presidir a orações litúrgicas, incluídos os funerais, ser nomeados ministros do batismo, ser delegados para assistir aos matrimónios, ser ministros da palavra, o que permite pregar, mas sem proferir uma homilia, ser nomeados professores de religião, censores, leitores ou professores de disciplinas teológicas ou reitores de uma universidade católica ou eclesiástica. Podem ser vice-secretários-gerais de uma conferência episcopal e membros do pessoal das diversas comissões da conferência. Podem servir como peritos ou consultores quer para questões internas da Igreja quer como delegados em nome da Igreja, por exemplo, nos diálogos ecuménicos ou inter-religiosos ou sobre outros argumentos ou em organizações ou entidades para cujas finalidades tiverem uma competência específica. Podem ser nomeados chanceleres ou notários, ecónomos de uma diocese ou de um instituto religioso, membros do conselho para os assuntos económicos de uma diocese, de uma paróquia ou de qualquer outra pessoa jurídica. Podem representar uma pessoa jurídica. As mulheres podem ser juízas no tribunal diocesano ou na corte de apelação, assim como assessoras, auditoras, promotoras, defensoras do vínculo ou promotoras de justiça, procuradoras ou advogadas, tutoras ou curadoras. Os leigos podem ser nomeados consultores, oficiais maiores ou oficiais nos departamentos da Cúria romana (constituição apostólica Pastor bonus). Nas causas de canonização e de beatificação as mulheres podem desempenhar a função de postuladoras. As mulheres podem ser membros de conselhos diocesanos e paroquiais, assim como de conselhos particulares, quer de uma província eclesiástica, quer do território de uma conferência episcopal. As mulheres podem ser enviadas para participar nos sínodos dos bispos em Roma. Contudo, é bom observar que nalgumas destas instituições, as leigas, assim como os leigos, não têm um voto mas só uma voz. Portanto, podem falar, mas não podem decidir. O elemento discriminante é a ordenação, mas não o género sexual.

A lista pode ser ainda muito longa: há mulheres que ocupam posições não previstas pelo direito, mas que não são contrárias ao mesmo. Dirigem escolas católicas, hospitais ou outras estruturas de saúde. No passado estas posições foram ocupadas por religiosas. Podem empregar mais de 10.000 pessoas e administrar budgets superiores aos de muitas dioceses. Algumas gerem estruturas de saúde em diversos países, o que faz delas diretoras de operações multinacionais.

Alguns bispos diocesanos empregam mulheres para desempenhar tarefas que normalmente são cumpridas por vigários episcopais: por exemplo, são delegadas episcopais para a cáritas, educação, vida religiosa ou assuntos canónicos e fazem parte da cúria diocesana. Estão na chefia do departamento de pessoal: ao lado do vigário para o clero, que é um sacerdote, a mulher é a delegada episcopal e tem a responsabilidade dos ministros eclesiais leigos. Os bispos empregam mulheres formadas em teologia ou direito canónico para os coadjuvar a preparar as homilias, artigos e lições. De facto, as posições ocupadas pelas mulheres estão também relacionadas com a formação teológica que receberam.

As multíplices possibilidades deixam também abertas algumas questões teológicas. A mais complexa diz respeito à natureza da participação dos leigos no exercício da sacra potestas do bispo. O que significa, sob o ponto de vista teológico, quando um bispo delega um leigo para agir em nome da Igreja, por exemplo, quando uma mulher recebe a missio canonica de pregar e ensinar, quando é delegada para guiar uma paróquia, para conceder dispensas, ou quando é nomeada para desempenhar a função de juíza? A delegação por parte do bispo muda a natureza da ação desempenhada pelo leigo? O que significa quando uma tal delegação implica que o leigo aja em nome da Igreja?

A lista das possibilidades que as mulheres têm de participar na Igreja é impressionante: leigos e leigas têm fundamentalmente os mesmos direitos e as mesmas obrigações, assim como as mesmas oportunidades de se comprometerem no trabalho da Igreja. Todavia, muitas delas não são aproveitadas. Isto demonstra que as normas sozinhas não são suficientes. É necessária uma mudança de mentalidade, como afirmou o Papa Bento XVI. É preciso dar três passos: primeiro, deve-se alcançar a consciência de que a participação das mulheres leigas (assim como dos homens leigos) não tem origem de um qualquer desenvolvimento social relativo à igualdade entre homem e mulher, mas está radicada nas implicações eclesiológicas do batismo. Segundo, a participação de mulheres e homens leigos não é uma ameaça mas sim um enriquecimento, porque permite que a Igreja beneficie da ação do Espírito Santo nos diversos membros. Terceiro, dado que o Vaticano II esclareceu que, no respeito da sua condição (segundo a condição) os diversos membros dos fiéis são ordenados uns para os outros, a colaboração deve ser praticada como corresponsabilidade. O Papa Francisco expressa a mesma realidade fazendo referência à sinodalidade: ser Igreja implica «caminhar juntos».

«Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta... Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta... um em escuta dos outros; … e todos à escuta do Espírito santo, o “Espírito da verdade”, para conhecer aquilo que ele “diz às Igrejas”». E prossegue: «A sinodalidade, como dimensão constitutiva da Igreja, oferece-nos a moldura interpretativa mais adequada para compreender o próprio ministério hierárquico». Este conceito, que o Papa Bento XVI expressa com o termo «corresponsabilidade» e o Papa Francisco com «sinodalidade», exige que sejam concedidas às mulheres oportunidades de exercer a sua corresponsabilidade em resposta ao seu batismo. O direito atual admite muitas possibilidades. Razões teológicas recomendam a sua atuação para a edificação e a missão da Igreja.


Myriam Wijlens
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Observatório Romano 

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