quinta-feira, 18 de abril de 2019

França vai lançar concurso internacional para novo pináculo de Notre-Dame


"A França vai lançar um concurso internacional de arquitetura para redesenhar o pináculo da Catedral de Notre-Dame que desabou depois de ter suas estruturas consumidas pelas chamas do incêndio na segunda-feira (15)."

"A informação foi divulgada pelo Primeiro Ministro Edouard Philippe em uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira (17). Ele destacou que, em vez de recriar a original, o governo francês deseja um novo design para a nova era em que a humanidade está."

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Incêndio na Catedral de Notre Dame: choque e tristeza da Santa Sé

Homem observa incêndio atingir o topo da Catedral de Notre-Dame, localizada na região central de Paris, França - 15/04/2019 (Geoffroy Van Der Hasselt/AFP)
 
"A Santa Sé acolheu com choque e tristeza a notícia do terrível incêndio que devastou a Catedral de Notre Dame, símbolo da cristandade na França e no mundo", assim se expressou o Diretor interino da Sala de Imprensa da Santa Sé, Alessandro Gisotti.

"Expressamos proximidade aos católicos franceses e à população de Paris e garantimos as nossas orações aos bombeiros e aos que estão fazendo o possível para fazer frente a esta dramática situação", prossegue o comunidado, divulgado no início da noite desta segunda-feira (15) após as chamas tomarem a Catedral.

Paris

Torre é consumida pelas chamas durante incêndio na Catedral de Notre-Dame, em Paris - 15/04/2019 (Geoffroy Van Der Hasselt/AFP)

O Arcebispo de Paris, Dom Michel Aupetit, convidou à oração e pediu aos párocos da capital francesa que toquem os sinos de suas igrejas. O incêndio não deixou indiferente o Reitor da Mesquita de Paris, Dr. Dalil Boubakeur, que falou de "terrível espetáculo", pedindo a proteção divina para este "monumento precioso aos nossos corações".

Cardeal brasileiro

O arcebispo emérito de São Paulo, Card. Cláudio Hummes, afirmou ao Vatican News que acompanha com tristeza esta "cena trágica", recordando que em 2010 foi convidado pelo então arcebispo Dom Vingtrois para celebrar na Catedral no feriado de 15 de agosto. "Fui e levo uma lembrança linda, sagrada e monumental desta Basílica que agora o incêndio está destruindo".

Incêndio atingiu Catedral de Paris e Mesquita em Jerusalém, ao mesmo tempo.

 
No momento em que as chamas devastavam a Catedral de Notre Dame, em Paris, um incêndio atingia a mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém.

Imagens mostrando fumaça e fogo saindo do telhado de uma estrutura conhecida como Sala de Oração de Marwani, ou Estábulo de Salomão, puderam ser vistas nas redes sociais. 

A Agência Palestina de Notícias, órgão oficial da Autoridade Nacional Palestina, citou um guarda dizendo na segunda-feira que "o incêndio irrompeu no quarto da guarda do lado de fora do telhado da Sala de Oração Marwani, e a brigada de incêndio do Waqf Islâmico cuidou do assunto com sucesso".

A notícia do incidente na Mesquita Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado do Islã e central para o atual conflito árabe-israelense, foi em grande parte obscurecida por um incêndio muito maior que atingiu a Catedral de Notre Dame ao mesmo tempo.

 

Incêndio consome a histórica Catedral de Notre Dame, em Paris


Um incêndio de grandes proporções está a atingir a Catedral de Notre-Dame, um dos edifícios emblemáticos da capital francesa, episódio “potencialmente ligado” às obras de restauro em curso, segundo os bombeiros locais.

O fogo, que acontece no segundo dia da Semana Santa, alastrou-se pelo sótão da catedral e está a estender-se ao resto do edifício, sendo visíveis colunas de chamas e fumo; o pináculo colapsou.

A presidente do Município de Paris, Anne Hidalgo fala de um “fogo terrível”, sublinhando que as autoridades estão mobilizadas, “em estreita ligação” com a Arquidiocese local.

O presidente francês, Emmanuel Macron, publicou uma mensagem em que fala da “emoção de toda uma nação” e deixa um pensamento para “todos os católicos e todos os franceses”.

“Estou triste por ver arder esta parte de nós”, assinala, através da sua conta na rede social Twitter.

O arcebispo Éric Moulin-Beaufort, presidente da Conferência Episcopal de França (CEF), assume que esta é “uma grande ferida”, que vai para lá do Cristianismo, assinalando que a catedral é um símbolo “de paz, de beleza e de esperança”.

A construção da catedral, de estilo gótico, teve início em 1163 e foi concluída em 1345; no século XIX foi restaurada pelo arquiteto Viollet-le-Duc.

Mais de uma dezena de igrejas foram profanadas nos últimos meses, em França, e incêndios atingiram espaços como a Igreja de São Sulpício, em Paris.

A Catedral de Notre-Dame é propriedade do Estado, de acordo com lei francesa de separação Igreja-Estado de 1905, e o seu uso é atribuído à Igreja Católica.

Incêndio atinge Catedral de Notre-Dame, em Paris


Um incêndio atinge nesta segunda-feira (15) a catedral Notre-Dame, em Paris (França), um dos mais famosos templos e pontos turísticos do mundo. Não há informações até o momento sobre o que teria causado o incêndio.

Segundo os bombeiros, o incêndio está "potencialmente ligado" ao trabalho de reformas da catedral. Pelas imagens, é possível ver que as chamas partem do alto do edifício. A rádio France Info afirma que o incêndio já atinge parte da frente da catedral. E parte o campanário caiu sobre o que resta do teto.


O fogo começou por volta das 13h50min (horário de Brasília) na parte superior da catedral, segundo os bombeiros. Uma grande operação está tentando controlar as chamas. A polícia isolou a área e está retirando os muitos turistas que estavam dentro da catedral.

Nas redes sociais, a polícia de Paris pediu que os cidadãos evitem a área e facilitem a passagem de veículos de emergência.

A coluna de fumaça produzida pelo incêndio pode ser vista há quilômetros de distância, segundo a agência AFP.  prefeita de Paris, Anne Hidalgo, tuitou que um "terrível incêndio está em curso na Catedral de Notre Dame. Os @PompiersParis estão tentando controlar as chamas".

A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, disse que está em contato com a Diocese de Paris e pediu que o perímetro de segurança seja respeitado. 

domingo, 14 de abril de 2019

Papa convida a resistir ao demônio em silêncio e deixar o Senhor agir


CELEBRAÇÃO DO DOMINGO DE RAMOS
E DA PAIXÃO DO SENHOR

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Praça São Pedro
XXXIV Jornada Mundial da Juventude
Domingo, 14 de abril de 2019

As aclamações da entrada em Jerusalém e a humilhação de Jesus. Os gritos festosos e o encarniçamento feroz. Anualmente, este duplo mistério acompanha a entrada na Semana Santa com os dois momentos característicos desta celebração: ao início, a procissão com os ramos de palmeira e de oliveira e, depois, a leitura solene da narração da Paixão.

Deixemo-nos envolver nesta ação animada pelo Espírito Santo, para obtermos o que se pede na oração: acompanhar com fé o caminho do nosso Salvador e ter sempre presente o grande ensinamento da sua Paixão como modelo de vida e de vitória contra o espírito do mal.

Jesus mostra-nos como enfrentar os momentos difíceis e as tentações mais insidiosas, guardando no coração uma paz que não é isolamento, não é ficar impassível nem fazer o super-homem, mas confiante abandono ao Pai e à sua vontade de salvação, de vida, de misericórdia; e Jesus, em toda a sua missão, viu-Se assaltado pela tentação de «fazer a sua obra», escolhendo Ele o modo e desligando-Se da obediência ao Pai. Desde o início, na luta dos quarenta dias no deserto, até ao fim, na Paixão, Jesus repele esta tentação com uma obediente confiança no Pai.

E hoje, na sua entrada em Jerusalém, também nos mostra o caminho. Pois, neste acontecimento, o maligno, o príncipe deste mundo, tinha uma carta para jogar: a carta do triunfalismo, e o Senhor respondeu permanecendo fiel ao seu caminho, o caminho da humildade.

O triunfalismo procura tornar a meta mais próxima por meio de atalhos, falsos comprometimentos. Aposta na subida para o carro do vencedor. O triunfalismo vive de gestos e palavras, que não passaram pelo cadinho da cruz; alimenta-se da comparação com os outros, julgando-os sempre piores, defeituosos, falhados... Uma forma subtil de triunfalismo é a mundanidade espiritual, que é o maior perigo, a mais pérfida tentação que ameaça a Igreja (Henri de Lubac). Jesus destruiu o triunfalismo com a sua Paixão.
Verdadeiramente o Senhor aceitou e alegrou-Se com a iniciativa do povo, com os jovens que gritavam o seu nome, aclamando-O Rei e Messias. O seu coração rejubilava ao ver o entusiasmo e a festa dos pobres de Israel, de tal maneira que, aos fariseus que Lhe pediam para censurar os discípulos pelas suas escandalosas aclamações, Jesus respondeu: «Se eles se calarem, gritarão as pedras» (Lc 19, 40). Humildade não significa negar a realidade, e Jesus é realmente o Messias, o Rei.

Mas, ao mesmo tempo o coração de Cristo encontra-se noutro caminho, no caminho santo que só Ele e o Pai conhecem: aquele que vai da «condição divina» à «condição de servo», o caminho da humilhação na obediência «até à morte e morte de cruz» (Flp 2, 6-8). Ele sabe que, para chegar ao verdadeiro triunfo, deve dar espaço a Deus; e, para dar espaço a Deus, só há um modo: o despojamento, o esvaziamento de si mesmo. Calar, rezar, humilhar-se. Com a cruz, não se pode negociar: abraça-se ou recusa-se. E, com a sua humilhação, Jesus quis abrir-nos o caminho da fé e preceder-nos nele.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Quinta pregação da Quaresma 2019: “Deus escolheu aquele que é tolo para o mundo para confundir os sábios”



MEDITAÇÃO PARA A QUARESMA

“Deus escolheu aquele que é tolo para o mundo para confundir os sábios”


João e Paulo: dois olhares diferentes para o mistério


No Novo Testamento e na história da teologia há coisas que não podem ser compreendidas sem levar em conta um fato fundamental: a existência de duas abordagens diferentes, ainda que complementares, ao mistério de Cristo: a de Paulo e a de João.

João vê o mistério de Cristo a partir da Encarnação. Jesus, o Verbo feito carne, é para ele o supremo revelador do Deus vivo, aquele fora do qual ninguém "vai ao Pai". A salvação consiste em reconhecer que Jesus "veio na carne" (2 Jo 7) e em crer que ele "é o Filho de Deus" (1 Jo 5,5); "Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho não tem a vida" (1 Jo 5,12). No centro de tudo, como podemos ver, está a "pessoa" de Jesus homem-Deus.

A peculiaridade desta visão joanina é evidente se a compararmos com a de Paulo. Para Paulo, o centro das atenções não é tanto a pessoa de Cristo, entendida como realidade ontológica, mas a obra de Cristo, isto é, seu mistério pascal de morte e ressurreição. A salvação não consiste tanto em crer que Jesus é o Filho de Deus que veio na carne, mas em crer em Jesus "que morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação" (cf. Rm 4, 25). O acontecimento central não é a encarnação, mas o mistério Pascal.

Seria um erro fatal ver nisto uma dicotomia na própria origem do cristianismo. Quem lê o Novo Testamento sem preconceitos compreende que em João a Encarnação está em vista do mistério pascal, quando Jesus finalmente derramará o seu Espírito sobre a humanidade (Jo 7, 39), e compreende que para Paulo o mistério pascal pressupõe e se baseia na Encarnação. Aquele que se fez obediente até a morte e morte de cruz é aquele que "estava na forma de Deus", igual a Deus (cf. Fl 2, 5 ss.). As fórmulas trinitárias nas quais Jesus Cristo é mencionado juntamente com o Pai e o Espírito Santo são uma confirmação de que, para Paulo, a obra de Cristo toma sentido da sua pessoa.

A diferente acentuação dos dois pólos do mistério reflete o caminho histórico que a fé em Cristo fez depois da Páscoa. João reflete o estágio mais avançado da fé em Cristo, aquele que ocorre no final, não no início da redação dos escritos do Novo Testamento. Ele está no final de um processo de ascensão às fontes do mistério de Cristo. Isto pode ser visto observando onde os quatro evangelhos começam. Marcos começa seu evangelho a partir do batismo de Jesus no Jordão; Mateus e Lucas, que vieram depois, dão um passo atrás e começam a história de Jesus desde seu nascimento por Maria; João, que escreve por último, dá um salto decisivo para trás e coloca o início da história de Cristo não mais no tempo, mas na eternidade: "No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus" (Jo 1,1).

A razão para esta mudança de interesse é bem conhecida. A fé, por sua vez, entrou em contato com a cultura grega que está mais interessada na dimensão ontológica do que na histórica. O que conta para ela não é tanto o desenvolvimento dos fatos, mas o seu fundamento (o archè). A este fator ambiental foram acrescentados os primeiros sinais da heresia do docetista que questionava a realidade da encarnação. O dogma cristológico das duas naturezas e da unidade da pessoa de Cristo será quase inteiramente baseado na perspectiva joanina do Logos feito carne.

É importante levar isso em conta para entender a diferença e a complementaridade entre teologia oriental e teologia ocidental. As duas perspectivas, a paulina e a joanina, embora fundindo-se juntas (como vemos no Credo Niceno-Constantinopolitano), mantêm a sua acentuação diferente, como dois rios que, fluindo um no outro, retêm por muito tempo a cor diferente das suas águas. A teologia e a espiritualidade ortodoxa está baseada principalmente em João; a ocidental (a protestante mais do que a católica) se fundamenta principalmente em Paulo. Dentro da mesma tradição grega, a escola de Alexandria é mais joanina, a da Antioquia mais paulina. Uma faz consistir a salvação na divinização, a outra na imitação de Cristo. 

A cruz, sabedoria de Deus e poder de Deus

Agora eu gostaria de mostrar o que tudo isso significa para a nossa busca pelo rosto do Deus vivo. No final das meditações do Advento, falei do Cristo de João que, no momento em que se faz carne, introduz a vida eterna no mundo. No final destas meditações quaresmais, gostaria de falar sobre o Cristo de Paulo que muda o destino da humanidade na cruz. Escutemos imediatamente o texto onde a perspectiva paulina sobre a qual queremos refletir aparece mais clara:

"Uma vez que na sabedoria de Deus o mundo não o reconheceu pela sabedoria, Deus quis servir-se da loucura da pregação para salvar os que creem. Enquanto os judeus pedem sinais, e os gregos procuram sabedoria, nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gregos, mas poder e sabedoria de Deus para os chamados, quer judeus, quer gregos. Porque o que se julga loucura de Deus é mais sábio do que os homens; e o que se julga fraqueza de Deus é mais forte do que os homens." (I Cor 1,21-25).

O Apóstolo fala de uma novidade na ação de Deus, quase uma mudança de ritmo e de método. O mundo não foi capaz de reconhecer Deus no esplendor e na sabedoria da criação; então ele decide revelar-se de maneira oposta, através da impotência e da loucura da cruz. Não é possível ler esta afirmação de Paulo sem recordar a palavra de Jesus: "Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos" (Mt 11, 25).

Como interpretar esta inversão de valores? Lutero falava de uma revelação de Deus "sub contraria specie", isto é, através do oposto do que se esperaria dele[1].  Ele é poder e revela-se na impotência, é sabedoria e revela-se na loucura, é glória e revela-se na ignomínia, é riqueza e revela-se na pobreza.

A teologia dialética da primeira metade do século passado trouxe esta visão às suas consequências extremas. Segundo Karl Barth, não há continuidade entre o primeiro e o segundo modo de manifestação de Deus, mas sim uma ruptura. Não é apenas uma sucessão temporal, como entre Antigo e Novo Testamento, mas de uma oposição ontológica. Em outras palavras, a graça não constrói sobre a natureza, mas contra ela; toca o mundo "como a tangente o círculo", isto é, toca nela, mas sem penetrá-la como o fermento faz com a massa. É a única diferença que, segundo o próprio Barth, o impedia de se chamar católico; todas as outras lhe pareciam, em comparação, de pouca importância. À analogia entis, ele opôs a analogia fidei, isto é, à colaboração entre natureza e graça, a oposição entre a palavra de Deus e tudo o que pertence ao mundo.

Bento XVI, na sua encíclica "Deus caritas est", mostra as consequências que esta diferente visão tem em relação ao amor. Karl Barth tinha escrito: "Onde entra em cena o amor cristão, tem início imediatamente o conflito com o outro amor [o amor humano] esse conflito não termina mais"[2]. Bento XVI escreve o contrário:  

"Éros e ágape - amor ascendente e amor descendente - nunca se deixam separar completamente uns dos outros [...]. A fé bíblica não constrói um mundo paralelo nem um mundo oposto àquele fenômeno humano originário que é o amor, mas acolhe todo o homem, intervindo na sua busca do amor para purificá-la, ao mesmo tempo que lhe abre novas dimensões"[3].

A oposição radical entre natureza e graça, entre criação e redenção, foi atenuada nos escritos posteriores do próprio Barth e agora não encontra quase nenhum apoiador. Podemos, portanto, aproximar-nos com mais serenidade da página do Apóstolo para compreender em que consiste realmente a novidade da cruz de Cristo.

Na cruz, Deus se manifestou, sim, "sob o seu contrário", mas sob o contrário do que os homens sempre pensaram de Deus, não do que Deus é realmente. Deus é amor e na cruz registrou-se a manifestação suprema do amor de Deus pelos homens. Em um certo sentido, só agora, na cruz, Deus se revela "na própria espécie", no que lhe é próprio. O texto de Primeiro Coríntios sobre o significado da cruz de Cristo deve ser lido à luz de um outro texto de Paulo na Carta aos Romanos:

"Com efeito, quando ainda éramos fracos, Cristo morreu no momento oportuno pelos ímpios. Dificilmente alguém aceitaria morrer por um justo; por um homem de bem talvez haja quem se anime a morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós, quando éramos ainda pecadores.” (Rm 5, 6-8).

O teólogo bizantino medieval Nicolau Cabásilas (1322-1392) nos dá a melhor chave para entender qual é a novidade da cruz de Cristo. Escreve:

"Duas características revelam o amante e o fazem triunfar: a primeira consiste em fazer o bem ao amado em tudo o que é possível, a segunda em escolher sofrer por ele e sofrer coisas terríveis se necessário. Esta última prova de amor muito superior à primeira não podia, no entanto, concordar com Deus que é impassível a todo o mal [...]. Portanto, para nos dar a experiência do seu grande amor e para mostrar que nos ama com um amor ilimitado, Deus inventa a sua aniquilação, realiza-a e fá-lo de modo a tornar-se capaz de sofrer e de sofrer coisas terríveis. Assim, com tudo o que Ele suporta, Deus convence os homens do seu extraordinário amor por eles e fá-los voltar para Si”[4].

Na criação Deus nos encheu de dons, na redenção Ele sofreu por nós. A relação entre os dois é a de um amor de beneficência que se faz amor de sofrimento.

Mas o que aconteceu de tão importante na cruz de Cristo que se tornou a culminação da revelação do Deus vivo da Bíblia? A criatura humana procura instintivamente Deus na linha do poder. O título que segue o nome de Deus é quase sempre "onipotente". E eis que, abrindo o Evangelho, somos convidados a contemplar a absoluta impotência de Deus na cruz. O Evangelho revela que a verdadeira onipotência é a total impotência do Calvário. É preciso pouco poder para se exibir, é preciso muito poder para se afastar, para se apagar. O Deus cristão é este poder ilimitado de esconder a si mesmo!

A explicação última reside, portanto, na ligação inseparável que existe entre amor e humildade. "Ele se humilhou tornando-se obediente até a morte" (Fl 2,8). Ele se humilhou tornando-se dependente do objeto do seu amor. O amor é humilde porque, pela sua natureza, cria dependência. Vemo-lo, no pequeno, do que acontece quando duas pessoas humanas se apaixonam. O jovem que, de acordo com o ritual tradicional, se ajoelha diante de uma menina para pedir sua mão faz o ato mais radical de humildade da sua vida, torna-se um mendigo. É como se dissesse: "Eu não me basto, preciso de ti para viver”. A diferença essencial é que a dependência de Deus das suas criaturas nasce unicamente do amor que tem por elas, o amor das criaturas entre si da necessidade que têm umas pelas outras.

"A revelação de Deus como amor, escreveu Henri de Lubac, obriga o mundo a rever todas as suas ideias sobre Deus”[5]. A teologia e a exegese ainda estão longe de ter tirado todas as consequências disso, creio eu. Uma dessas consequências é esta. Se Jesus sofre atrozmente na cruz, não o faz principalmente para pagar a dívida infinita no lugar dos homens. (Na parábola dos dois servos, em Lucas 7,41 ss, ele explicou antecipadamente que a dívida de dez mil talentos é perdoada gratuitamente pelo rei!). Não, Jesus morre crucificado para que o amor de Deus pudesse alcançar o homem no ponto mais remoto para o qual ele se tinha lançado, rebelando-se contra ele, ou seja, a morte. Também a morte é agora habitada pelo amor de Deus. No seu livro sobre Jesus de Nazaré, Bento XVI, escreveu:

"A injustiça, o mal como realidade não pode ser simplesmente ignorado, deixado para lá. Tem de ser eliminado, vencido. Esta é verdadeira misericórdia. E que agora, dado que os homens não o podem fazer, o próprio Deus o faz - esta é a bondade incondicional de Deus"[6].

O motivo tradicional da expiação dos pecados conserva, como podemos ver, toda a sua validade, mas não é a razão última. O motivo último é "a bondade incondicional de Deus", o seu amor.

Podemos identificar três etapas no caminho da fé pascal da Igreja. No início há apenas dois fatos: "morreu, ressuscitou". "Tu o crucificaste, Deus o ressuscitou", clama Pedro às multidões no dia de Pentecostes (cf. At 2, 23-24). Numa segunda fase, faz-se a pergunta: "Por que morreu e por que ressuscitou?" e a resposta é o kerigma: "Morreu pelos nossos pecados; ressuscitou pela nossa justificação" (cf. Rm 4, 25). Mais uma pergunta permanecia: "E por que morreu pelos nossos pecados? O que o levou a fazê-lo?" A resposta (unânime, neste ponto, de Paulo e de João) é: "Porque nos amou". "Me amou e se entregou por mim", escreve Paulo (Gl 2, 20); "Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim", escreve João (Jo 13, 1). 

quinta-feira, 11 de abril de 2019

A Teologia da Cruz


Domingo próximo é o Domingo de Ramos, início da Semana Santa, na qual contemplaremos os sofrimentos de Jesus Cristo e o mistério da sua Cruz, dando-nos o sentido do sofrimento em nossa vida.

No Domingo de Ramos, recordamos a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, aclamado pelo povo. Mas era a sua última entrada na cidade santa, pois nessa semana ele sofreria, voluntariamente, a sua paixão e seria crucificado e morto.

A Paixão física de Jesus começou na Quinta-feira santa, à noite, no horto das oliveiras, quando ele viveu um momento de particular angústia perante a vontade do Pai, contra a qual a debilidade da carne é tentada a revoltar-se. Cristo quis sentir a repugnância natural do homem diante do sofrimento. Ali Cristo se põe no lugar de todas as tentações da humanidade e toma sobre si todos os seus pecados, para dizer ao Pai: “Não se faça a minha vontade, mas a Tua” (Lc 22,42). Este seu “sim” de aceitação muda o “não” dos nossos primeiros pais no Éden.

Em contraposição a certas teologias da prosperidade e da saúde, muito em voga hoje, onde a religião fica sendo unicamente um meio de fugir da cruz, a Igreja nos propõe a verdadeira Teologia da Cruz.