sábado, 15 de abril de 2017

Sermão de Santo Agostinho sobre a Vigília Pascal


O bem-aventurado apóstolo Paulo, exortando-nos a que o imitemos, dá entre outros sinais de sua virtude o seguinte: “frequente nas vigílias” [2Cor 11,27]. Com quanto maior júbilo não devemos também nós vigiar nesta vigília, que é como a mãe de todas as santas vigílias, e na qual o mundo todo vigia?

Não o mundo, do qual está escrito: “Se alguém amar o mundo, nele não está a caridade do Pai, pois tudo o que há no mundo é concupiscência dos olhos e ostentação do século, e isto não procede do pai” [1Jo 2,15].

Sobre tal mundo, isto é, sobre os filhos da iniquidade, reinam o demônio e seus anjos. E o Apóstolo diz que é contra estes que se dirige a nossa luta: “Não contra a carne e o sangue temos de lutar, mas contra os principados e as potestades, contra os dominadores do mundo destas trevas” [Ef 6,12].

Ora, maus assim fomos nós também, uma vez; agora, porém, somos luz no Senhor. Na Luz da Vigília resistamos, pois, aos dominadores das trevas.

Não é, portanto, esse o mundo que vigia na solenidade de hoje, iras aquele do qual está escrito: “Deus estava reconciliando consigo o mundo, em Cristo, não lhe imputando os seus pecados” [2Cor 5,19].

E é tão gloriosa a celebridade desta vigília, que compele a vigiarem na carne mesmo os que, no coração, não digo dormirem, mas até jazerem sepultos na impiedade do tártaro. Vigiam também eles esta noite, na qual visivelmente se cumpre o que tanto tempo antes fora prometido: “E a noite se iluminará como o dia” [Sl 138,12]. Realiza-se isto nos corações piedosos, dos quais se disse: “Fostes outrora trevas, mas agora sois luz no Senhor”. Realiza-se isto também nos que zelam por todos, seja vendo-os no Senhor, seja invejando ao Senhor. Vigiam, pois, esta noite, o mundo inimigo e o mundo reconciliado. Este, liberto, para louvar o seu Médico; aquele, condenado, para blasfemar o seu juiz. Vigia um, nas mentes piedosas, ferventes e luminosas; vigia o outro, rangendo os dentes e consumindo-se. Enfim, ao primeiro é a caridade que lhe não permite dormir, ao segundo, a iniquidade; ao primeiro, o vigor cristão, ao segundo o diabólico. Portanto, pelos nossos próprios inimigos sem o saberem eles, somos advertidos de como devamos estar hoje vigiando por nós, se por causa de nós não dormem também os que nos invejam.
Dentre ainda os que não estão assinalados com o nome de cristãos, muitos são os que não dormem esta noite por causa da dor, ou por vergonha. Dentre os que se aproximam da fé, há os que não dormem por temor. Por motivos vários, pois, convida hoje à vigília a solenidade (da Páscoa), Por isso, como não deve vigiar com alegria aquele que é amigo de Cristo, se até o inimigo o faz, embora contrariado? Como não deve arder o cristão por vigiar, nessa glorificação tão grande de Cristo, se até o pagão se envergonha de dormir? Como não deve vigiar em sua solenidade, o que já ingressou nesta grande Casa, se até o que apenas pretende nela ingressar já vigia?

Vigiemos, e oremos; para que tanto exteriormente quanto interiormente celebremos esta Vigília. Deus nos falará durante as leituras; falemo-lhe também nós em nossas preces. Se ouvimos obedientemente as suas palavras, em nós habita Aquele a quem oramos.


Santo Agostinho,
bispo
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Salvem a Liturgia

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