sábado, 7 de setembro de 2019

Papa Francisco visita mosteiro de clausura Carmelita em Madagascar




VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

ENCONTRO COM AS RELIGIOSAS CONTEMPLATIVAS
HOMILIA DO SANTO PADRE

Mosteiro das Carmelitas Descalças, Antananarivo, Madagascar
Sábado, 7 de setembro de 2019

DISCURSO PREPARADO PELO SANTO PADRE
E ENTREGUE DURANTE O ENCONTRO

Dileta Madre Madalena da Anunciação,
Irmãs muito amadas!

Agradeço-vos a receção calorosa e as palavras da Madre que dão voz a todas as monjas contemplativas dos diferentes mosteiros deste país. Obrigado a todas e cada uma de vós, queridas Irmãs, por terdes deixado brevemente a clausura para manifestar a vossa comunhão comigo e com a vida e a missão de toda a Igreja, especialmente a de Madagáscar.

Agradeço a vossa presença, a vossa fidelidade, o testemunho luminoso de Jesus Cristo que ofereceis à comunidade. Neste país, há pobreza; é verdade, mas existe também tanta riqueza! É rico de belezas naturais, humanas e espirituais. Também vós, Irmãs, fazeis parte desta beleza de Madagáscar, do seu povo e da Igreja, pois é a beleza de Cristo que resplandece nos vossos rostos e nas vossas vidas. Graças a vós, a Igreja em Madagáscar é ainda mais bela aos olhos do Senhor e também aos olhos do mundo inteiro.

Os três salmos da Liturgia de hoje expressam a angústia do salmista num momento de provação e perigo. Permiti que me detenha no primeiro salmo, ou seja, numa seção do Salmo 119, o mais longo do Saltério, composto de oito versículos por cada letra do alfabeto hebraico. O autor é, sem dúvida, um homem de contemplação, alguém que sabe dedicar longos e maravilhosos momentos à oração. Na estrofe de hoje (Sal 119/118, 81-88), a palavra que aparece mais vezes e dá o tom ao conjunto é «suspirar», usada principalmente em dois sentidos.

O orante suspira pelo encontro com Deus. Vós sois o testemunho vivo deste anseio inextinguível que habita no coração de todos os homens. No meio das múltiplas ofertas que pretendem – mas não conseguem – satisfazer o coração, a vida contemplativa é a tocha que conduz ao único braseiro eterno, «a chama viva de amor que docemente fere» (São João da Cruz). Vós representais «visivelmente a meta para onde caminha a comunidade eclesial inteira, que avança pelas estradas do tempo com o olhar fixo na futura recapitulação de tudo em Cristo, preanunciando assim a glória celeste» (Francisco, Const. ap. Vultum Dei quaerere, 2).

Somos sempre tentados a satisfazer o anseio de eternidade com coisas efémeras. Estamos expostos aos mares revoltos que acabam apenas por afogar a vida e o espírito: «Como o marinheiro no mar alto precisa do farol que indique a rota para chegar ao porto, assim o mundo tem necessidade de vós. Sede faróis para os que estão perto e sobretudo para os afastados. Sede tochas que acompanham o caminho dos homens e mulheres na noite escura do tempo. Sede sentinelas da manhã (cf. Is 21, 11-12) que anunciam o nascer do sol (cf. Lc 1, 78). Com a vossa vida transfigurada e com palavras simples ruminadas no silêncio, indicai-nos Aquele que é caminho, verdade e vida (cf. Jo 14, 6), o único Senhor que oferece plenitude à nossa existência e dá vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Gritai-nos como André a Simão: “Encontramos o Messias” (cf. Jo 1, 40); anunciai, como Maria de Magdala na manhã da ressurreição: “Vi o Senhor!” (Jo 20, 18)» (Ibid., 6).

Em discurso, Papa pede que povo de Madagascar lute contra a corrupção

 
VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

ENCONTRO COM AS AUTORIDADES,
O CORPO DIPLOMÁTICO E VÁRIOS REPRESENTANTES
DA SOCIEDADE CIVIL

DISCURSO DO SANTO PADRE

Ceremony Building, Antananarivo, Madagascar
Sábado, 7 de setembro de 2019


Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Ilustres membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Distintas Autoridades,
Representantes das Confissões religiosas e da sociedade civil,
Senhoras e Senhores!

Saúdo cordialmente o Presidente da República de Madagáscar e agradeço-lhe o amável convite para visitar este país, bem como as palavras de boas-vindas que me dirigiu. O Senhor Presidente, falou com paixão, falou com amor pelo Seu povo. Agradeço-Lhe pelo Seu testemunho de patriota. Saúdo também o Primeiro-Ministro, os membros do governo, do corpo diplomático e os representantes da sociedade civil. Dirijo uma saudação fraterna aos bispos, aos membros da Igreja Católica, aos representantes de outras confissões cristãs e de várias religiões. Agradeço a todas as pessoas e instituições que tornaram possível esta viagem e, de modo particular, ao povo malgaxe que nos acolhe com grande hospitalidade.

No preâmbulo da Constituição da vossa República, quisestes consignar um dos valores fundamentais da cultura malgaxe: o fihavanana, termo que evoca o espírito de partilha, ajuda mútua e solidariedade; mas inclui também a importância dos laços familiares, da amizade e da benevolência entre os homens e para com a natureza. Revelam-se, assim, a «alma» do vosso povo e os traços peculiares que o caraterizam, constituem e lhe permitem resistir, corajosa e abnegadamente, às múltiplas contrariedades e dificuldades que tem de enfrentar diariamente. Se devemos reconhecer, valorizar e apreciar esta terra abençoada pela sua beleza e inestimável riqueza natural, não é menos importante fazê-lo também pela «alma» que vos dá a força de permanecer empenhados com a aina (isto é, com a vida), como bem lembrou o padre António de Pádua Rahajarizafy SJ.

Depois que recuperou a independência, a vossa nação aspira à estabilidade e à paz, implementando uma alternância democrática positiva que testemunha respeito pela complementaridade dos estilos e projetos. Isto demonstra que «a política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem» (Francisco, Mensagem para o LII Dia Mundial da Paz, 1 de janeiro de 2019), quando é vivida como serviço à coletividade humana. Por isso, é claro que a função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para quantos têm a missão de servir e proteger os seus compatriotas, especialmente os mais vulneráveis, e de promover as condições para um desenvolvimento digno e justo, envolvendo todos os atores da sociedade civil. Porque, como lembrava São Paulo VI, o desenvolvimento de uma nação «não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo» (Carta enc. Populorum progressio, 14).

Nesta perspetiva, encorajo-vos a lutar, vigorosa e decididamente, contra todas as formas endémicas de corrupção e especulação, que aumentam a disparidade social, e a enfrentar as situações de grande precariedade e exclusão que geram sempre condições de pobreza desumana. Daí a necessidade de estabelecer todas as mediações estruturais que possam garantir uma melhor distribuição do rendimento e a promoção integral de todos os habitantes, especialmente dos mais pobres. Tal promoção não se pode limitar a uma mera assistência, mas requer o seu reconhecimento como sujeitos jurídicos chamados a participar plenamente na construção do seu futuro (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 204-205).

Além disso, sabemos que não se pode falar de desenvolvimento integral sem prestar atenção e cuidar da nossa Casa Comum. Não se trata apenas de encontrar os instrumentos para preservar os recursos naturais, mas de procurar «soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. [Porque] não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socio-ambiental» (Francisco, Carta enc. Laudato si’, 139).

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Papa Francisco: Não se pode ser cristão e promover o “olho por olho, dente por dente”



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

SANTA MISSA PELO PROGRESSO DOS POVOS

HOMILIA DO SANTO PADRE

Estádio de Zimpeto de Maputo, Moçambique
Sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Amados irmãos e irmãs!

Ouvimos no Evangelho de Lucas uma passagem do Sermão da Planície. Depois de escolher os seus discípulos e ter proclamado as Bem-aventuranças, Jesus acrescenta: «Digo-vos a vós que Me escutais: “Amai os vossos inimigos”» (Lc 6, 27). Uma palavra dirigida hoje também a nós, que O escutamos neste Estádio.

Di-lo com clareza, simplicidade e firmeza traçando uma senda, um caminho estreito que requer algumas virtudes. Porque Jesus não é um idealista, que ignora a realidade; está a falar do inimigo concreto, do inimigo real, que descrevera na Bem-aventurança anterior (6, 22): aquele que nos odeia, expulsa, insulta e rejeita como infame.

Muitos de vós podem ainda contar, em primeira pessoa, histórias de violência, ódio e discórdias; alguns, em sua própria carne; outros, de alguém conhecido que já cá não está; e outros ainda pelo temor de que feridas do passado se repitam e tentem apagar o caminho de paz já percorrido, como em Cabo Delgado.

Jesus não nos convida a um amor abstrato, etéreo ou teórico, redigido em escrivaninhas para discursos. O caminho que nos propõe é o que Ele percorreu primeiro, o caminho que O fez amar aqueles que O traíram, julgaram injustamente, aqueles que O matariam.

É difícil falar de reconciliação, quando ainda estão vivas as feridas causadas durante tantos anos de discórdia, ou convidar a dar um passo de perdão que não signifique ignorar o sofrimento nem pedir que se cancele a memória ou os ideais (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 100). Mesmo assim, Jesus convida a amar e a fazer o bem. E isto é muito mais do que ignorar a pessoa que nos prejudicou ou esforçar-se por que não se cruzem as nossas vidas: é um mandato que visa uma benevolência ativa, desinteressada e extraordinária para com aqueles que nos feriram. Mas Jesus não fica por aí; pede-nos também que os abençoemos e rezemos por eles; isto é, que o nosso falar deles seja um bendizer, gerador de vida e não de morte, que pronunciemos os seus nomes não para insulto ou vingança, mas para inaugurar um novo vínculo que leve à paz. Alta é a medida que o Mestre nos propõe!

Com tal convite, Jesus quer encerrar para sempre a prática tão usual – ontem como hoje – de ser cristão e viver sob a lei de talião. Não se pode pensar o futuro, construir uma nação, uma sociedade sustentada na «equidade» da violência. Não posso seguir Jesus, se a ordem que promovo e vivo é «olho por olho, dente por dente».

Nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre as diferenças é a vingança e o ódio. Não podemos pôr-nos de acordo e unir-nos para nos vingarmos, para fazermos àquele que foi violento o mesmo que ele nos fez, para planearmos ocasiões de retaliação sob formatos aparentemente legais. «As armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos» (Ibid., 60). A «equidade» da violência é sempre uma espiral sem saída; e o seu custo, muito alto. Há outro caminho possível, porque é crucial não esquecer que os nossos povos têm direito à paz. Vós tendes direito à paz.

Para tornar o seu convite mais concreto e aplicável no dia-a-dia, Jesus propõe uma primeira regra de ouro ao alcance de todos – «como quereis que os outros vos façam, fazei-lho vós também» (Lc 6, 31) – e ajuda-nos a descobrir o que é mais importante nesta reciprocidade de trato: amar-nos, ajudar-nos e emprestar sem esperar nada em troca.

«Amar-nos»: diz-nos Jesus. E Paulo traduz isso como «revestir-nos de sentimentos de misericórdia e de bondade» (Col 3, 12). O mundo desconhecia – e continua sem conhecer – a virtude da misericórdia, da compaixão, matando ou abandonando deficientes e idosos, eliminando feridos e enfermos, ou divertindo-se com os sofrimentos dos animais. Também não praticava a bondade, a amabilidade, que nos move a considerar o bem do próximo tão querido como o próprio.

Superar os tempos de divisão e violência supõe não só um ato de reconciliação ou a paz entendida como ausência de conflito, implica também o compromisso diário de cada um de nós ter um olhar atento e ativo que nos leva a tratar os outros com aquela misericórdia e bondade com que queremos ser tratados; misericórdia e bondade sobretudo com aqueles que, pela sua condição, rapidamente acabam rejeitados e excluídos. Trata-se de uma atitude, não de débeis, mas de fortes, uma atitude de homens e mulheres que descobrem que não é necessário maltratar, denegrir ou esmagar para se sentirem importantes; antes pelo contrário... E esta atitude é a força profética que o próprio Jesus Cristo nos ensinou ao querer identificar-Se com eles (cf. Mt 25, 35-45) e ao mostrar-nos que o serviço é o caminho.

Papa Francisco recorda parábola do Bom Samaritano ao visitar doentes de AIDS



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

VISITA AO HOSPITAL DE  ZIMPETO

SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE

Maputo
Sexta-feira, 6 de setembro de 2019


Queridos irmãos e irmãs!

Muito obrigado pelo acolhimento caloroso e fraterno e também pelas palavras de Cacilda. Obrigado pela tua vida e testemunho, expressão de que este Centro de saúde polivalente – Santo Egídio de Zimpeto – é manifestação do amor de Deus, sempre pronto a insuflar vida e esperança onde abundam a morte e o sofrimento.

Saúdo cordialmente os responsáveis, os operadores sanitários, os enfermos com seus familiares, e todos os presentes. Vendo como tratais e acolheis com competência, profissionalismo e amor tantas pessoas doentes, particularmente pacientes com SIDA/HIV sobretudo mulheres e crianças, acode-me ao pensamento a parábola do Bom Samaritano.

Todos os que passaram por aqui, todos os que vêm com desespero e angústia são como aquele homem abandonado na beira da estrada. E, aqui, vós não passastes ao largo, não continuastes pelo vosso caminho como fizeram outros (o levita e o sacerdote). Este Centro mostra-nos que houve quem parou e sentiu compaixão, quem não cedeu à tentação de dizer «não há nada a fazer», «é impossível combater esta praga» e se animou a buscar soluções. Vós, como disse Cacilda, ouvistes aquele grito silencioso, quase inaudível, de inúmeras mulheres, de tantos que viviam envergonhados, marginalizados, julgados por todos. Por isso alargastes esta casa – onde o Senhor vive com aqueles que estão na berma da estrada – aos doentes de cancro, tuberculose e a centenas de desnutridos, sobretudo crianças e jovens.

Assim todas as pessoas que, de várias formas, fazem parte desta comunidade sanitária tornam-se expressão do Coração de Jesus, para que ninguém pense «que o seu clamor caíra em saco roto. (…) [São] um sinal de solidariedade para quantos passam necessidade a fim de sentirem a presença ativa dum irmão ou duma irmã. Não é de um ato de delegação que os pobres precisam, mas do envolvimento pessoal de quantos escutam o seu brado. A solicitude dos crentes não pode limitar-se a uma forma de assistência – embora necessária e providencial num primeiro momento –, mas requer aquela atenção amiga que aprecia o outro como pessoa e procura o seu bem» (Francisco, Mensagem para o II Dia Mundial dos Pobres, 18 de novembro de 2018, n. 3). Ouvir este clamor levou-vos a perceber que não era suficiente um tratamento médico, embora necessário; por isso, vos debruçastes sobre a problemática em toda a sua integridade para devolver a dignidade às mulheres e crianças, ajudando-as a projetar um futuro melhor.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Discurso do Papa aos bispos, clero, religiosos e catequistas de Moçambique


ENCONTRO COM OS BISPOS, OS SACERDOTES,
RELIGIOSOS E CATEQUISTAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

Catedral da Imaculada Conceição, Maputo
Quinta-feira, 5 de setembro de 2019


Amados irmãos Cardeais,
Irmãos Bispos,
Queridos sacerdotes, religiosas, religiosos e seminaristas,
Prezados catequistas e animadores de comunidades cristãs,
Caros irmãos e irmãs, boa tarde!

Agradeço a saudação de boas-vindas de Dom Hilário em nome de todos vós. Com afeto e grande reconhecimento, vos saúdo a todos. Sei que fizestes um grande esforço para estar aqui. Juntos, queremos renovar a resposta à chamada que uma vez fez arder os nossos corações e que a Santa Mãe Igreja nos ajudou a discernir e confirmar com a missão. Obrigado pelos vossos testemunhos, que falam das horas difíceis e sérios desafios que viveis, reconhecendo limitações e debilidades; mas também admirando a misericórdia de Deus. Fiquei contente ao ouvir dizer, da boca duma catequista: «Somos uma Igreja inserida num povo heroico». Obrigado! Um povo, que se entende de sofrimentos, mas mantém viva a esperança. Com este são orgulho pelo vosso povo, que convida a renovar a fé e a esperança, queremos renovar o nosso sim hoje. Como fica feliz a Santa Mãe Igreja ao ouvir-vos manifestar o amor ao Senhor e à missão que vos deu! Como ela fica contente ao ver o vosso desejo de voltar sempre ao «primitivo amor» (Ap 2, 4)! Peço ao Espírito Santo que vos dê sempre a lucidez de chamar a realidade pelo seu nome, a coragem de pedir perdão e a capacidade de aprender a ouvir o que Ele nos quer dizer.

Queridos irmãos e irmãs, gostemos ou não, somos chamados a encarar a realidade como ela é. Os tempos mudam e devemos reconhecer que muitas vezes não sabemos como inserir-nos nos novos tempos, nos novos cenários; podemos sonhar com as «cebolas do Egito» (Nm 11, 5), esquecendo que a Terra Prometida está à frente, não atrás, e neste lamento pelos tempos passados, vamo-nos petrificando, vamo-nos «mumificando». E não é bom! Um bispo, um sacerdote, uma irmã, um catequista mumificados não está bem! Em vez de professar uma Boa Nova, o que anunciamos é algo cinzento que não atrai nem inflama o coração de ninguém. Esta é a tentação.

Encontramo-nos nesta catedral, dedicada à Imaculada Conceição da Virgem Maria, para compartilhar como família aquilo que nos acontece; como família, que nasceu naquele sim que Maria deu ao anjo. Ela, nem por um momento olhou para trás. Quem narra estes acontecimentos do início do mistério da Encarnação é o evangelista Lucas. No seu modo de o fazer, talvez possamos descobrir resposta para as perguntas que fizestes hoje – bispos, sacerdotes, irmãs, catequistas… Faltaram as dos seminaristas! [riem] – e encontrar também o estímulo necessário para responder com a mesma generosidade e solicitude de Maria.

São Lucas apresenta em paralelo os acontecimentos relacionados com São João Batista e com Jesus Cristo; pretende que, no contraste, descubramos aquilo que se vai apagando do modo de ser de Deus e do nosso relacionar-nos com Ele no Antigo Testamento, e o novo modo que nos traz o Filho de Deus feito homem. Um modo no Antigo Testamento, que se apaga, e outro modo novo que traz Jesus.

É evidente que, nas duas Anunciações – a de João Batista e a de Jesus –, há um anjo. Entretanto, numa, a aparição dá-se na Judeia, na mais importante das cidades – Jerusalém – e não acontece num lugar qualquer, mas no templo e, dentro dele, no Santo dos Santos; dirige-se a um varão e… sacerdote. Ao passo que o anúncio da Encarnação é feito na Galileia, a mais remota e conflituosa das regiões, numa pequena aldeia – Nazaré –, numa casa e não na sinagoga ou lugar religioso, feito a uma leiga e... mulher. Não a um sacerdote, nem a um homem. O contraste é grande. Que mudou? Tudo. Tudo mudou. E, nesta mudança, está a nossa identidade mais profunda.

Perguntáveis que fazer com a crise de identidade sacerdotal, como lutar contra ela? A propósito, o que vou dizer relativamente aos sacerdotes é algo que todos (bispos, catequistas, consagrados, seminaristas) somos chamados a cultivar e fomentar. Di-lo-ei para todos.

Papa aos jovens: continuem sendo testemunho de paz e reconciliação


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

ENCONTRO INTER-RELIGIOSO COM OS JOVENS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Quinta-feira, 5 de setembro de 2019


Muito obrigado pelas tuas palavras de boas vindas; muito obrigado também por todas e cada uma das representações artísticas que vós realizastes.

Vós me agradecíeis por ter reservado tempo para estar convosco. Que pode haver de mais importante para um pastor do que estar com os seus? Que há de mais importante para um pastor do que encontrar-se com os seus jovens? Vós sois importantes! Precisais de o saber, precisais de acreditar nisto: vós sois importantes! Mas com humildade. Porque não sois apenas o futuro de Moçambique, ou da Igreja e da humanidade; vós sois o presente: com tudo o que sois e fazeis, já estais a contribuir para ele com o melhor que hoje podeis dar. Sem o vosso entusiasmo, os vossos cânticos, a vossa alegria de viver, que seria desta terra? Ver-vos cantar, sorrir, dançar, no meio de todas as dificuldades que viveis – como justamente nos contavas tu – é o melhor sinal de que vós, jovens, sois a alegria desta terra, a alegria de hoje.

A alegria de viver é uma das vossas caraterísticas principais, como se pode sentir aqui! Alegria partilhada e celebrada que reconcilia e se torna no melhor antídoto capaz de desmentir todos aqueles que querem dividir, fragmentar ou contrapor. Como faz falta, nalgumas regiões do mundo, a vossa alegria de viver!

Obrigado por estarem aqui as diferentes confissões religiosas. Obrigado por vos animardes a viver o desafio da paz e a celebrá-la hoje como família que somos, incluindo aqueles que, não fazendo parte de nenhuma tradição religiosa, também estão a participar... Estais a fazer a experiência de que todos somos necessários: com as nossas diferenças, mas necessários. Vós juntos – assim como estais – sois o palpitar deste povo, onde cada qual desempenha um papel fundamental, num único projeto criador, para escrever uma nova página da história, uma página cheia de esperança, paz e reconciliação. Quereis escrever esta página?

Quando entrei, cantavam reconciliação. Repitam? Reconciliação. Reconciliação.

Fizestes-me duas perguntas, mas acho que estão ligadas. Uma delas: Como fazer para que os sonhos dos jovens se tornem realidade? A outra: Como fazer para que os jovens se envolvam nos problemas que afligem o país? Vós, hoje, apontastes-nos o caminho e ensinastes-nos como responder a estas perguntas.

Exprimistes com a arte, com a música, com a riqueza cultural que mencionavas com tanta ufania… exprimistes uma parte dos vossos sonhos e realidades; em todas elas, se mostram modos diferentes de assomar-se ao mundo e fixar o horizonte: sempre com olhos cheios de esperança, cheios de futuro e também de ilusões. Vós, jovens, caminhais com dois pés como os adultos, mas, ao contrário dos adultos que os mantêm paralelos, vós colocais um atrás do outro, pronto a arrancar, a partir. Vós tendes tanta força, sois capazes de olhar com tanta esperança! Sois uma promessa de vida, que traz em si um certo grau de tenacidade (cf. FRANCISCO, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 139), que não deveis perder nem deixar que vo-la roubem.

Como realizar os sonhos, como contribuir para a solução dos problemas do país? Gostaria de vos dizer: não deixeis que vos roubem a alegria. Não deixeis de cantar e expressar-vos de acordo com todo o bem que aprendestes das vossas tradições. Que não vos roubem a alegria! Como vos disse, há muitas maneiras de olhar o horizonte, o mundo, o presente e o futuro. Mas é preciso acautelar-se de duas atitudes que matam os sonhos e a esperança: a resignação e a ansiedade. São grandes inimigas da vida, porque normalmente nos impelem por um caminho fácil, mas de derrota; e a portagem que pedem para passar é muito cara… Paga-se com a própria felicidade e até com a própria vida. Quantas promessas de felicidade vazias, que acabam por mutilar vidas! Certamente conheceis amigos, conhecidos – ou pode mesmo ter acontecido convosco – que, em momentos difíceis, dolorosos, quando parece que tudo lhes cai em cima, ficam prostrados na resignação. É preciso estar muito atento, porque esta atitude «faz com que te encaminhes pela estrada errada. Quando tudo parece estar parado e estagnante, quando os problemas pessoais nos preocupam, as dificuldades sociais não encontram as devidas respostas, não é bom dar-se por vencido» (Ibid., 141).

Repitam: Não é bom dar-se por vencido! Não é bom dar-se por vencido! Sei que a maioria de vós gosta muito de futebol. Recordo um grande jogador destas terras que aprendeu a não se resignar: Eusébio da Silva, a pantera negra. Começou a sua vida desportiva no clube desta cidade. As graves dificuldades económicas da sua família e a morte prematura do seu pai não impediram os seus sonhos; a sua paixão pelo futebol fê-lo perseverar, sonhar e continuar para diante... chegando a marcar 77 golos para este clube de Maxaquene! Não faltavam razões para se resignar…

O seu sonho e vontade de jogar lançaram-no para diante, mas igualmente importante foi encontrar com quem jogar. Bem sabeis que, numa equipa, não são todos iguais, nem fazem as mesmas coisas ou pensam da mesma maneira. Cada jogador tem as suas caraterísticas, como podemos descobrir e desfrutar neste encontro: vimos de tradições diferentes e inclusive podemos falar línguas diversas, mas isto não impediu de nos encontrarmos. Muito se sofreu e continua a sofrer, porque alguns se julgam no direito de determinar quem pode «jogar» e quem deve ficar «fora do campo», e que passam a vida dividindo e contrapondo. Hoje vós, queridos amigos, sois um exemplo e testemunho de como devemos agir. Tu perguntavas-me: Como empenhar-se pelo país? Tal como estais a fazer agora, permanecendo unidos independentemente daquilo que vos possa diferenciar, procurando sempre a oportunidade de realizar os sonhos por um país melhor, mas… juntos. Como é importante não esquecer que «a inimizade social destrói. E uma família destrói-se pela inimizade. Um país destrói-se pela inimizade. O mundo destrói-se pela inimizade. E a inimizade maior é a guerra. E hoje vemos que o mundo se está a destruir pela guerra. Porque são incapazes de se sentar e falar. Sede capazes de criar a amizade social. Não é fácil; sempre é preciso renunciar a qualquer coisa, é preciso negociar, mas, se o fizermos a pensar no bem de todos, podemos fazer a experiência maravilhosa de deixar de lado as diferenças para lutar juntos por um objetivo comum. Quando se consegue encontrar pontos coincidentes no meio de tantas divergências e, com esforço artesanal e por vezes fadigoso, lançar pontes, construir uma paz que seja boa para todos, isso é o milagre da cultura do encontro» (Ibid., 169).

Recordo o provérbio que diz: «Se quiseres chegar depressa, caminha sozinho; se quiseres chegar longe, vai acompanhado». Repito: «Se quiseres chegar depressa, caminha sozinho; se quiseres chegar longe, vai acompanhado». Trata-se sempre de sonhar juntos, como estais a fazer hoje. Sonhai com os outros, nunca contra os outros; sonhai como sonhastes e preparastes este encontro: todos unidos e sem barreiras. Isto faz parte da «nova página da história» de Moçambique.

Jogar juntos ensina-nos que, inimiga dos sonhos e do compromisso, não é apenas a resignação, mas também a ansiedade. Resignação e ansiedade. A ansiedade «pode tornar-se uma grande inimiga, quando leva a render-nos, porque descobrimos que os resultados não são imediatos. Os sonhos mais belos conquistam-se com esperança, paciência e determinação, renunciando às pressas. Ao mesmo tempo, é preciso não se deixar bloquear pela insegurança: não se deve ter medo de arriscar e cometer erros» (Ibid., 142). As coisas mais belas formam-se com o tempo e, se algo não te saiu bem à primeira, não tenhas medo de voltar a tentar, uma vez e outra. Não tenhas medo de te equivocar! Podemos equivocar-nos mil vezes, mas não caiamos no erro de parar porque há coisas que não correram bem à primeira. O pior erro seria abandonar, por causa da ansiedade, os sonhos e a vontade de um país melhor.

Por exemplo, tendes diante dos olhos aquele belo testemunho dado por Maria Mutola, que aprendeu a perseverar, a continuar a tentar, apesar de não ver cumprido o seu anseio da medalha de ouro nos três primeiros Jogos Olímpicos que disputou; sucessivamente, na quarta tentativa, esta atleta dos 800 metros alcançou a sua medalha de ouro nas Olimpíadas de Sidney. A ansiedade não a deixou absorta em si mesma; os seus nove títulos mundiais não a fizeram esquecer-se do seu povo, das suas raízes, mas continuou a olhar pelas crianças necessitadas de Moçambique. Como o desporto nos ensina a perseverar nos nossos sonhos!

Gostaria. Um pouco longo o discurso, não? São educados.

Viagem do Papa à África: Discurso diante das autoridades de Moçambique


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

ENCONTRO COM AS AUTORIDADES, 
O CORPO DIPLOMÁTICO E A SOCIEDADE CIVIL

DISCURSO DO SANTO PADRE
Salão das Índias do Palácio da Ponta Vermelha, Maputo
Quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Senhor Presidente,
Membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Distintas Autoridades,
Representantes da sociedade civil,
Senhoras e Senhores:

Obrigado, Senhor Presidente, pelas suas palavras de boas-vindas bem como pelo amável convite a visitar a nação. Sinto-me feliz por me encontrar novamente na África e iniciar esta viagem apostólica por este país, tão abençoado pela sua beleza natural como pela sua grande riqueza cultural que traz, à provada alegria de viver do vosso povo, a esperança num futuro melhor.

Saúdo cordialmente os membros do Governo, do Corpo Diplomático e os representantes da sociedade civil aqui presentes. Em vós, quero abeirar-me e saudar afetuosamente todo o povo moçambicano, do Rovuma a Maputo, que nos abre as suas portas para alimentar um renovado futuro de paz e reconciliação.

Quero que as minhas primeiras palavras de proximidade e solidariedade sejam dirigidas a todos aqueles sobre quem se abateram recentemente os ciclones Idai e Kenneth, cujas devastadoras consequências continuam a pesar sobre tantas famílias, principalmente nos lugares onde ainda não foi possível a reconstrução, requerendo esta especial atenção. Infelizmente, não poderei ir pessoalmente até junto de vós, mas quero que saibais que partilho a vossa angústia, sofrimento e também o compromisso da comunidade católica para fazer frente a tão dura situação. No meio da catástrofe e da desolação, peço à Providência que não falte a solicitude de todos os atores civis e sociais que, pondo a pessoa no centro, sejam capazes de promover a necessária reconstrução.

Também quero exprimir o reconhecimento, meu e de grande parte da comunidade internacional, pelo esforço que, há decénios, se vem fazendo para que a paz volte a ser a norma, e a reconciliação o melhor caminho para enfrentar as dificuldades e desafios que tendes como nação. Neste espírito e com este propósito, há cerca de um mês assináveis na Serra da Gorongosa o acordo de cessação definitiva das hostilidades militares entre irmãos moçambicanos. Um marco, que saudamos e esperamos decisivo, plantado pelos corajosos na senda da paz que parte daquele Acordo Geral de 1992 [mil novecentos e noventa e dois] em Roma.

Quantas coisas se passaram desde a assinatura do histórico tratado que selou a paz e deu os seus primeiros rebentos! São estes rebentos que sustentam a esperança e dão confiança para não deixar que a maneira de escrever a história seja a luta fratricida, mas a capacidade de se reconhecerem como irmãos, filhos duma mesma terra, administradores dum destino comum. A coragem da paz! Uma coragem de alta qualidade: não a da força bruta e da violência, mas aquela que se concretiza na busca incansável do bem comum (cf. Paulo VI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1973)

Conhecestes o sofrimento, o luto e a aflição, mas não deixastes que o critério regulador das relações humanas fosse a vingança ou a repressão, nem que o ódio e a violência tivessem a última palavra. Como recordava o meu antecessor São João Paulo II [segundo] durante a sua visita ao vosso país em 1988 [mil novecentos e oitenta e oito], com a guerra «muitos homens, mulheres e crianças sofrem por não terem casa onde habitar, alimentação suficiente, escolas onde se instruir, hospitais para tratar a saúde, igrejas onde se reunir para rezar e campos onde empregar as forças de trabalho. Muitos milhares de pessoas são forçadas a deslocar-se à procura de segurança e de meios para sobreviver; outras refugiam-se nos países vizinhos. (...) Não à violência e sim à paz!» (Discurso de Chegada, 16 de setembro de 1988, n. 3).

Ao longo de todos estes anos, experimentastes que a busca da paz duradoura – uma missão que envolve a todos – exige um trabalho árduo, constante e sem tréguas, pois a paz é «como uma flor frágil, que procura desabrochar por entre as pedras da violência» (Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 2019) e, por isso, requer que se continue a afirmar com determinação mas sem fanatismo, com coragem mas sem exaltação, com tenacidade mas de maneira inteligente: não à violência que destrói, sim à paz e à reconciliação.

CNBB reage a críticas e defende Sínodo da Amazônia


A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou no domingo 1º uma campanha nas redes sociais e em veículos de comunicação católicos em defesa do papa Francisco e do Sínodo da Amazônia. A intenção é rebater críticas de dentro e de fora da Igreja ao encontro marcado para outubro em Roma. A campanha foi divulgada com duas frases para marcar o conteúdo nas redes sociais: #euapoioosínodo e #euapoioopapa.

CNBB e Rede Eclesial Pan-Amazônica vão distribuir vídeos com depoimentos de bispos e uma série documental gravada durante a preparação do Sínodo. A entidade quer que as TVs católicas de todo o país produzam conteúdo próprio em defesa do Sínodo e do pontífice.

O Sínodo da Amazônia é uma resposta do papa Francisco às queimadas e ao desmatamento na Amazônia. Segundo ele, “o objetivo principal desta convocação é identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno, também por causa da crise da Floresta Amazônica, pulmão de capital importância para nosso planeta.”