quarta-feira, 28 de março de 2018

"Jesus Cristo é o único que nos justifica e nos faz renascer, nenhum outro", diz Papa



CATEQUESE DO PAPA FRANCISCO
Praça São Pedro – Vaticano
Quarta-feira, 28 de março de 2018

O Tríduo Pascal

Caros irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje gostaria de fazer uma pausa para meditar sobre o Tríduo Pascal, que começa amanhã, para aprofundar um pouco o que os dias mais importantes do ano litúrgico representam para nós crentes. Eu gostaria de fazer a vocês uma pergunta: qual festa é a mais importante de nossa fé: Natal ou Páscoa?  A Páscoa porque é a festa da nossa salvação, a festa do amor de Deus por nós, a festa, a celebração da sua morte e ressurreição. E por isso eu gostaria de refletir com vocês sobre esta festa, sobre estes dias que são dias pascais até a Ressurreição do Senhor. Estes dias constituem a memória celebrativa de um grande mistério: a morte e ressurreição do Senhor Jesus. O Tríduo começa amanhã, com a Missa da Ceia do Senhor e terminará com as vésperas do Domingo da Ressurreição. 

Depois vem a “Pascoela” para celebrar esta grande festa: mais um dia. Mas isso é pós-litúrgico: é a festa da família, é a festa da sociedade. Marca as etapas fundamentais da nossa fé e da nossa vocação no mundo. Todos os cristãos são chamados a viver os três dias santos – quinta-feira, sexta-feira, sábado; e o domingo – entende-se -, mas o sábado é a ressurreição – os três dias santos como, por assim dizer, a “matriz” de sua vida pessoal, de sua vida comunitária, como nossos irmãos judeus viveram o êxodo de Egito. Esses três dias propõem ao povo cristão os grandes eventos da salvação operados por Cristo, e assim o projetam no horizonte de seu destino futuro e o fortalecem em seu compromisso de testemunha na história.

Na manhã da Páscoa, refazendo os passos experimentados no Tríduo, o Cântico da Sequência, que é um hino ou uma espécie de Salmo, fará ressoar solenemente o anúncio da ressurreição; ele diz assim: “Cristo, nossa esperança, ressuscitou e nos precede na Galiléia”. Esta é a grande afirmação: Cristo ressuscitou. E em muitos povos do mundo, especialmente no Leste da Europa, as pessoas saúdam nestes dias pascais não com “bom dia”, “boa tarde” mas com “Cristo ressuscitou” para afirmar a grande saudação de Páscoa. “Cristo ressuscitou”. Nestas palavras – “Cristo ressuscitou” – de comovente exultação culmina o Tríduo. Eles contêm não apenas um anúncio de alegria e esperança, mas também um apelo à responsabilidade e à missão. E isso não termina com a colomba pascal, os ovos, as festas – mesmo que isso seja belo porque é a festa da família – mas não termina assim. Começa ali o caminho para a missão, para o anúncio: Cristo ressuscitou. E este anúncio, para o qual o Tríduo nos prepara para recebê-lo, é o centro da nossa fé e da nossa esperança, é o núcleo, é o anúncio, é – a palavra difícil, mas que diz tudo – é o kerygma, que Ele continuamente evangeliza a Igreja e esta, por sua vez, é enviada para evangelizar.  

terça-feira, 27 de março de 2018

Famoso ateu reconhece que não se deve celebrar uma Europa menos cristã


O cientista ateu Richard Dawkins advertiu em sua conta no Twitter que não se deve celebrar uma Europa menos cristã, porque é necessário estar alerta “por medo de encontrar algo pior”.

“Antes de nos alegrarmos pelas agonias da relativamente benigna religião cristã, não nos esqueçamos da frase ameaçadora de Hilaire Belloc: ‘Mantenha a enfermeira sempre por perto: por medo de encontrar algo pior’”, escreveu em sua conta no Twitter.

Dawkins fez esta advertência ao citar um artigo do ‘The Guardian’ que fala sobre o surgimento de uma Europa não cristã, que tem como referência o estudo “Jovens adultos da Europa e a religião”. Este revela a diminuição da porcentagem daqueles que se consideram católicos em vários países, especialmente na França (23%) e no Reino Unido (10%).

Do mesmo modo, embora o estudo assinale que os jovens católicos ainda são maioria em países como a Polônia e a Irlanda, com 82% e 54%, respectivamente, também adverte a respeito do aumento daqueles que não seguem nenhuma religião e dos jovens muçulmanos.

Stephen Bullivant, professor de teologia e religião na Universidade de St. Mary, em Londres, e responsável pelo estudo, disse ao ‘The Guardian’ que “a taxa de natalidade muçulmana é maior do que da população em geral e têm taxas de retenção (religiosa) muito maiores”.

Vaticano propõe à China uma Igreja plenamente católica e autenticamente chinesa


A Santa Sé propõe uma Igreja “plenamente católica e autenticamente chinesa” para a normalização da presença católica na China.

Assim explicou Dom Paul Richard Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados, durante a sessão de inauguração da Conferência Internacional “Cristianismo na China. Impacto, interação e inculturação”, que aconteceu na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, nos dias 22 e 23 de março.

Em seu discurso, Dom Gallagher explicou que “a missão da Igreja na China de hoje é ser ‘plenamente católica e autenticamente chinesa’, colocando o Evangelho de Jesus à disposição de todos e colocando-o a serviço do bem comum”.

Recordou que, “ao longo do tempo, as relações entre a China e a Igreja Católica passaram por diferentes fases, passando por momentos de cooperação frutuosa a outros momentos de grande incompreensão e hostilidade, levando às vezes, a situações nas quais a comunidade de fiéis vivia grandes sofrimentos”.

Entretanto, “observando cuidadosamente as questões, o método que no passado tornou possível um encontro frutífero entre o ‘mundo cristão’ e o ‘mundo chinês’ foi o encontro da inculturação da fé mediante a experiência concreta de conhecimento, cultura artística e amizade com o povo chinês”.

“Ao considerar a missão e a reflexão teológica, é necessário destacar duas expressões ou, mais exatamente, dois princípios que deveriam interagir entre si: a ‘chinização’ e ‘inculturação’”.

Explicou que, “a partir destas duas visões, deveria ser possível estabelecer as coordenadas de uma autêntica presença cristã na China, que poderia apresentar a natureza especial e a novidade do Evangelho em um contexto profundamente enraizado na identidade específica da milenar cultura chinesa”.

Dom Gallagher quis “recordar com profunda admiração a contribuição extraordinária que muitos jesuítas deram ao longo dos séculos para a redescoberta da cultura chinesa, permitindo-nos passar do impacto inicial com um mundo tão distante ao encontro com o patrimônio científico, técnico, filosófico e moral do Ocidente”.

Nesse sentido, destacou dois perigos a serem evitados no trabalho da Igreja na China: “proselitismo” e “proclamação abstrata da fé”. Porque “também na China, Deus já está presente e ativo na cultura e na vida do povo chinês”.

A semente do Evangelho “produz seus frutos, dando sustento e assumindo as características próprias da cultura local na qual é semeada”, concluiu.

7 grandes razões para se confessar amanhã mesmo (e sempre!)


No Instituto Gregoriano do Colégio Beneditino, nós consideramos que está na hora de os católicos promoverem imaginativa e vigorosamente a confissão. E não somos nós que estamos dizendo isso: "A renovação da Igreja na América depende da renovação da prática da penitência", disse-nos o papa Bento XVI no National Stadium, em Washington.

O papa João Paulo II passou os últimos anos da sua vida na terra pedindo que os católicos retornassem à confissão, inclusive mediante um documento “motu proprio” urgente e através da encíclica sobre a Eucaristia.



Ele chamou a crise na Igreja de “crise da confissão” e escreveu aos sacerdotes: "Sinto a necessidade premente de exortá-los, como fiz no ano passado, a redescobrir para si mesmos e ajudar os outros a redescobrirem a beleza do sacramento da reconciliação".

Por que toda essa importância dedicada à confissão?

Porque quando fugimos dela, nós perdemos o senso do pecado. E a perda do senso do pecado é a raiz de muitos males do nosso tempo, do abuso de crianças à desonestidade financeira, do aborto ao ateísmo.



Como, então, promover novamente a confissão?

Sugiro 7 motivos, tanto naturais quanto sobrenaturais, para voltarmos à confissão:



1. Porque o pecado impõe um fardo sobre as nossas costas.


Um terapeuta conta a história de um paciente que passava por um ciclo terrível de depressão e de repulsa por si mesmo desde o ensino médio. Nada parecia ajudá-lo. Um dia, o terapeuta encontrou o paciente na frente de uma igreja católica. Eles entraram na igreja porque tinha começado a chover e viram uma fila de pessoas indo ao confessionário.


"Será que eu não devia ir também?", perguntou o paciente, que tinha recebido o sacramento quando criança. "Não!", respondeu o terapeuta.


O paciente foi assim mesmo. Saiu do confessionário com seu primeiro sorriso em anos e começou um processo de melhora que se prolongou durante as semanas seguintes. O terapeuta começou a estudar mais sobre a confissão, se converteu ao catolicismo e hoje aconselha a confissão regular a todos os seus pacientes católicos.


O pecado nos leva à depressão porque não é apenas uma violação arbitrária de regras: é uma violação da finalidade proposta por Deus ao nosso próprio ser. A confissão elimina a culpa e a ansiedade causadas pelo pecado e nos traz a cura.

2. Porque o pecado nos vicia.

Aristóteles disse: "Nós somos o que fazemos repetidamente". O Catecismo diz: "O pecado cria uma propensão ao pecado". As pessoas não apenas mentem: elas se tornam mentirosas. Nós não apenas roubamos: nós nos tornamos ladrões. O pecado vicia. A ruptura com o pecado nos redefine, permitindo que iniciemos novos hábitos de virtude.

"Deus está determinado a libertar os seus filhos da escravidão e conduzi-los à liberdade", disse o papa Bento XVI. "E a escravidão pior e mais profunda é a do pecado".

3. Porque precisamos desabafar.

Se você quebra um objeto de grande valor afetivo pertencente a um amigo, você nunca ficará satisfeito só com o fato de sentir remorso. Você se sentiria obrigado a explicar a ele o que fez, expressar a sua tristeza e fazer o que for necessário para consertar o estrago.


Acontece o mesmo quando “quebramos” algo em nosso relacionamento com Deus. Precisamos dizer a Ele que sentimos muito e tentar corrigir o erro.



O papa Bento XVI nos lembra que nós temos que sentir a necessidade de confessar os nossos pecados, mesmo que eles não sejam graves. "Nós limpamos as nossas casas, os nossos quartos, pelo menos uma vez por semana, embora a sujeira seja sempre a mesma, para vivermos na limpeza, para começarmos de novo", disse ele. "Podemos dizer algo semelhante quanto à nossa alma".


4. Porque a confissão nos ajuda a nos conhecer.

Nós nos enxergamos, normalmente, de um jeito errado. A nossa opinião sobre nós mesmos é como uma série de espelhos distorcidos. Às vezes, vemos uma versão maravilhosa e imponente de nós mesmos. Às vezes, vemos uma versão grotesca.


A confissão nos obriga a olhar para as nossas vidas objetivamente, a separar os verdadeiros pecados dos sentimentos ruins e a nos vermos como realmente somos.


O papa Bento XVI afirmou: "A confissão nos ajuda a ter uma consciência mais alerta, mais aberta e, portanto, também nos ajuda a amadurecer espiritualmente e como pessoas humanas".

É proibido ouvir confissões na Sexta-feira e no Sábado Santo?

Na Sexta-feira e no Sábado Santo, “segundo antiquíssima tradição, a Igreja não celebra de forma alguma os sacramentos”. Mas e quanto aos sacramentos de cura?

Vê-se, todos os anos, muita confusão a respeito da possibilidade da administração das confissões durante a Sexta-Feira e o Sábado Santos.

Alguns sacerdotes, inclusive especialistas em liturgia, afirmam erroneamente que as rubricas do Missal proíbem a celebração do sacramento da Penitência durante a Sexta-Feira e o Sábado Santos.

No entanto, esta afirmação é incorreta.

Eis o que o Missal realmente diz.

As edições de 1970 e de 1975 do Missale Romanum (Novus Ordo) (usando a linguagem tradicional usada pelo Papa Inocêncio III, † 1216) afirmam o seguinte a respeito da Sexta-Feira e do Sábado Santos: Hac et sequenti die, Ecclesia, ex antiquissima traditione, sacramenta penitus non celebrat (Hoje e amanhã, segundo antiquíssima tradição, a Igreja não celebra os sacramentos — pg. 254 da edição da Paulus).

No entanto, já que se trata de um Missal (ou seja, de um livro para a celebração da Missa), sacramento refere-se apenas à Eucaristia, Santa Missa e não aos outros sacramentos. A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos esclareceu esta rubrica em sua revista oficial Notitiae [1977 – no. 137 (Dezembro) p. 602].

Na edição de 2002 do Missale Romanum, no mesmo parágrafo a dúvida foi sanada. Assim foi modificado o texto citado acima (a ênfase é minha):

Hac et sequenti die, Ecclesia, ex antiquissima traditione, sacramenta, praeter Paenitentiae et Infirmorum Unctionis, penitus non celebrat…

(Hoje e amanhã, segundo antiquíssima tradição, a Igreja não celebra de forma alguma os sacramentos, exceto os da Penitência e da Unção dos Enfermos.)

segunda-feira, 26 de março de 2018

Por que não se pode comer carne vermelha na Sexta-Feira Santa?


Abster-se de carne e jejuar na sexta-feira é uma prática plurissecular da Igreja e tem argumentos fortes em seu favor. O primeiro deles é que todos os cristãos precisam levar uma vida de ascese. Esta é uma regra básica da espiritualidade cristã.

Por meio de tal prática é que se pode alcançar com frutos a virtude da temperança, definida pelo Catecismo da Igreja Católica como sendo a "virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados". Ela assegura o "domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade".

Santo Tomás de Aquino diz que o “jejum foi estabelecido pela Igreja para reprimir as concupiscências da carne, cujo objeto são os prazeres sensíveis da mesa e das relações sexuais”. Importante recordar que, na época de Santo Tomás, a disciplina exigia esta prática não só na sexta-feira, mas também na quarta e, além da carne, englobava os ovos e os laticínios.

Historicamente, fazer da sexta-feira um dia penitencial é algo que afunda suas raízes na época apostólica.

A Didaqué, uma espécie de catecismo dos primeiros cristãos, dá conta de que o jejum era feito na quarta e na sexta-feira. A Igreja do Oriente, inclusive, permanece com esse costume.

Os Santos Padres também incentivaram sobremaneira este hábito que acabou se consolidando. No entanto, na Idade Média, o Papa Nicolau I, no século IX, instituiu como lei aquilo que era somente um costume. E, assim, a penitência passou a ser obrigatória para todos os cristãos a partir da idade da razão (sete anos).

Ainda no período medieval, em honra à Nossa Senhora, as pessoas passaram a jejuar também aos sábados. Deste modo, o domingo, grande Dia do Senhor, era precedido por dois dias de penitência, em preparação à Páscoa semanal.

O jejum é uma tradição que surgiu na Idade Antiga e se consolidou na Idade Média, época em que pessoas humildes raramente provavam carne.

Na época, o povo vivia em terras alheias e a carne vermelha era consumida só em banquetes, nas cortes e nas residências dos nobres. Ela tornou-se, então, símbolo da gula, associado ao pecado. Dessa forma, a Igreja orientava os fiéis a comerem carne à vontade antes da quaresma – o que deu origem aos banquetes chamados “carne vale” e ao nosso carnaval – e depois se absterem de carne, durante os 40 dias que antecediam a Páscoa. O peixe não chegou a entrar na lista da abstinência porque sua presença era irrelevante nos banquetes medievais.

Como a Igreja tem seus altos e baixos, tal costume se arrefeceu com o tempo e, inclusive, os fiéis passaram a se questionar acerca da obrigatoriedade da abstinência na sexta e se a não observância desse preceito se constituía um pecado mortal ou leve. Diante disso, o Papa Inocente III, no século XIII, decretou que realmente é pecado grave. E no século XVII, o Papa Alexandre VII anatematizou quem dissesse que não era pecado grave.

Essa foi a disciplina até 1983, quando houve a promulgação do novo Código de Direito Canônico. No cânon 1251, lemos que é obrigatório fazer “abstinência de carne ou de outro alimento [...] em todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades”. Com relação a este cânon, a CNBB afirma que o fiel católico brasileiro pode substituir a abstinência de carne por uma obra de caridade, um ato de piedade ou ainda trocar a carne por um outro alimento.

A orientação atual é que os católicos se abstenham na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa. Pessoas enfermas, idosas e crianças são isentas dessa orientação, conforme o cânon 1252 do mesmo Código.

domingo, 25 de março de 2018

No Domingo de Ramos, Papa adverte sobre contradições na fé


CELEBRAÇÃO DO DOMINGO DE RAMOS
NA PAIXÃO DO SENHOR

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

Praça São Pedro
XXXIII Jornada Mundial da Juventude
Domingo, 25 de março de 2018

Jesus entra em Jerusalém. A liturgia convidou-nos a intervir e participar na alegria e na festa do povo que é capaz de aclamar e louvar o seu Senhor; alegria que esmorece, dando lugar a um sabor amargo e doloroso depois que acabamos de ouvir a narração da Paixão. Nesta celebração, parecem cruzar-se histórias de alegria e sofrimento, de erros e sucessos que fazem parte da nossa vida diária como discípulos, porque consegue revelar sentimentos e contradições que hoje em dia, com frequência, aparecem também em nós, homens e mulheres deste tempo: capazes de amar muito... mas também de odiar (e muito!); capazes de sacrifícios heroicos mas também de saber «lavar-se as mãos» no momento oportuno; capazes de fidelidade, mas também de grandes abandonos e traições.

Vê-se claramente em toda a narração evangélica que, para alguns, a alegria suscitada por Jesus é motivo de fastídio e irritação.

Jesus entra na cidade rodeado pelos seus, rodeado por cânticos e gritos rumorosos. Podemos imaginar que são a voz do filho perdoado, a do leproso curado ou o balir da ovelha extraviada que ressoam, intensamente e todos juntos, nesta entrada. É o cântico do publicano e do impuro; é o grito da pessoa que vivia marginalizada da cidade. É o grito de homens e mulheres que O seguiram, porque experimentaram a sua compaixão à vista do sofrimento e miséria deles... É o cântico e a alegria espontânea de tantos marginalizados que, tocados por Jesus, podem gritar: «Bendito seja o que vem em nome do Senhor!» (Mc 11, 9). Como deixar de aclamar Aquele que lhes restituíra a dignidade e a esperança? É a alegria de tantos pecadores perdoados que reencontraram ousadia e esperança. E eles gritam. Rejubilam. É a alegria.

Estas aclamações de alegria aparecem incômodas e tornam-se absurdas e escandalosas para aqueles que se consideram justos e «fiéis» à lei e aos preceitos rituais [cf. R. Guardini, Il Signore (Brescia-Milão 2005), 344-345]. Uma alegria insuportável para quantos reprimiram a sensibilidade face à angústia, ao sofrimento e à miséria. Mas, destes, muitos pensam: «Olha que povo mal educado!» Uma alegria intolerável para quantos perderam a memória e se esqueceram das inúmeras oportunidades por eles usufruídas. Como é difícil, para quem procura justificar-se e salvar-se a si mesmo, compreender a alegria e a festa da misericórdia de Deus! Como é difícil, para quantos confiam apenas nas suas próprias forças e se sentem superiores aos outros, poder compartilhar esta alegria! (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 94).

E daqui nasce o grito da pessoa a quem não treme a voz para bradar: «Crucifica-O!» (Mc 15, 13). Não é um grito espontâneo, mas grito pilotado, construído, que se forma com o desprezo, a calúnia, a emissão de testemunhos falsos. É o grito que nasce na passagem dos fatos à sua narração, nasce da narração. É a voz de quem manipula a realidade criando uma versão favorável a si próprio e não tem problemas em «tramar» os outros para ele mesmo se ver livre. Trata-se duma [falsa] narração. O grito de quem não tem escrúpulos em procurar os meios para reforçar a sua posição e silenciar as vozes dissonantes. É o grito que nasce de «maquilhar» a realidade, pintando-a de tal maneira que acabe por desfigurar o rosto de Jesus fazendo-O aparecer como um «malfeitor». É a voz de quem deseja defender a sua posição, desacreditando especialmente quem não se pode defender. É o grito produzido pelas «intrigas» da autossuficiência, do orgulho e da soberba, que proclama sem problemas: «crucifica-O, crucifica-O!»

E deste modo, no fim, silencia-se a festa do povo, destrói-se a esperança, matam-se os sonhos, suprime-se a alegria; deste modo, no fim, blinda-se o coração, resfria-se a caridade. É o grito do «salva-te a ti mesmo» que pretende adormecer a solidariedade, apagar os ideais, tornar insensível o olhar... O grito que pretende cancelar a compaixão, aquele «padecer com», a compaixão, que é o «ponto fraco» de Deus.

sexta-feira, 23 de março de 2018

5ª Pregação da Quaresma 2018: "Usemos as armas da luz - A pureza cristã".



"USEMOS AS ARMAS DA LUZ - A PUREZA CRISTÃ"

Em nosso comentário à parênese da Carta aos Romanos, chegamos ao ponto em que se diz:

"A noite vai adiantada, e o dia vem chegando. Despojemo-nos das obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz. Comportemo-nos honestamente, como em pleno dia: nada de orgias, nada de bebedeira; nada de desonestidades nem dissoluções; nada de contendas, nada de ciúmes. Ao contrário, revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não façais caso da carne nem lhe satisfaçais aos apetites" (Rm 13,12-14).

Santo Agostinho, nas Confissões, nos diz o lugar que esta passagem teve em sua conversão. Ele já havia alcançado uma quase completa adesão à fé; as suas objeções haviam sido aniquiladas uma após a outra e a voz de Deus se tornara cada vez mais urgente. Mas havia uma coisa que o detinha: o medo de não ser capaz de viver casto. Ele vivia, como sabemos, com uma mulher sem ser casado.

Estava no jardim da casa que o abrigava, nas garras dessa luta interior e com lágrimas nos olhos, quando, de uma casa próxima, ouviu uma voz, como um menino ou menina, que repetia: "Tolle, lege!, Pegue, leia; pegue, leia!". Ele interpretou estas palavras como um convite de Deus e, tendo ao alcance das mãos o livro das Epístolas de São Paulo, abriu-o ao acaso, determinado a considerar como vontade de Deus a primeira frase em que seu olhar se fixasse.

A palavra em que seu olhar caiu foi, de fato, aquela da Carta aos Romanos que acabamos de mencionar. Uma luz de segurança brilhou dentro dele (lux securitatis), o que fez desaparecer toda a escuridão da incerteza. Ele sabia agora que, com a ajuda de Deus, poderia ser casto[1].

As coisas que o Apóstolo, naquela passagem, chama “obras das trevas” são as mesmas que em outros lugares define "desejos, ou obras, da carne" (cf. Rm 8,13; Gl 5,19) e as coisas que chama "armas da luz" são as mesmas que em outros lugares chama de "obras do Espírito", ou "frutos do Espírito" (cf. Gl 5, 22). Entre essas obras da carne é enfatizada, com dois termos (koite e aselgeia), a devassidão sexual, à qual se opõe a arma da luz que é a pureza.

O Apóstolo não se ocupa, no presente contexto, em falar desse aspecto da vida cristã; mas da lista dos vícios, colocada no início da Carta (cf. Rm 1, 26ss), sabemos quão importante era isso para os seus olhos. São Paulo estabelece uma ligação muito estreita entre pureza e santidade e entre pureza e Espírito Santo:

"Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que eviteis a impureza; que cada um de vós saiba possuir o seu corpo santa e honestamente, sem se deixar levar pelas paixões desregradas, como os pagãos que não conhecem a Deus; e que ninguém, nesta matéria, oprima nem defraude a seu irmão, porque o Senhor faz justiça de todas estas coisas, como já antes vo-lo temos dito e asseverado. Pois Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santidade. Por conseguinte, desprezar estes preceitos é desprezar não a um homem, mas a Deus, que nos deu o seu Espírito Santo." (1 Ts 4, 3-8)

Por isso, procuremos reunir esta última "exortação" da palavra de Deus, aprofundando o fruto do Espírito que é a pureza.

1. As motivações cristãs da pureza

Na Carta aos Gálatas, São Paulo escreve: "O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio" (Gl 5, 22). O termo grego original, que traduzimos com "autodomínio” é enkrateia e tem uma gama muito ampla de significados; pode-se exercer, de fato, o domínio de si no comer, no falar, no controle da ira, etc.

Aqui, porém, como nos demais, quase sempre no Novo Testamento, isso significa o domínio de si em uma esfera bem precisa da pessoa, ou seja, no âmbito da sexualidade. Deduzimos isso do fato de que, pouco acima, elencando as “obras da carne”, o Apóstolo chama porneia , ou seja, impureza, aquilo que se opõe ao domínio de si (é o mesmo termo do qual deriva “pornografia”!).

Nas traduções modernas da Bíblia, o termo porneia é traduzido ora como prostituição, ora como impureza, ora como fornicação ou adultério, e ora como outros vocábulos. A ideia de fundo, contida no termo é, todavia, aquela de “vender-se”, de alienar o próprio corpo, portanto, de prostituir-se (pernemi, em grego, significa “me vendo”).

Usando este termo para indicar quase todas as manifestações de desordem sexual, a Bíblia diz que todo pecado de impureza é, em certo sentido, um prostituir-se, um vender-se.

Os termos usados ​​por São Paulo nos dizem, portanto, que são possíveis, com relação ao nosso próprio corpo e a própria sexualidade, duas atitudes opostas, uma atitude do Espírito e a outra obra da carne; uma, virtude e a outra vício.

A primeira atitude é conservar o controle de si e do próprio corpo; a segunda é, pelo contrário, vender ou alienar o próprio corpo, ou seja, dispor da sexualidade à vontade, para fins utilitaristas e diversos daqueles para os quais foi criada; um transformar o ato sexual em um ato venal, mesmo que o útil em questão não seja sempre constituído pelo dinheiro, como no caso da prostituição verdadeira e real, mas também pelo prazer egoísta como um fim em si mesmo.

Quando falamos da pureza e da impureza em simples listas de virtudes ou de vícios, sem aprofundar a matéria, a linguagem do Novo Testamento não é muito diferente da linguagem dos moralistas pagãos, por exemplo, dos Estoicos.

Até os moralistas pagãos exaltavam o domínio de si, mas somente em função da quietude interior, da impassividade (apatheia), do autodomínio; a pureza era governada, para eles, pelo princípio da "reta razão".

Na realidade, porém, dentro desses velhos vocabulários pagãos, existe um conteúdo totalmente novo que brota, como sempre, do querigma. Isso já é visível em nosso texto, onde a devassidão é contraposta, de modo muito significativo, como seu contrário, do “revestir-se do Senhor Jesus Cristo”.

Os primeiros cristãos foram capazes de compreender este conteúdo novo, porque isso era objeto específico de catequese em outros contextos.

Vamos agora examinar uma dessas catequeses específicas sobre pureza, para descobrir o verdadeiro conteúdo e as verdadeiras motivações cristãs dessa virtude que derivam do evento pascal de Cristo. Trata-se do texto de 1 Cor 6, 12-20. Parece que os Coríntios - talvez deturpando uma frase do Apóstolo - alegassem o princípio: "tudo me é lícito", para justificar também os pecados da impureza.

Na resposta do Apóstolo está contida uma motivação absolutamente nova da pureza que brota do mistério de Cristo. Não é lícito - diz ele – entregar-se à impureza (porneia), não é lícito vender-se, ou dispor de si à vontade, pelo simples fato de que nós não nos pertencemos mais, não somos nossos, mas de Cristo. Não se pode dispor do que não é nosso: "Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo [...] e que não pertenceis a vós mesmos?" (1 Cor 6, 15.19).

A motivação pagã é, em certo sentido, invertida; o valor supremo a ser salvaguardado não é mais o domínio de si, mas o “não domínio de si”. “O corpo não é para a impureza, mas para o Senhor!” (1 Cor 6, 13): a motivação última da pureza é, portanto, que “Jesus é o Senhor!”. A pureza cristã, em outras palavras, não consiste tanto em estabelecer o domínio da razão sobre os instintos, mas em estabelecer o domínio de Cristo sobre toda a pessoa, razão e instintos.

Esta motivação cristológica da pureza torna-se mais convincente com aquilo que São Paulo acrescenta no mesmo texto: não somos apenas genericamente “de” Cristo, como sua propriedade ou sua coisa; nós somos o próprio corpo de Cristo, os seus membros! Isso torna tudo imensamente mais delicado, porque significa que, ao cometer a impureza, eu prostituo o corpo de Cristo, realizo uma espécie de sacrilégio odioso; uso da "violência" ao corpo do Filho de Deus. Diz o Apóstolo: "Tomarei então os membros de Cristo e torná-los-ei membros de uma prostituta?" (1 Cor 6, 15).

A esta motivação cristológica, acrescenta-se em seguida aquela pneumatológica, isto é, relativa ao Espírito Santo: "Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que está em vós?" (1 Cor 6, 19). Abusar do próprio corpo é, portanto, profanar o templo de Deus; mas se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá (cf. 1 Cor 3, 17). Cometer impureza é "entristecer o Espírito Santo de Deus" (cf. Ef 4, 30).

Juntamente com as motivações cristológicas e pneumatológicas, o Apóstolo também menciona uma motivação escatológica, que se refere ao destino final do homem: "Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos ressuscitará" (1 Cor 6, 14). O nosso corpo está destinado à ressurreição; está destinado a participar, um dia, na bem-aventurança e na glória da alma. A pureza cristã não se baseia no desprezo do corpo, mas, ao contrário, na grande estima de sua dignidade.

O Evangelho - diziam os Padres da Igreja ao combater os gnósticos - não prega a salvação "de" carne, mas a salvação "da" carne. Aqueles que consideram o corpo um "traje estrangeiro", destinado a ser abandonado aqui, não possuem os motivos que o cristão tem para mantê-lo imaculado.

O Apóstolo conclui a sua catequese sobre a pureza com o convite apaixonado: "Glorificai, pois, Deus no vosso corpo" (1 Cor 6, 20). O corpo humano é, portanto, para a glória de Deus e expressa essa glória quando a pessoa vive a própria sexualidade e toda a sua corporeidade em obediência amorosa à vontade de Deus, que é como dizer: em obediência ao próprio sentido da sexualidade, à sua natureza intrínseca e originária que não é aquela de vender-se, mas aquela de doar-se.

Tal glorificação de Deus através do seu próprio corpo não exige necessariamente a renúncia ao exercício da própria sexualidade. No capítulo imediatamente seguinte, isto é, em 1 Cor 7, São Paulo explica, de fato, que tal glorificação de Deus é expressa de duas maneiras e em dois carismas diferentes: ou através do casamento, ou através da virgindade. Glorifica a Deus em seu corpo a virgem e o celibatário, mas também o glorifica quem se casa, desde que todos vivam as exigências do próprio estado.