segunda-feira, 12 de junho de 2017

Homilética: 11º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "O novo povo de Deus".


Deus quis um povo para si, um povo santo, um povo “sacerdotal”, para santificar o mundo todo em seu nome. Um povo que fizesse sua vontade, realizasse seu reino: “um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19,6 - 1ª leitura). Essa vocação do povo, por ocasião da proclamação da Lei no monte Sinai, prefigura aquela vocação mais plena que, no monte da Galileia, Jesus dirigiu a doze humildes galileus. Eles são como que representantes das doze tribos de Israel, e ele os manda para a colheita messiânica, para ceifar com a palavra do evangelho, anunciando a vinda do Reino. Eles são o começo do verdadeiro Israel, o novo povo de Deus. Os sinais disso são os prodígios que os acompanham na sua missão: curam enfermos, limpam leprosos, ressuscitam mortos, expulsam demônios… (Mt 10,8 - evangelho).

O Evangelho nos lembra nossa vocação de evangelizadores. O que é narrado nesse texto, deve ter acontecido muitas vezes enquanto o Senhor percorria cidades e aldeias pregando a chegada do Reino de Deus: ao ver a multidão, encheu-se de compaixão por ela, comoveu-se no mais íntimo do seu ser, porque estavam cansadas e abatidas como ovelhas que não têm pastor, profundamente desorientadas.

Encheu-se de compaixão, ou condoeu-se dela: o verbo grego é profundamente expressivo: “comover-se nas entranhas”.  Jesus, com efeito, comoveu-se ao ver o povo, porque os seus pastores, em vez de o guiarem e cuidarem dele, o desencaminhavam, comportando-se mais como lobos do que como verdadeiros pastores do seu próprio rebanho.

Com efeito, a consideração das necessidades espirituais do mundo deve levar-nos a um infatigável e generoso trabalho apostólico. A dificuldade é que agora, como nos tempos de Jesus, os trabalhadores são poucos em proporção com a tarefa. A solução é dada pelo próprio Senhor: Orar, rogar a Deus, Dono da messe, para que envie trabalhadores para a colheita. Será difícil que um cristão, que se ponha a rezar de verdade, não se sinta urgido a participar pessoalmente neste trabalho apostólico!

No texto do Evangelho vê-se como é essencial a oração na vida da Igreja; que Jesus chama os seus Doze Apóstolos depois de lhes ter recomendado que rezassem para que o Senhor enviasse operários para a Sua messe (Mt 9, 38).

Toda a atividade apostólica dos cristãos deve ser, pois, precedida e acompanhada por uma intensa vida de oração, visto que não se trata de uma empresa meramente humana, mas divina.

“A messe é muita, mas os operários poucos… Ao escutarmos isto — comenta São Gregório Magno –, não podemos deixar de sentir uma grande tristeza, porque é preciso reconhecer que há pessoas que desejam escutar coisas boas; falta, no entanto, quem se dedique a anuncia-las”.

Temos de pedir com frequência a Deus que se verifique no povo cristão um ressurgir de homens e mulheres que descubram o sentido vocacional da sua vida; que não somente queiram ser bons, mas se saibam chamados a ser operários no campo do Senhor e correspondam generosamente a essa chamada: homens e mulheres , velhos e jovens, que vivam entregues a Deus no meio do mundo, muitos em celibato apostólico; cristãos correntes, ocupados nas mesmas tarefas dos seus iguais, que levem Cristo ao âmago da sociedade de que fazem parte.

Peçamos também à Santíssima Virgem que nos faça entender como dirigida a cada um de nós essa confidência que o Senhor faz aos seus — a messe é muita –, e formulemos um propósito concreto de empreender com urgência e constância um esforço grande para que sejam muitos os operários no campo de Deus. Peçamos-lhe a enorme alegria de ser instrumentos para que outros correspondam à chamada que Jesus lhes faz. 

Comentário dos textos bíblicos

I leitura: Ex 19,2-6a

A 1ª leitura narra que Deus escolhe um povo para si. Este texto, que expressa a eleição de Israel como povo de Deus, é o início do relato da Aliança do Sinai (Ex 19,1–24,11). Nas palavras pronunciadas por Javé, Israel é chamado de reino sacerdotal e povo santo. Javé, a quem pertencem todas as nações (v. 5: “minha é toda a terra”), faz de Israel a sua porção escolhida (seu quinhão, sua “herança”). Não porque Deus precise tomar posse dessa parte (tudo lhe pertence), mas para que essa parte escolhida dê a conhecer e celebre a sua santidade (sua transcendência e perfeição) no meio de todas as nações da terra. É essa a função “sacerdotal” do povo.

A formulação atual do texto reflete a época, depois do exílio (por volta de 500 a.C.), quando os sacerdotes estão empenhados em reconstituir o povo de Israel em torno do culto e do Templo.  Ensinados pela experiência histórica, eles têm consciência de que a vocação do povo não é de exercer o domínio sobre os outros povos, mas de testemunhar a transcendência de seu Deus e o amor fiel com que ele protege o seu povo, que acaba de sair da opressão. De fato, assim como no texto do Êxodo os israelitas acabam de sair da “casa da servidão” no Egito, os contemporâneos dos autores “sacerdotais” que formularam o texto em sua forma atual acabam de sair da opressão no exílio babilônico.

Neste sentido, o texto que fala da libertação que aconteceu setecentos anos antes (v. 4: “Vistes o que fiz aos egípcios e como vos levei sobre asas de águia e vos trouxe a mim”) representa o hoje do povo depois do exílio. O povo de Deus será para o mundo o que os sacerdotes são para as tribos de Israel: celebrantes de seu nome e santidade. O povo é escolhido não para seu próprio proveito, mas para consagrar todas as nações a Javé. É essa a finalidade da Lei e de suas instituições religiosas. Isso se chama: Aliança. Como na história do Israel antigo, o mundo reconhecerá no povo renovado a mão carinhosa e santa de seu Deus.

Evangelho: Mt 9,36-10,8

O evangelho de hoje narra a missão dos doze apóstolos por Jesus. Anteriormente, Jesus havia mostrado por palavras e ações portentosas a irrupção do reino de Deus (Mt 5-9). Agora, sensibilizado pela necessidade do “rebanho sem pastor” (9,35), Jesus manda seus discípulos como operários à colheita do tempo final, a colheita messiânica (9,36-38). Por enquanto, a missão se restringe à região de Israel (10,5), sem entrar nos povoados e cidades dos gentios espalhados na terra da Palestina e na diáspora. Depois da Ressurreição, porém, a missão se estenderá ao mundo inteiro (28,19). Os discípulos devem anunciar a chegada do Reino por palavras e sinais (curas, prodígios), assim como Jesus o fez, pois desde que Jesus iniciou a sua obra no meio da humanidade, o mundo está sob o signo do reino de Deus.

Mateus inseriu esse episódio, significativamente, depois dos dois conjuntos iniciais da atividade de Jesus, sua pregação (Mt 5-7) e sua atividade milagrosa (Mt 8-9). A missão que os apóstolos recebem é, exatamente, a de pregar e de curar: fazer a mesma coisa que fez o Messias. Eles são seus colaboradores e continuadores na ceifa messiânica. Jesus quer pôr fim à situação desoladora de um povo que é como ovelhas sem pastor (9,36). Conforme a linguagem de Ezequiel, nos últimos tempos, Deus mesmo, através de seu Messias, reunirá as ovelhas dispersas e se tornará o Bom Pastor (Ez 34). É nesta missão que os apóstolos vão participar, realizando, assim, a plenitude do povo eleito, que, como aprendemos na 1ª leitura, é a comunidade que deve manifestar a santidade e a bondade de Deus no meio do mundo. 

II leitura: Rm 5,6-11

A 2ª leitura não está diretamente ligada ao tema principal da liturgia de hoje, mas, ainda assim, oferece um pensamento que enriquece o tema principal. Continuando a lectio continua da carta de Paulo aos Romanos, como nos domingos anteriores, o texto de Rm 5,6-11 vem oportunamente sublinhar um subentendido fundamental das duas outras leituras: a “compaixão”, a misericórdia, o amor gratuito de Deus. Ele nos amou enquanto éramos inimigos (prova maior da gratuidade do amor!) e deu seu Filho por nós.


Se, porém, se quiser escolher um texto alternativo que acompanhe melhor as duas outras leituras, ou embuti-lo na homilia, apresenta-se o texto da 1ª carta de Pedro que descreve a comunidade cristã como nação santa, sacerdócio real (1Pd 2,5-10). O conjunto da carta mostra, então, como o autor concebia, naquele tempo da segunda geração cristã, a vocação desse novo povo de Deus e novo Templo, construído com pedras vivas: a vida santa da comunidade testemunhal no meio de um mundo desorientado, mas ao mesmo tempo em busca de valores superiores e disposto a perguntar aos cristãos acerca das “razões de sua esperança” (1Pd 3,15).

PARA REFLETIR


Comecemos nossa contemplação com o povo de Israel, tão amado e protegido por Deus. O Senhor o amou, o Senhor gratuitamente o escolheu como Seu povo: “Vistes como vos levei sobre asas de águia” – quanto carinho, quanto cuidado de Deus, um Deus que nos leva nas costas, como a águia conduz os seus filhotes.

“Vistes como Eu vos trouxe a Mim!” – Para onde Deus conduz o Seu povo? Para a Terra Prometida, nós pensamos logo. É verdade. Mas, a verdadeira Terra Prometida é o próprio Deus: “Eu vos trouxe a Mim!” Foi para ser o Seu povo que o Senhor tirou Israel do Egito e o escolheu... A verdadeira herança de Israel, mais que uma terra, é o próprio Deus! Deus, mais que dons, dá-Se-nos a Si mesmo. Por isso o Salmista exclama: “Quanto a mim, eu estou sempre Contigo, Tu me agarraste pela mão direita! Quem teria eu no Céu? Contigo, nada mais me agrada na terra! Minha carne e meu coração podem se consumir: a Rocha do meu coração, a minha porção é Deus, para sempre” (Sl 73/72,23.25s).

Escutemos ainda: “Agora, pois, se ouvirdes a Minha voz e guardardes a Minha aliança, sereis para Mim a porção escolhida diante de todos os povos, um reino de sacerdotes e uma nação santa”. O Deus que tirou Israel do Egito e fez dele uma propriedade para Si, colocou-o no meio das nações como um povo santo e uma porção escolhida. Israel é todo de Deus, todo para Deus e, ao mesmo tempo, povo no meio das nações como povo consagrado ao Senhor, povo que deve viver na fidelidade ao Senhor, na escuta da Sua Palavra, testemunhando o Senhor perante as nações da terra.

Ora, caríssimos, o que Israel fora, nós somos agora em plenitude! Jesus fundou Sua comunidade, um novo povo, um novo Israel, que é a Igreja. O Evangelho deste Domingo no-lo mostra chamando os Doze – doze é o número das tribos de Israel -, tendo Pedro como chefe.

Esses Doze são o alicerce do Seu novo povo, a Igreja, o novo Israel. Jesus envia Sua Igreja com poder para anunciar o Reino e curar os males do mundo, daquelas “multidões cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor”.

Eis, portanto, o que somos: povo de Deus, povo da Aliança nova e eterna: “Vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de Sua particular propriedade, a fim da que proclameis as maravilhas Daquele que vos chamou das trevas para a Sua luz maravilhosa. Vós que outrora não éreis povo, mas agora sois o povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia” (1Pd 2,9s).

Que enorme graça! “Ele mesmo nos fez e somos Seus: nós somos o Seu povo e o Seu rebanho!” Pelo sangue de Cristo, o Filho único, o Filho amado, o Senhor nos atraiu quando ainda éramos pecadores! Éramos fracos e Cristo morreu por nós; éramos inimigos e fomos reconciliados com Deus pela morte do Seu Filho amado e bendito. Éramos sem Deus no mundo e fomos salvos da ira e alcançamos misericórdia em Deus por Jesus Cristo. Ser cristão, ser membro e filho da Igreja não é um direito, não é um merecimento: é graça, é atração que Deus opera em nós na potente força do Seu Espírito! Não merecemos nada! Tudo é graça!

Por isso mesmo, quando dizemos – e fazemos bem em dizê-lo – que pertencemos à Igreja de Cristo, povo santo, conquistado e redimido por Ele, não devemos nos gloriar disso! A glória é de Cristo que com Seu sangue nos reuniu como Sua Igreja. Nada de auto-complacência, de nos achar já salvos; nada de desprezar os outros! O dom de ser cristão católico deve nos levar a uma humilde gratidão a Deus e também à consciência do serviço que o Senhor nos confia: anunciar o Reino dos Céus neste mundo. Esse Reino é o próprio Jesus que viveu entre nós anunciando o Pai pleno de amor e misericórdia, consolando e curando a todos; Jesus, que Se entregou por nós, revelando todo o amor do Pai.

Assim, Ele nos faz viver uma nova vida, vida plena, vida feliz, porque uma vida com um novo sentido, um sentido verdadeiro: aconteça o que acontecer, venha o que vier, somos amados e esperados por Deus. Ele tanto nos amou que nos entregou o Seu Filho! Quem experimenta isso, quem vive isso, sente necessidade de compartilhar com os outros, com o mundo todo! Uma Igreja que não fosse missionária seria uma Igreja morta, uma Igreja que nunca teria experimentado de verdade a alegria, a felicidade de ter sido encontrada por Cristo e, Nele, ter encontrado um sentido para a vida. Se não somos missionários, se em casa e onde vivemos e atuamos, não sentimos a necessidade de contagiar os próximos com a alegria de Jesus, então é porque nós mesmos nunca experimentamos essa alegria explosiva, expansiva, contagiante!

Eis, pois o que somos; eis o que é a Igreja: o povo de Deus da Nova Aliança, o povo conquistado e redimido por Cristo para ser neste mundo um povo sacerdotal, um povo que presta culto a Deus em nome de todos os povos; um povo de missionários que, a um mundo que procura vida e alegria em tantas realidades que não comunicam nem alegria nem vida, anuncia o Reino de Deus, Cristo em nós, esperança de salvação!

Caríssimos, ainda hoje Jesus olha essa multidão que é a humanidade cansada e abatida... Ainda hoje Ele nos envia! Iluminados pela Palavra tão viva e consoladora do Senhor e alimentados, daqui a pouco, pelo Seu Corpo e Sangue, será que vamos sair daqui tão preguiçosos e acomodados, tão frios e indiferentes como entramos?

– Pai santo, Pai amado, Deus bendito, somos o povo eleito que Cristo veio reunir no único santificante Espírito. Faze-nos fieis a tão grande vocação. 

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