sábado, 24 de junho de 2017

Homilética: 13º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "Cristo pede radicalidade a quem lhe segue e, sobretudo, Cruz".



Quem recebe um profeta, receberá recompensa de profeta; quem um justo, recompensa de justo (cfr. Mt 10,41); quem a Cristo, recompensa cristã. Esse é o argumento que eu gostaria de desenvolver hoje tendo presente o versículo anterior: “Quem vos recebe, a mim recebe. E quem me recebe, recebe aquele que me enviou” (Mt 10,40). Em que consiste essa recompensa cristã?

Há uma recompensa temporal e uma eterna. É Jesus quem nos diz: “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a vida eterna” (Mc 10,29-30). Por tão agradável seguimento está prometido tão grande tesouro! Jesus não quer que abandonemos as pessoas queridas, mas que Deus tenha o primeiro lugar nas nossas vidas; não está fazendo propaganda de uma “teologia da prosperidade” – como tantas seitas atuais –, mas está falando daquelas coisas que não faltam àqueles que amam a Deus: alegria, a pesar dos pesares; não está falando de um tempo eterno, mas simplesmente da eternidade.

Para sempre? Será que não enjoaremos? De fato, na terra, qualquer coisa que fazemos, por prazenteira que seja, entedia quando demasiada. Uma pessoa que gosta de doce deleita-se com uma caixinha de chocolates; mas se lhe derem cem caixinhas do mesmo chocolate, essa pessoa não aguentará, pode até mesmo chegar a não querer comer chocolates na vida.

Será que contemplar a Deus por toda a eternidade não é uma atividade monótona e até mesmo chata? Se assim for, vale a pena ir ao céu? Conta-se que um diabinho disse a um homem que estava indeciso em converter-se ou não ao cristianismo que não valia a pena ser cristão e depois ir ao céu porque ele teria que praticar um montão de virtudes chatas e depois ir ao céu monótono e enjoado. As virtudes aborrecidas a que se referia era a obediência, a castidade, o desprendimento dos bens materiais, a bondade, o perdão. O diabo, para convencê-lo disse também que enquanto no céu os bem-aventurados contemplam sempre o rosto de Deus, no inferno se contempla sempre coisas diferentes e que, além do mais, existiria muita festa, muito álcool, mulheres, prazeres. O pobre coitado que estava pensando em converter-se tomou uma decisão: “- vou pensar nisso da conversão depois”.

Talvez o problema da proposta cristã que poderíamos fazer aos nossos semelhantes seria mostrar um cristianismo chato, enjoado, empenhado na prática dumas virtudes caducas e que, no fim de tudo, nos levaria a um céu mais chato ainda. Se um cristão passa essa imagem aos outros, estaria fazendo um mal apostolado.

As virtudes cristãs são alegres, dão otimismo à vida e nos colocam sempre em disposição de entregar-nos mais e mais aos outros e a Deus por amor aos outros. O céu não pode ser algo monótono. A explicação que mais me convence é aquela que diz que a felicidade inicial que experimentarmos ao ver a Deus permanecerá para sempre, por estarmos na eternidade. Mas, ao mesmo tempo, me inclino muito por aquilo que diz S. Gregório de Nissa: a bem-aventurança eterna saciará todos os nossos desejos, mas não se trata dum estaticismo cuja novidade já não tenha cabida. Não! Deus é infinito e a nossa alegria será sempre a de quem já recebeu todo o necessário para a sua felicidade eterna, mas que parte dessa felicidade é a descoberta de realidades sempre novas. Um teólogo moderno, Jean Daniélou, expressou tudo isso de uma maneira verdadeiramente poética: a nossa viagem terminar-se-á não na ascensão a uma cima definitiva, mas no maravilhoso descobrimento de que os países descobertos são apenas uma promessa de “lugares” ainda mais belos que os conhecidos até então e que estão por descobrir. 

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Textos: 2 Reis 4, 8-11.14-16; Romanos 6, 3-4.8-11; Mateus 10, 37-42

O amor de Deus é devorador, consumindo nas almas todo amor que lhe seja rival. O amor de Deus tem asas para voar a estes picos que o Evangelho hoje nos mostra. O amor de Deus goza considerando que possui o atrativo necessário para superar qualquer outro tipo de amor, na medida em que se oponha ao amor de Jesus Cristo. O amor de Deus não poupou o sofrimento e a cruz do seu Filho. Ondas imensas de tormentos golpearam o coração de Jesus na sua Paixão.

A primeira leitura conta-nos como o Senhor recompensou aquela família de Sunam que acolhia com generosidade o profeta Eliseu. Olhavam para ele com fé vendo nele um homem de Deus, como realmente era. E o Senhor prometeu-lhes aquilo que mais ansiavam todas as famílias em Israel: ter filhos, considerados a riqueza maior dum casal.

O amor de Deus não nos priva da cruz. Aí está a cruz, impávida, em pé. Como reza o lema dos cartuxos: “Stat Crux dum volvitur orbis” (A Cruz estável enquanto o mundo dá voltas, ou Cruz constante enquanto o mundo muda). Cruz corporal. Cruz na alma. Cruzes provenientes de nós mesmos. Cruzes provenientes das nossas famílias, dos que estão ao nosso redor e do ambiente. Cruz proveniente dos inimigos invisíveis de nossa alma. Cruz permitida por Deus. A nossa cruz é uma partícula da cruz de Cristo. Não existe sofrimento que de alguma maneira não esteja contido na cruz do Senhor, nem causa de tormento que na cruz não esteja simbolizada. 

O que fazer diante de uma cruz tamanha? Devemos carregá-la voluntariamente, com resignação e até com gozo, se é possível. Devemos beijá-la. Devemos chorar sobre ela. Quem rejeita a cruz, por rebeldia, deve saber que assim não poderá seguir o Cristo que a levou por nós. Humilhar a cabeça diante da cruz significa não pretender esquadrinhar os insondáveis juízos de Deus, nem dar curso às rebeldias instintivas que brotam no nosso interior contra o plano da Providência divina. Humilhar a cabeça diante da cruz é ver com os olhos da fé que a cruz de Cristo é misericórdia divina, que é uma expressão do amor que Deus tem por nós. Humilhar a cabeça diante da cruz significa que os nossos juízos se submetem ao juízo de Deus.

O texto evangélico de hoje pertence ao final de uma série de instruções aos discípulos para o exercício da sua missão apostólica (Mt 10, 16-42); nestes versículos sobressaem a radicalidade no seguimento sem meias tintas (vv. 37-39) e a identificação com o Mestre (vv. 40-42).

37 «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim…» Note-se que Jesus não se coloca simplesmente no plano de qualquer rabi seu contemporâneo a exigir dos seus discípulos (talmidîm) os mesmos serviços que se deviam prestar aos pais, ou ainda mais. As palavras de Jesus apelam para uma radicalidade de um amor que só é devido a Deus, mais acentuada ainda no texto paralelo de Lucas (14, 26-27). Só um homem que é Deus poderia falar assim com verdade. De qualquer modo, não existe nenhuma oposição entre o amor a Deus e à família, entre o primeiro e o quarto mandamento. O que Jesus exige é uma recta ordem no amor; por isso, não é licito pôr o amor dos pais e dos filhos antes ou acima do amor de Deus.

O Senhor pede generosidade para O seguir. Ele há de ser o nosso primeiro amor. Para os sacerdotes e para todos os cristãos. Não podemos compartilhar o nosso coração como se tivéssemos vários deuses para adorar. Todos os amores humanos, por mais nobres que sejam, têm de passar pelo coração de Deus. É na medida em que amamos os pais, os filhos, a mulher, o marido, ou os amigos por amor de Deus que esses amores têm garantias de serem verdadeiros e duráveis. O resto são ilusões e construir sobre areia movediça.

Saibamos purificar o nosso amor humano, sabendo sacrificar tudo com alegria para amar e servir a Deus. E teremos um coração grande para amar os que estão mais perto de nós e a todos os homens.

38-39 «Quem não toma a sua cruz para Me seguir». A cruz era um suplicio mortal. Tomar a cruz significa renunciar à vida, uma renúncia total como a daquele que voluntariamente caminha para a morte, para o sacrifício total. A sua cruz significa a cruz – exigências e renúncias – que Deus pede concretamente a cada um, pois a uns exige mais do que a outros, porque também lhes dá mais. Mas a renúncia cristã não é algo negativo, é exigência libertadora, uma condição – «para Me seguir» – para «encontrar a vida», uma forma semítica de dizer que, por oposição a «perder a vida», significa garantir a vida, salvá-la. Quem quiser salvar a todo o custo a sua vida terrena, negando a Cristo ou satisfazendo os seus gostos à margem da vontade de Deus, esse perderá a vida eterna; pelo contrário, quem sacrificar a sua vida terrena por Cristo tem garantida a vida eterna. Esta bem-aventurança dirige-se num sentido eminente aos mártires, mas também é para todos os que, no dia a dia, se esquecem de si e entregam a sua vida, servindo a Deus e ao próximo por amor de Deus.

Muitos têm medo da cruz, do sacrifício. E só por esse caminho se pode seguir a Jesus e encontrar a alegria. «O que perder a vida por Minha causa há de encontrá-la» – dizia-nos no Evangelho. Os próprios psiquiatras vieram dar razão a Jesus. Os doentes de nervos estão normalmente centrados em si mesmos: não são capazes de jogar a vida. «Aquele que quiser conservar a vida há de perdê-la».

A cruz tornou-se sinal mais e sinal de multiplicar. Nós cristãos temos de pedir esta valentia que vem da fé, que vê as coisas com os olhos de Deus. Que sabe ver o dedo de Deus mesmo por trás das coisas difíceis da vida, das doenças e daquilo que muitas vezes se chamam desgraças.

A cruz é também companhia do cristão que quer cumprir o seu dever de cada dia, dar tempo à oração, ajudar os outros. No batismo morremos com Cristo para o pecado e com Ele ressuscitamos para uma vida nova. E temos de morrer todos os dias, vencendo as nossas más inclinações, sabendo renunciar voluntariamente mesmo em coisas legítimas. O amor de Deus e dos outros manifesta-se nas pequenas renúncias de cada dia.

PARA REFLETIR

A Palavra de Deus (Mt 10,37-42) nos convida a meditar nas características do verdadeiro discípulos de Jesus.

Discípulo é todo aquele que, pelo Batismo, se identifica com Jesus, fez de Jesus a sua referência e O segue. A Missão do discípulo é tornar presente na história e no tempo o projeto de salvação que Deus tem para os homens.

Jesus nos ensina, em muitas ocasiões, que Deus deve ser o nosso principal amor, e que as criaturas devem ser amadas de modo secundário e subordinado.Diz Jesus:”Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim.Quem procura conservar a sua vida vai perdê-la. E quem perde a sua vida por causa de mim vai encontrá-la” (Mt 10, 37.39).

Só Deus merece ser amado de modo absoluto e sem condições; tudo o mais deve ser amado na medida em que é amado por Deus. O Senhor pede-nos, sem dúvida, que amemos a família e o próximo mas nem mesmo estes amores devem ser antepostos ao amor de Deus, que deve ocupar sempre o primeiro lugar.Amando a Deus, os demais amores da terra purificam-se e crescem, o coração dilata-se e torna-se verdadeiramente capaz de amar, superando os obstáculos e as reservas de egoísmo, sempre presentes na criatura humana. Quando se ama a Deus em primeiro lugar, os amores limpos desta vida elevam-se enobrecem-se ainda mais.

Para amar a Deus, como Ele pede, é necessário, além disso, perder a própria vida, a do homem velho. Torna-se necessário eliminar as tendências desordenadas que inclinam a pecar, destruir o egoísmo, às vezes brutal, que leva o homem a procurar-se a si próprio em tudo o que faz

O cristão que luta por negar-se a si próprio encontra uma nova vida: a de Jesus.Respeitando o que é próprio de cada um, a graça nos transforma até nos fazer adquirir os mesmos sentimentos de Cristo em relação aos homens e aos acontecimentos; vamos imitando as suas atitudes, de tal maneira que surge em nós uma nova maneira de pensar e de agir, simples e natural; passamos a ter os mesmos desejos de Cristo: cumprir a vontade do Pai, que é expressão clara do amor.

Não há peso nem medida para amar a Deus. Ele espera que O amemos com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente (Mt 22, 37-38). O amor a Deus sempre pode crescer. O Senhor diz aos seus filhos, a cada um em particular: “Eu te amo com amor eterno; por isso, compadeço de ti e te atraí a Mim” (Jer. 31,3). Peçamos-Lhe que nos convença desta realidade; só existe um amor absoluto, que é a fonte de todos os amores retos e nobres.

O caminho do discípulo é acolher e seguir Cristo no caminho do amor e da entrega; significa arriscar esta vida para ganhar a eterna!

Ensina São Josemaria Escrivá: “As pessoas que estão debruçadas sobre si mesmas, que agem procurando, antes de mais, a sua própria satisfação, põem em jogo a sua salvação eterna e, mesmo aqui na terra, são inevitavelmente infelizes e desgraçadas. Só quem se esquece de si e se entrega a Deus e aos outros, também no matrimônio, pode ser feliz na terra, com uma felicidade que é preparação e antecipação do Céu” (Cristo que passa, nº24). Assim podemos entender que a vida cristã se fundamenta na abnegação: sem Cruz não há cristianismo:”Quem não toma  sua cruz e não me segue não é digno de mim” (Mt 10,38). Aqui temos as exigências que Jesus propõe para seus seguidores. Exige uma atitude radical. O nosso compromisso para com Ele deve estar acima de tudo, mesmo do amor sagrado para com nossos pais.

Todos os cristãos têm por missão anunciar o Evangelho de Jesus

Temos, portanto, de converter toda a nossa vida numa procura constante de Jesus: nas horas boas e nas que parecem más, no trabalho e no descanso, na rua e no seio da família.

Amamos a Deus quando convertemos a nossa vida numa procura incessante da união com Ele.

Possamos fugir, ou morrer a tudo quanto nos afasta de servir generosamente ao Senhor, renunciar a tudo quanto compreende a preferência absoluta e o primado do amor que Lhe pertencem inteiramente. Só assim, associado inteiramente à morte e à vida de Cristo, é que o cristão é verdadeiro discípulo de Cristo.

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