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domingo, 19 de março de 2023

I Pregação da Quaresma: “Renovar a novidade”


“IPSA NOVITAS INNOVANDA EST”
Renovar a novidade
Primeira Pregação, Quaresma de 2023

A história da Igreja do final do século XIX e início do século XX nos deixou uma amarga lição, que não deveríamos esquecer para não repetir o erro que a provocou. Falo do atraso (antes, da recusa) em se dar conta das mudanças ocorridas na sociedade, e da crise do Modernismo, que foi a sua consequência.

Quem estudou, mesmo superficialmente, aquele período, conhece o dano que daí acarretou tanto para um lado quanto para o outro, isto é, seja para a Igreja, seja para os chamados “modernistas”. A falta de diálogo, por um lado, levou alguns dos mais conhecidos modernistas a posições sempre mais extremas e por terminar claramente hereticais; por outro, privou a Igreja de enormes energias, provocando lacerações e sofrimentos sem sim em seu interior, fazendo-a debruçar sempre mais sobre si mesma e perder o passo com os tempos.

O Concílio Vaticano II foi a iniciativa profética para recuperar o tempo perdido. Ele realizou uma renovação, que, certamente, não é o caso de ilustrar novamente nesta sede. Mais do que seus conteúdos, interessa-nos, neste momento, o método inaugurado por ele, que é o de caminhar na história, ao lado da humanidade, buscando discernir os sinais dos tempos.

A história e a vida da Igreja não se detiveram com o Vaticano II. Cuidado ao fazer dele o que se tentou fazer com o Concílio de Trento, ou seja, uma linha de chegada e uma meta imóvel. Se a vida da Igreja se detivesse, seria como acontece a um rio, que chega a uma barreira: transformar-se-ia, inevitavelmente, em um pântano ou um brejo.

“Não se deve pensar – escrevia Orígenes no III século – que seja o bastante sermos renovados apenas uma vez; é preciso renovar a própria novidade: ‘Ipsa novitas innovanda est’”[1]. Antes dele, o recém-Doutor da Igreja Santo Irineu escrevera: A verdade revelada é “como um precioso licor contido em um valioso vaso. Por obra do Espírito Santo, ela rejuvenesce continuamente e faz rejuvenescer também o vaso que a contém”[2]. O “vaso” que contém a verdade revelada é a tradição viva da Igreja. O “precioso licor” é, em primeiro lugar, a Escritura, mas a Escritura lida na Igreja que, é a definição mais justa da Tradição. O Espírito é, pela sua natureza, novidade. O Apóstolo exorta os batizados a servirem a Deus “na novidade do Espírito e não na velhice da letra” (Rm 7,6).

Não apenas a sociedade não se deteve ao tempo do Vaticano II, mas sofre uma aceleração vertiginosa. As mudanças que um tempo ocorriam em um ou dois séculos, hoje ocorrem em uma década. Esta necessidade de contínua renovação não é outra coisa senão a necessidade de contínua conversão, estendida desde o fiel, individualmente, até Igreja inteira, em sua componente humana e histórica. A “Ecclesia semper reformanda”. O verdadeiro problema, portanto, não está na novidade; está mais no modo de encará-la. Explico-me. Toda novidade e toda mudança se encontram diante de uma encruzilhada; pode levar a duas estradas opostas: ou a do mundo, ou a de Deus; ou o caminho da morte ou caminho da vida. A Didaqué, um escrito redigido enquanto vivia ao menos um dos doze apóstolos, já ilustrava aos fiéis estes dois caminhos.

Agora temos um meio infalível para tomar sempre o caminho da vida e da luz: o Espírito Santo. É a certeza que Jesus deu aos apóstolos antes de deixá-los: “E eu pedirei ao Pai, e ele vos dará um Paráclito, para que permaneça sempre convosco” (Jo 14,16). E ainda: “O Espírito da Verdade, então ele vos guiará a toda a Verdade” (Jo 16,13). Não fará tudo de uma vez, ou de uma vez por todas, mas à medida que as situações se apresentarem. Antes de deixá-los definitivamente, no momento da Ascensão, o Ressuscitado assegura novamente aos seus discípulos a assistência do Paráclito: “Recebereis – diz – a força do Espírito Santo que virá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, até os confins da terra” (At 1,8).

domingo, 25 de outubro de 2020

O Papa Francisco não mudou o ensino da Igreja sobre o casamento


Há menos nos comentários do Santo Padre do que aparenta, mas continua a ser uma declaração impactante, contudo o que significa exatamente permanece obscuro.

As manchetes globais informando que o Papa Francisco é a favor das uniões civis para casais do mesmo sexo apresentaram os comentários do Santo Padre como uma mudança dramática no ensino da Igreja Católica sobre as relações homossexuais. Há menos aqui do que aparenta, mas continua sendo uma afirmação significativa. 

O que isso significa exatamente permanece obscuro. Os breves comentários do Santo Padre – algumas frases – em um documentário lançado em 21 de outubro não faziam parte de um discurso cuidadosamente redigido, muito menos de um documento formal de ensino. Os comentários têm o mesmo peso e caráter das conferências de imprensa aerotransportadas que o Papa Francisco não teve a oportunidade de realizar neste ano pandêmico. Talvez este filme tenha sido abraçado como uma oportunidade de coçar aquela coceira tagarela.

Mas tem havido discussão de que a edição inadequada das declarações do Papa gerou muita confusão.

Há algo de “imbergoglio” em tudo isso.  (imbróglio)

Uma operação de comunicação modestamente competente do Vaticano deveria ter previsto o documentário e preparado materiais de base explicativos para ajudar os telespectadores a entender o que o Santo Padre estava fazendo – e o que ele não estava fazendo.

O que o Papa Francisco fez

É uma característica marcante do pontificado de Francisco que ele se aproxima dos que estão nas “periferias”, dos que sofrem e dos feridos. Na verdade, é um dos aspectos mais atraentes de seu testemunho e ministério. Se o movimento pelos “direitos dos homossexuais” está nas periferias é discutível, mas o fato de que há aqueles na comunidade “LGBT” que se sentem excluídos, até mesmo condenados ao ostracismo, da vida da Igreja é uma realidade pastoral que o Santo Padre tem procurado abordar. Seu comentário inicial é totalmente consistente com muitas de suas declarações e ações anteriores:

“Os homossexuais têm o direito de pertencer a uma família. Eles são filhos de Deus. Você não pode expulsar alguém de uma família, nem tornar sua vida miserável por isso. ”

Deve-se notar que o uso da sigla “LGBT” em muitas notícias e comentários é, neste caso, extremamente impreciso. O Santo Padre falou de “pessoas homossexuais” (LGB) e não de pessoas “trans” (T); pelo contrário, o Papa Francisco é talvez o líder mundial que mais veementemente se opõe ao que ele freqüentemente denuncia como “ideologia de gênero”.

A segunda parte do comentário do Santo Padre tratou dos arranjos legais para casais do mesmo sexo:

“O que temos que criar é uma lei da união civil; dessa forma, eles são legalmente cobertos.”

Como foi bem documentado nas biografias do Papa Francisco, em 2010 como arcebispo de Buenos Aires ele lutou contra o “casamento” de pessoas do mesmo sexo, mas defendeu as “uniões civis” ou algumas proteções legais para casais do mesmo.

A distinção que ele fez na época foi que apenas casamento é casamento – significando um homem e uma mulher – mas que os indivíduos em outros relacionamentos podem receber a proteção da lei. 

O fato de o Santo Padre ter dito que “temos que criar” foi interpretado por alguns como uma espécie de mandato pontifício, mas isso é demais para um comentário passageiro. Em qualquer caso, o cavalo da união civil há muito deixou o celeiro, então não está claro quais situações o Santo Padre tinha em mente. Em grande parte do mundo, as uniões civis seriam vistas como um retrocesso em relação aos direitos do mesmo sexo; em outras partes do mundo, é considerado uma distração do prêmio do “casamento” do mesmo sexo.

É estranho, mas verdadeiro, que a declaração do Papa Francisco seja quase totalmente irrelevante para o mundo. Continua relevante para a Igreja (veja abaixo). Dado que se referiu à sua posição em 2010 – “Eu defendi isso” – é perfeitamente possível que tenha feito um comentário explicativo sobre a história recente.

O que o Papa Francisco não fez

O Santo Padre não mudou os ensinamentos da Igreja sobre a natureza do casamento, nem sugeriu que outros arranjos poderiam tornar as relações entre pessoas do mesmo sexo equivalentes ao casamento. 

“Seus comentários de forma alguma indicam um afastamento do ensino da Igreja Católica a respeito do casamento ou da homossexualidade”, disse o bispo David Zubik, de Pittsburgh. “Trata-se, sim, de uma abordagem pastoral dessas questões”.

Dom Zubik observou que a exortação papal Amoris Laetitia (2016) convida à compaixão pelos homossexuais e suas famílias (250). Esse mesmo documento também ensina que “não há absolutamente nenhuma base para considerar as uniões homossexuais como de alguma forma semelhante ou mesmo remotamente análoga ao plano de Deus para o casamento e a família” (251). 

Ao dizer que “pessoas homossexuais” têm o “direito” de estar “em uma família” ou “parte da família” (dependendo da tradução), não parece que o Papa Francisco está falando sobre questões jurídicas complexas como FIV ou adoção. Ele provavelmente está se referindo às famílias de origem e que os homossexuais não devem ser expulsos ou privados do amor de seus pais, irmãos e parentes. Se o Santo Padre tivesse mais do que isso em mente, ele o teria dito; ele está repetindo aqui o que ensinou em Amoris Laetitia.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Homilética: 9º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "As Obras da Fé"



Erram aquelas pessoas que pensam que basta com aceitar Jesus para serem salvos! Equivocam-se aqueles outros que pensam que é suficiente a mera fé para chegar à vida eterna! Está longe da verdade o individuo que proclama somente com a boca, “Senhor, Senhor”, sem aprofundar essas palavras no coração, tendo-as verdadeiramente como programa de vida.

No mesmo caminho do erro estão aqueles que pensam que para salvar-se basta com não fazer coisas más. Estão equivocados aqueles que confundem a filantropia com a caridade. Mas também estão longe da verdade os que insistem nas obras e diminuem importância à graça e à fé.

Em contra dessas visões parciais se opõe o maravilhoso equilíbrio do Evangelho. Por um lado: “tua fé te salvou” (Lc 8,48) e “tudo é possível ao que crê” (Mc 9,23). Por outro: “nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21) e “Vinde, benditos do meu Pai, tomai posse do Reino (…) porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes (…)” (Mt 25,34-36). Poderíamos seguir apoiando as duas caras dessa moeda única com outros textos da Escritura Santa. O mesmo apóstolo que deixou escrito que “o justo viverá pela fé” (Rm 1,17) disse no capítulo seguinte da carta aos Romanos que o juízo de Deus “retribuirá a cada um segundo as suas obras” (Rm 2,6).

Todo cristão deve viver de fé. Mas a fé não é uma mera profissão da boca para fora, não é um mero ato de confiança na misericórdia de Deus, não é somente acreditar que Deus existe. A fé é algo que invade toda a nossa existência: o nosso ser, a nossa inteligência, a nossa vontade, os nossos sentimentos. Quase se poderia dizer que nós não temos fé, mas que a fé nos tem. Somos homens e mulheres de fé. Ao vivermos de fé, perceberemos as consequências da fé em todas as dimensões do nosso existir. O cristão nunca pode desassociar a sua fé da sua vida. Dizer “Senhor, Senhor” na Missa dominical é muito importante, mas é preciso continuar dizendo “Senhor, Senhor” nas vinte quatro horas de cada jornada, não necessariamente com a boca, mas com as nossas ações quotidianas. É preciso proclamar o senhorio de Jesus na família, no trabalho e em todas as demais relações. 

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Papa escreve uma carta aos irmãos sacerdotes para encorajá-los e apoiá-los


CARTA DO PAPA FRANCISCO
AOS PRESBÍTEROS
POR OCASIÃO DOS CENTO E SESSENTA ANOS
DA MORTE DO CURA D’ARS


Meus queridos irmãos!

Estamos a comemorar cento e sessenta anos da morte do Santo Cura d'Ars, que Pio XI propôs como patrono de todos os párocos do mundo.[1] Quero, na sua memória litúrgica, dirigir esta Carta não só aos párocos, mas a todos vós, irmãos presbíteros, que sem fazer alarde «deixais tudo» para vos empenhar na vida quotidiana das vossas comunidades; a vós que, como o Cura d’Ars, labutais na «trincheira», aguentais o peso do dia e do calor (cf. Mt 20, 12) e, sujeitos a uma infinidade de situações, as enfrentais diariamente e sem vos dar ares de importância para que o povo de Deus seja cuidado e acompanhado. Dirijo-me a cada um de vós que tantas vezes, de forma impercetível e sacrificada, no cansaço ou na fadiga, na doença ou na desolação, assumis a missão como um serviço a Deus e ao seu povo e, mesmo com todas as dificuldades do caminho, escreveis as páginas mais belas da vida sacerdotal.

Há algum tempo, manifestava aos bispos italianos a preocupação pelos nossos sacerdotes que, em várias regiões, se sentem achincalhados e «culpabilizados» por causa de crimes que não cometeram; dizia-lhes que eles precisam de encontrar no seu bispo a figura do irmão mais velho e o pai que os encoraje nestes tempos difíceis, os estimule e apoie no caminho.[2]

Como irmão mais velho e pai, também eu quero estar perto, em primeiro lugar para vos agradecer em nome do santo Povo fiel de Deus tudo o que ele recebe de vós e, por minha vez, encorajar-vos a relembrar as palavras que o Senhor pronunciou com tanta ternura no dia da nossa Ordenação e que constituem a fonte da nossa alegria: «Já não vos chamo servos, (...) a vós chamei-vos amigos» (Jo 15, 15).[3]

TRIBULAÇÃO

«Vi a opressão do meu povo» (Ex 3, 7)

Nos últimos tempos, pudemos ouvir mais claramente o clamor – muitas vezes silencioso e silenciado – de irmãos nossos, vítimas de abusos de poder, de consciência e sexuais por parte de ministros ordenados. Sem dúvida, é um período de sofrimento na vida das vítimas, que padeceram diferentes formas de abuso, e também para as suas famílias e para todo o Povo de Deus.

Como sabeis, estamos firmemente empenhados na atuação das reformas necessárias para promover, a partir da raiz, uma cultura baseada no cuidado pastoral, de tal forma que a cultura do abuso não consiga encontrar espaço para desenvolver-se e, menos ainda, perpetuar-se. Não é tarefa fácil nem de curto prazo; requer o empenho de todos. Se, no passado, a omissão pôde transformar-se numa forma de resposta, hoje queremos que a conversão, a transparência, a sinceridade e a solidariedade com as vítimas se tornem na nossa maneira de fazer a história e nos ajudem a estar mais atentos a todos os sofrimentos humanos.[4]

E esta tribulação não deixa indiferentes os presbíteros. Pude constatá-lo nas várias visitas pastorais, tanto na minha diocese como noutras onde tive oportunidade de encontrar e falar pessoalmente com os sacerdotes. Muitos deles manifestaram a própria indignação pelo que aconteceu e também uma espécie de impotência, já que, além do «desgaste pela entrega, experimentaram o dano que provoca a suspeita e a contestação, que pode ter insinuado – em alguns ou muitos – a dúvida, o medo e a difidência».[5] São numerosas as cartas de sacerdotes que partilham este sentimento. Por outro lado, consola encontrar pastores que, ao constatar e conhecer o sofrimento das vítimas e do Povo de Deus, se mobilizam, procuram palavras e percursos de esperança.

Sem negar nem ignorar o dano causado por alguns dos nossos irmãos, seria injusto não reconhecer que tantos sacerdotes, de maneira constante e íntegra, oferecem tudo o que são e têm pelo bem dos outros (cf. 2 Cor 12, 15) e vivem uma paternidade espiritual capaz de chorar com os que choram; há inúmeros padres que fazem da sua vida uma obra de misericórdia em regiões ou situações frequentemente inóspitas, remotas ou abandonadas, mesmo a risco da própria vida. Reconheço e agradeço o vosso exemplo corajoso e constante que, em momentos de turbulência, vergonha e sofrimento, nos mostra que vós continuais a entregar-vos com alegria pelo Evangelho.[6]

Estou convencido de que, na medida em que formos fiéis à vontade de Deus, os tempos da purificação eclesial que estamos a viver nos tornarão mais alegres e simples e, num futuro não muito distante, serão muito fecundos. «Não desanimemos! O Senhor está a purificar a sua Esposa e, a todos, nos está convertendo a Ele. Permite-nos experimentar a prova, para compreendermos que, sem Ele, somos pó. Está-nos a salvar da hipocrisia e da espiritualidade das aparências. Está a soprar o seu Espírito, para restaurar a beleza da sua Esposa surpreendida em flagrante adultério. Hoje far-nos-á bem ler o capítulo 16 de Ezequiel. Aquela é a história da Igreja. Aquela – poderá dizer cada um de nós – é a minha história. E no final, através da tua vergonha, continuarás a ser um pastor. O nosso arrependimento humilde, que permanece em silêncio, em lágrimas perante a monstruosidade do pecado e a insondável grandeza do perdão de Deus, é o início renovado da nossa santidade».[7]

terça-feira, 11 de junho de 2019

A intolerância católica

 
Meus irmãos (…), nosso século clama: “tolerância, tolerância”. Tem-se como certo que um padre deve ser tolerante, que a religião deve ser tolerante. Meus irmãos, não há nada que valha mais que a franqueza, e eu aqui estou para vos dizer, sem disfarce, que no mundo inteiro só existe uma sociedade que possui a verdade e que esta sociedade deve ser necessariamente intolerante. Mas antes de entrar no mérito, distinguindo as coisas, convenhamos sobre o sentido das palavras para bem nos entendermos. Assim não nos confundiremos.    

A tolerância pode ser civil ou teológica. A primeira não nos diz respeito, e não darei senão uma pequena palavra sobre ela: se a lei tolerante quer dizer que a sociedade permite todas as religiões porque, a seus olhos, elas são todas igualmente boas ou porque as autoridades se consideram incompetentes para tomar partido neste assunto, tal lei é ímpia e ateia. Ela exprime não a tolerância civil como a seguir indicaremos, mas a tolerância dogmática que, por uma neutralidade criminosa, justifica nos indivíduos a mais absoluta indiferença religiosa. Ao contrário, se, reconhecendo que uma só religião é boa, a lei suporta e permite que as demais possam exercer-se por amor à tranquilidade pública, esta lei poderá ser sábia e necessária se assim o pedirem as circunstâncias, como outros observaram antes de mim (…).

Deixo porém este campo cheio de dificuldades, e volto-me para a questão propriamente religiosa e teológica, em que exponho estes dois princípios: primeiro, a religião que vem do céu é verdade, e é intolerante com relação às doutrinas errôneas; segundo, a religião que vem do céu é caridade, e é cheia de tolerância quanto às pessoas.    

Roguemos a Nossa Senhora vir em nossa ajuda e invocar para nós o Espírito de verdade e de caridade: Spiritum veritatis et pacis. Ave Maria.

Faz parte da essência de toda a verdade não tolerar o princípio que a contradiz. A afirmação de uma coisa exclui a negação dessa mesma coisa, assim como a luz exclui as trevas. Onde nada é certo, onde nada é definido, podem-se partilhar os sentimentos, podem variar as opiniões. Compreendo e peço a liberdade de opinião nas coisas duvidosas: in dubiis, libertas. Mas, logo que a verdade se apresenta com as características certas que a distinguem, por isso mesmo que é verdade, ela é positiva, ela é necessária, e por conseguinte ela é una e intolerante: in necessariis, unitas. Condenar a verdade à tolerância é condená-la ao suicídio. A afirmação se aniquila se duvida de si mesma, e ela duvida de si mesma se admite com indiferença que se ponha a seu lado a sua própria negação. Para a verdade, a intolerância é o instinto de conservação, é o exercício legítimo do direito de propriedade. Quando se possui alguma coisa, é preciso defendê-la, sob pena de logo se ver despojado dela.    

Assim, meus irmãos, pela própria necessidade das coisas, a intolerância está em toda a parte, porque em toda parte existe o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, a ordem e a desordem. Que há de mais intolerante do que esta proposição: 2 mais 2 fazem 4? Se vierdes dizer-me que 2 mais 2 fazem 3 ou fazem 5, eu vos respondo que 2 mais 2 fazem 4…

Nada é tão exclusivo quanto a unidade. Ora, ouvi a palavra de São Paulo: “Unus Dominus, una fides, unum baptisma”. Há, no céu, um só Senhor: unus Dominus. Esse Deus, cuja unidade é seu grande atributo, deu à terra um só símbolo, uma só doutrina, uma só fé: una fides. E esta fé, esta doutrina, Ele confiou-as a uma só sociedade visível, uma só Igreja cujos filhos são, todos, marcados com o mesmo selo e regenerados pela mesma graça: unum baptisma. Assim, a unidade divina que esplende por todos os séculos na glória de Deus produziu-se sobre a terra pela unidade do dogma evangélico cujo depósito foi confiado por Nosso Senhor Jesus Cristo à unidade hierárquica do sacerdócio: um Deus, uma fé, uma Igreja: unus Dominus, una fides, unum baptisma.     

Um pastor inglês teve a coragem de escrever um livro sobre a tolerância de Jesus Cristo, e certo filósofo de Genebra disse, falando do Salvador dos homens: “Não vejo que meu divino Mestre tenha formulado sutilezas sobre o dogma”. Bem verdadeiro, meus irmãos. Jesus Cristo não formulou sutilezas sobre o dogma, mas trouxe aos homens a verdade e disse: se alguém não for batizado na água e no Espírito Santo, se alguém se recusa a comer a minha carne e a beber o meu sangue, não terá parte em meu reino. Confesso que nisso não há sutilezas; há intolerância, há exclusão, a mais positiva, a mais franca. E mais: Jesus Cristo enviou seus Apóstolos para pregar a todas as nações, isto é, derrubar todas as religiões existentes para estabelecer em toda a terra a única religião cristã e substituir todas as crenças dos diferentes povos pela unidade do dogma católico. E, prevendo os movimentos e as divisões que esta doutrina iria incitar sobre a terra, Ele não se deteve e declarou que tinha vindo para trazer não a paz, mas a espada, e para acender a guerra não somente entre os povos, mas no seio de uma mesma família e separar, pelo menos quanto às convicções, a esposa fiel do esposo incrédulo, o genro cristão do sogro idólatra. A afirmação é verdadeira e o filósofo tem razão: Jesus Cristo não formulou sutilezas sobre o dogma (…).    

Falam da tolerância dos primeiros séculos, da tolerância dos Apóstolos. Mas isso não é assim, meus irmãos. Ao contrário, o estabelecimento da religião cristã foi, por excelência, uma obra de intolerância religiosa. No momento da pregação dos apóstolos, quase todo o universo praticava essa tolerância dogmática tão louvada. Como todas as religiões eram igualmente falsas e igualmente desarrazoadas, elas não se guerreavam; como todos os deuses valiam a mesma coisa uns para os outros, eram todos demônios, não eram exclusivos, eles se toleravam uns aos outros: Satã não está dividido contra si mesmo. O Império Romano, multiplicando suas conquistas, multiplicava seus deuses, e o estudo de sua mitologia se complica na mesma proporção que o da sua geografia. O triunfador que subia ao Capitólio fazia marchar diante dele os deuses conquistados com mais orgulho ainda do que arrastava atrás de si os reis vencidos. O mais das vezes, em virtude de um Senatus-Consulto, os ídolos dos bárbaros se confundiam desde então com o domínio da pátria, e o Olimpo nacional crescia como o Império.    

Quando aparece o Cristianismo (prestem atenção a isso, meus irmãos, são dados históricos de valor com relação ao assunto presente), quando o Cristianismo surge pela primeira vez, não foi repelido imediatamente. O paganismo perguntou-se se, em vez de combater a nova religião, não devia dar-lhe acesso ao seu solo. A Judéia tinha-se tornado uma província romana. Roma, acostumada a receber e conciliar todas as religiões, recebeu a princípio, sem maiores dificuldades, o culto saído da Judéia. Um imperador colocou Jesus Cristo, como a Abraão, entre as divindades de seu oratório, assim como se viu mais tarde outro César propor prestar-lhe homenagens solenes. Mas a palavra do profeta não tardou a se verificar: as multidões de ídolos que viam, de ordinário sem ciúmes, deuses novos e estrangeiros ser colocados ao lado deles, com a chegada do deus dos cristãos, lançam um grito de terror, e, sacudindo sua tranquila poeira, abalam-se sobre seus altares ameaçados: ecce Dominus ascendit, et commovebuntur simulacra a facie ejus (Is 19,1). Roma estava atenta a esse espetáculo. E logo, quando se percebeu que esse Deus novo era irreconciliável inimigo dos outros deuses; quando se viu que os cristãos, cujo culto se havia admitido, não queriam admitir o culto da nação; em uma palavra, quando se constatou o espírito intolerante da fé cristã, foi então que começou a perseguição.    

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Primeira pregação da Quaresma 2019: "Bem-aventurados os puros de coração pois verão a Deus"



MEDITAÇÃO PARA A QUARESMA
"Bem-aventurados os puros de coração pois verão a Deus"
Continuando a reflexão iniciada no Advento sobre o versículo do salmo: "A minha alma tem sede do Deus vivo" (Sl 42, 2), nesta primeira pregação quaresmal gostaria de meditar convosco sobre a condição essencial para "ver" a Deus. Segundo Jesus, é a pureza de coração: "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus" (Mt 5, 8), diz ele em uma de suas bem-aventuranças.

Sabemos que puro e pureza têm na Bíblia, assim como na linguagem comum, uma grande variedade de significados. O Evangelho insiste em duas áreas em particular: a retidão de intenções e a pureza dos costumes. A pureza das intenções é contraposta pela hipocrisia, a pureza dos costumes pelo abuso da sexualidade.

Na esfera moral, a palavra "pureza" comumente se refere a um certo comportamento na esfera da sexualidade, marcado pelo respeito à vontade do Criador e à finalidade intrínseca da própria sexualidade. Não podemos entrar em contato com Deus, que é espírito, a não ser através do nosso espírito. Mas a desordem ou, pior ainda, as aberrações neste campo têm o efeito constatado por todos de obscurecer a mente. É como balançar os pés em um charco: a lama, do fundo, se eleva e enlameia toda a água. Deus é luz e uma tal pessoa "odeia a luz".

O pecado impuro não deixa ver o rosto de Deus, ou, se o mostra, mostra-o todo deformado. Faz dele, não o amigo, o aliado e o pai, mas o antagonista, o inimigo. O homem carnal está cheio de concupiscências, deseja as coisas dos outros e a mulher dos outros. Nesta situação, Deus aparece para ele como aquele que bloqueia o caminho para os seus maus desejos por meio das suas ordens "Tu deves!", "Tu não deves!". O pecado desperta no coração do homem um ressentimento surdo contra Deus, a ponto de que, se dependesse dele, ele desejaria que Deus não existisse.

Nesta ocasião, porém, mais do que na pureza dos costumes, gostaria de insistir no outro sentido da expressão "puros de coração", isto é, na pureza ou retidão das intenções, na prática, na virtude contrária à hipocrisia. O tempo litúrgico em que vivemos também nos orienta neste sentido. Começamos a Quaresma, a quarta-feira de cinzas, ouvindo novamente as admoestações esmagadoras de Jesus:

          ["Quando derdes esmolas, não toqueis trombeta diante de vós, como os hipócritas... Quando orardes, não sejais como os hipócritas... E quando jejuardes, não vos torneis tão melancólicos como os hipócritas" (Mt 6, 1-18).]

É surpreendente o quanto o pecado da hipocrisia - o mais denunciado por Jesus nos evangelhos - pouco entre em nossos exames ordinários de consciência. Não tendo encontrado em nenhum deles a pergunta: "Fui hipócrita?", tive que colocá-la por minha conta, e raramente passei incólume para a próxima pergunta. O maior ato de hipocrisia seria esconder a própria hipocrisia. Escondê-la de si mesmo e dos outros, porque não é possível de Deus. A hipocrisia é amplamente superada no momento em que é reconhecida. E é isso que nos propomos fazer nesta meditação: reconhecer a parte de hipocrisia, mais ou menos consciente, que está em nossas ações.

O homem - escreveu Pascal - tem duas vidas: uma é a vida verdadeira, a outra é a vida imaginária que vive na opinião, sua ou do povo. Trabalhamos incansavelmente para embelezar e preservar o nosso ser imaginário e negligenciamos o verdadeiro. Se possuímos alguma virtude ou mérito, temos o cuidado de torná-la conhecida, de uma forma ou de outra, para enriquecer nosso ser imaginário com essa virtude ou mérito, dispostos até mesmo a prescindir dela, para acrescentar algo a ele, a ponto de consentir, às vezes, de sermos covardes, com tal de parecermos valentes e a dar também a vida, desde que as pessoas falem sobre isso[1].

Vamos tentar descobrir a origem e o significado do termo hipocrisia. A palavra vem da linguagem teatral. No início significava simplesmente recitar, representar no palco. Aos antigos não escapava o elemento intrínseco de mentira que existe em cada representação cênica, apesar do elevado valor moral e artístico que lhe é reconhecido. Daí o julgamento negativo que pesava sobre a profissão de ator, reservado, em certos momentos, aos escravos e até mesmo proibido pelos apologistas cristãos. A dor e a alegria representadas e enfatizadas não são verdadeira dor e verdadeira alegria, mas aparência, afetação. A realidade íntima dos sentimentos não corresponde às palavras e atitudes externas. O que se vê no rosto não é o que está no coração.

Usamos a palavra ficção num sentido neutro ou até mesmo positivo (é um gênero literário e de entretenimento muito em voga hoje em dia!); os antigos deram-lhe o sentido que ela realmente tem: o do fingimento. O que havia de negativo no fingimento cênico passou para a palavra hipocrisia. De uma palavra originalmente neutra, tornou-se uma palavra exclusivamente negativa, uma das poucas palavras com todos, e apenas, os significados negativos. Há quem se vanglorie de ser orgulhoso ou libertino, ninguém de ser hipócrita.

A origem do termo nos coloca na trilha para descobrir a natureza da hipocrisia. É fazer da vida um teatro em que se atua para um público; é usar uma máscara, deixar de ser uma pessoa para se tornar um personagem. O personagem nada mais é do que a corrupção da pessoa. A pessoa é um rosto, o personagem é uma máscara. A pessoa é nudez radical, o personagem é todo vestuário. A pessoa ama a autenticidade e a essencialidade, o personagem vive de fingimentos e de artifícios. A pessoa obedece às próprias convicções, o personagem obedece a um guião. A pessoa é humilde e leve, o personagem é pesado e volumoso.

Essa tendência inata do homem é grandemente aumentada pela cultura atual, dominada pela imagem. Cinema, televisão, internet: agora tudo é baseado principalmente na imagem, disse Descartes: "Cogito ergo sum", penso logo sou; mas hoje nós tendemos a substituí-lo por "apareço, portanto, sou". Um famoso moralista definiu a hipocrisia como "o tributo que o vício presta à virtude"[2]. Ameaça acima de tudo pessoas piedosas e religiosas. Um rabino do tempo de Cristo disse que 90% da hipocrisia do mundo estava em Jerusalém[3]. A razão é simples: quanto mais forte for a estima pelos valores do espírito, da piedade e da virtude, mais forte será também a tentação de cortá-los para não se parecer privado deles.

Um perigo vem também da multidão de ritos que as pessoas piedosas estão acostumadas a realizar e das prescrições que se comprometem a observar. Se não forem acompanhadas por um esforço contínuo de colocar uma alma neles, através do amor a Deus e ao próximo, tornam-se cascas vazias. "Estas coisas - diz São Paulo falando de certos ritos e prescrições exteriores - têm uma aparência de sabedoria, com sua afetada religiosidade e humildade e austeridade em relação ao corpo, mas na realidade servem apenas para satisfazer a carne" (Cl 2,23). Neste caso, as pessoas guardam, diz o Apóstolo, "a aparência de piedade, enquanto negam a sua força interior" (2 Tm 3, 5).

Quando a hipocrisia se torna crônica, cria, no matrimônio e na vida consagrada, a situação de "vida dupla": uma pública, evidente, outra oculta; muitas vezes uma diurna, outra noturna. É o estado espiritual mais perigoso para a alma, do qual se torna muito difícil sair, a menos que algo interfira de fora para romper o muro dentro do qual se está trancado. É a etapa que Jesus descreve com a imagem dos sepulcros caiados:

"Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que pareceis túmulos caiados de branco: por fora estão lindos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão. Assim também vós: por fora pareceis justos diante dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade" (Mt 23, 27-28).

Se nos perguntarmos por que a hipocrisia é tão abominável diante de Deus", a resposta é clara. A hipocrisia é mentira. É esconder a verdade. Além disso, na hipocrisia o homem deve rebaixar a Deus, colocá-lo em segundo lugar, colocando as criaturas, o público, em primeiro lugar. É como se, na presença do rei, alguém virasse as costas para ele para se concentrar apenas nos servos. "O homem olha para a aparência, o Senhor olha para o coração" (1 Sam 16,7): cultivar a aparência mais do que o coração, significa automaticamente dar mais importância ao homem do que a Deus.

A hipocrisia é, portanto, essencialmente uma falta de fé, uma forma de idolatria, na medida em que coloca as criaturas no lugar do Criador. Jesus faz derivar dela a incapacidade dos seus inimigos de acreditarem n'Ele: "Como podeis crer, vós que vos gloriais uns aos outros, e não buscais a glória que vem somente de Deus? (Jo 5, 44). A hipocrisia falta também a caridade para com o próximo, porque tende a reduzir os outros a admiradores. Não lhes reconhece uma própria dignidade, mas os vê apenas em função da sua própria imagem. Números da audiência e nada mais.

Uma forma derivada da hipocrisia é a duplicidade ou insinceridade. Com a hipocrisia se procura mentir a Deus; com a duplicidade no pensar e no falar se procura mentir aos homens. Duplicidade é dizer uma coisa e pensar outra; falar bem de uma pessoa em sua presença e falar mal assim que ela vira as costas.

O juízo de Cristo sobre a hipocrisia é como uma espada flamejante: "Receperunt mercedem suam": "receberam a sua recompensa". Eles assinaram um recibo, não podem esperar outra coisa. Uma recompensa, além disso, ilusória e contraproducente também a nível humano, porque é muito verdadeiro o ditado que diz que "a glória foge de quem a persegue e persegue quem foge dela". 

É evidente que a nossa vitória sobre a hipocrisia nunca será uma vitória à primeira vista. A menos que tenhamos atingido um nível muito elevado de perfeição, não podemos evitar instintivamente sentir o desejo de aparecer em boa luz, de causar boa impressão, de agradar aos outros. A nossa arma é a retidão de intenção. A reta intenção é alcançada através da constante e diária retificação de nossa intenção. A intenção da vontade, não o sentimento natural, é o que faz a diferença aos olhos de Deus. 

Se a hipocrisia consiste em mostrar também o bem que não se faz, um remédio eficaz para contrariar esta tendência é esconder também o bem que se faz. Privilegiar aqueles gestos escondidos que não serão desperdiçados por nenhum olhar terreno e que conservarão todo o seu perfume para Deus. "A Deus, diz São João da Cruz, é mais agradável uma ação, ainda que pequena, feita em segredo e sem o desejo de ser conhecida, do que mil outras feitas com o desejo de serem vistas pelos homens". E ainda: "Uma ação feita inteiramente e puramente por Deus, com coração puro, cria um reino inteiro para aqueles que a fazem"[4].

Jesus insiste neste exercício: "Orai em segredo, jejuai em segredo, dai esmolas em segredo e vosso Pai, que vê no segredo, vos recompensará". (cf. Mt 6,4-18). São iguarias para Deus que tonificam a alma. Não se trata de fazer disto uma regra fixa. Jesus também diz: "Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e dêem glória ao vosso Pai que está nos céus" (Mt 5, 16). É uma questão de distinguir quando é bom para os outros verem e quando é melhor para eles não verem.

O pior que se pode fazer, no final de uma descrição da hipocrisia, é usá-la para julgar os outros, para denunciar a hipocrisia que existe à nossa volta. É precisamente a eles que Jesus aplica o título de hipócritas: "Hipócritas, tirai primeiro a trave do vosso olho e depois vereis bem para tirar o cisco do olho do vosso irmão! (Mt 7,5). Aqui é verdadeiramente oportuno dizer: "Aquele dentre vós que não tem pecado, atire a primeira pedra" (Jo 8, 7). Quem pode dizer que está completamente livre de qualquer forma de hipocrisia? De não ser um pouco, também ele, um sepulcro caiado, diferente por dentro do que aparece por fora? Talvez só Jesus e Nossa Senhora tenham estado isentos, de forma estável e absoluta, de todas as formas de hipocrisia. O fato consolador é que, assim que se diz: "Fui hipócrita", sua hipocrisia é superada.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Rocha firme e inabalável




Após ter curado um cego em Betsaida, Nosso Senhor Se dirigiu com seus discípulos a Cesareia de Filipe, cidade situada a uns 50 quilômetros de distância, num território de exuberante beleza natural.

"Sobre esta pedra construirei a minha Igreja"

Herodes o Idumeu - cognominado o Grande - havia ali edificado um templo destinado ao culto de César Augusto. Mais tarde, Filipe, filho do Idumeu, tendo se tornado tetrarca da região, deu à localidade o nome de Cesareia, para angariar as simpatias do Imperador Tibério.

É provável que a cena descrita a seguir tenha se dado à vista daquele edifício pagão, o qual se erguia no alto de um rochedo, dominando o panorama.

Escreve São Mateus:

O Divino Mestre "perguntou a seus discípulos: ‘Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?' Eles responderam: ‘Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas.'

"Então Jesus lhes perguntou: ‘E vós, quem dizeis que Eu sou?' Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo.'

"Respondendo, Jesus lhe disse: ‘Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no Céu. Por isso Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na Terra será ligado nos Céus; tudo o que tu desligares na Terra será desligado nos Céus'" (Mt 16, 13-19).

Poder das chaves

Esse episódio ocorreu aproximadamente uma semana antes da Transfiguração de Nosso Senhor, no Monte Tabor. A Paixão estava próxima e era preciso separar definitivamente os Apóstolos da sinagoga, deixando-lhes claro que a instituição que Ele vinha fundar levaria aquela à plenitude e seria a realização de todas as profecias da Antiga Lei.

Dizendo a Pedro: "Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na Terra será ligado nos Céus; tudo o que tu desligares na Terra será desligado nos Céus" (Mt 16, 19), Cristo lhe confere o poder divino de sustentar a Santa Igreja.

"Analisam os autores o alcance do poder das chaves, e muitos defendem que as palavras ‘na Terra' compreendem tudo o que está nela e debaixo dela, isto é, os vivos e também os mortos.

"Também aos Bispos e sacerdotes, sob o primado do Papa e em total dependência dele, é concedido o poder das chaves, embora de forma menos intensa que ao Sumo Pontífice. No confessionário, por exemplo, o padre tem a faculdade de absolver ou não o penitente de seus pecados, fazendo com que as portas do Céu se abram para ele ou continuem fechadas. Enquanto o Paraíso Terrestre - criado por Deus para os homens - está guardado por Querubins, desde que Adão e Eva de lá foram expulsos (cf. Gn 3, 24), as chaves do Paraíso Celeste, morada dos Anjos bons, foram confiadas a um homem! Portanto, São Pedro obteve de Jesus muitíssimo mais do que Adão perdera!"

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Papa Francisco recorda os mártires assassinados pelos totalitarismos na Lituânia


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO 
À LITUÂNIA, LETÔNIA E ESTÔNIA
[22-25 DE SETEMBRO DE 2018]

ENCONTRO COM OS SACERDOTES, 
RELIGIOSOS, RELIGIOSAS, CONSAGRADOS, CONSAGRADAS
 E SEMINARISTAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

Lituânia - Catedral de S. Pedro e S. Paulo em Kaunas
Domingo, 23 de setembro de 2018


Amados irmãos e irmãs, boa tarde!

Antes de mais nada, gostaria de expressar um sentimento que me vai na alma. Ao contemplar-vos, vejo atrás de vós tantos mártires. Mártires anónimos, não sabendo nós sequer onde foram sepultados. Inclusive alguns de vós: saudei um, que soube o que era a prisão. Para começar, vem-me à mente uma palavra: não vos esqueçais, fazei memória. Sois filhos de mártires: esta é a vossa força. E que o espírito do mundo não vos venha dizer outra coisa diferente da que viveram os vossos antepassados. Recordai os vossos mártires e imitai o seu exemplo: não tinham medo. Hoje, ao falar com os Bispos – os vossos Bispos –, eles diziam: «Como se pode fazer para introduzir a Causa de Beatificação de muitos que nem documentos temos, mas sabemos que são mártires?» É consolador, é bom ouvir isto: a preocupação com aqueles que nos deram testemunho. São santos.

O Bispo [Linas Vodopjanovas OFM, encarregado da vida consagrada] disse sem meias palavras (os franciscanos falam assim): «Muitas vezes hoje, de várias maneiras, é colocada à prova a nossa fé – afirmou ele; e não estava a pensar nas perseguições dos ditadores –. Depois de corresponder à chamada da vocação, muitas vezes já não sentimos alegria na oração nem na vida comunitária».

O espírito da secularização, do tédio por tudo o que diz respeito à comunidade é a tentação da segunda geração. Os nossos pais lutaram, sofreram, estiveram encarcerados… e nós talvez não tenhamos a força de continuar. Tende isto em conta!

A Carta aos Hebreus faz uma exortação: «Não vos esqueçais dos primeiros dias. Não vos esqueçais dos vossos antepassados» (cf. 10, 32-39). Esta é a exortação que vos dirijo ao começar.

Toda a visita ao vosso país decorreu sob este lema: «Jesus Cristo, nossa esperança». Já quase no final deste dia, encontramos um texto do apóstolo Paulo que nos convida a esperar com constância. E faz este convite depois de nos ter anunciado o sonho de Deus para cada ser humano, mais ainda, para toda a criação: «tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28); a tradução literal seria «endireita» todas as coisas.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

8 mentiras sobre Deus que os católicos devem conhecer e rebater


Tendo em conta a complexidade da teologia católica sobre a natureza de Deus, a seguinte lista, baseada nas Sagradas Escrituras e no Magistério da Igreja, responde a 8 mentiras recorrentes que estão à espreita dos católicos no mundo atual.

1. Cristo é insuficiente

Não existem novas revelações e o cânon bíblico está fechado. Há muitas pessoas que querem “aumentar” os ensinamentos de Cristo sustentando que, como as Sagradas Escrituras foram “escritas há muito tempo”, estas deveriam ser “atualizadas”.

Videntes e impostores de todo tipo difundem suas supostas “habilidades proféticas” que, ao que parece, estão contra o que sabemos de Deus. Nada mais longe da verdade.

Se estas pessoas estão certas, por que o Espírito Santo dá a cada uma diferentes mensagens? Cristo e sua Igreja não precisam de nada dos seres humanos. A mensagem de Cristo é válida e autêntica ontem, hoje e sempre como afirma no livro dos Hebreus 13,8.

2. Pode haver novas revelações do plano da salvação

Não há e nunca poderão existir novas revelações para ser acrescentadas na economia da salvação. Algumas revelações privadas foram aprovadas pela piedade popular (por exemplo, Sagrado Coração, Nossa Senhora de Lourdes, a Divina Misericórdia) e outras não.

A chave é se estão de acordo com as revelações originais de Cristo nas Sagradas Escrituras. As pessoas se colocam em uma situação precária quando se atrevem a julgar não somente a Bíblia, como também Deus e Sua Igreja, negando assim a Tradição e o magistério.

3. Jesus nunca assegura ser Deus na Bíblia

Cristo se refere a si mesmo como Deus cerca de 50 vezes nas Sagradas Escrituras.

Do mesmo modo, os Evangelhos mostram as reações de quem se opunha a Jesus depois de afirmar que Ele era Deus ou igual a Deus (por exemplo em Marcos 14,61-62).

Se Jesus nunca afirmou ser Deus, por que algumas pessoas se incomodaram tanto com Ele há 2000 anos ao ponto de crucificá-lo? Cristo foi condenado à morte porque o consideravam blasfemo ao referir-se a si mesmo como Deus.

4. Todos somos filhos de Deus e, portanto, Ele deve amar tudo o que somos

Sim. Deus criou todos nós. Deus ama todos. Todos somos seus filhos. Entretanto, Ele nos chama para Si mesmo em um espírito de amor e arrependimento, mas nem todo mundo está preparado e disposto a fazer esse tipo de compromisso.

Não podemos dizer que somos seus filhos e ao mesmo tempo nos negar em reconhecer nossa relação com nosso Pai Celestial. (1 João 3,10, Romanos 8,15, Efésios 2,1-16).

Deus é misericordioso, mas nem todos nós queremos ser perdoados, ou inclusive, pensamos que não fizemos nada que deve ser perdoado (1 João 1, 8).

sábado, 28 de julho de 2018

A Igreja Zumbi


Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”. (Lv 19,2)

A Santa Igreja Católica ensina que através do Sacramento do Batismo, somos ingressados na vida sobrenatural da Fé, e consequentemente na comunidade dos Santos, a Igreja de Deus (cf. CIC 1236). Com efeito, foi o próprio Cristo que nos ensinou: Quem não nascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar no Reino de Deus (Jo 3,5).

Porém, através do pecado somos afastados da vida de Graça, desta vida sobrenatural da Fé. E por esta mesma razão, Nosso Senhor instituiu o Sacramento da Reconciliação, para que através dele possamos voltar à comunidade dos Santos de Deus: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, lhe serão perdoados; aqueles a quem os retiverdes, lhes serão retidos” (Jo 20,22-23).

Quantos católicos realmente se reconciliam com Deus através do Sacramento da Reconciliação? Infelizmente é notório notar que a grande maioria não. Se estão mortos para a vida sobrenatural da Fé, não passam de mortos que acreditam estar vivos.

O Sacramento da Reconciliação

O Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 1446 ensina que: “Cristo instituiu o sacramento da Penitência para todos os membros pecadores de sua Igreja, antes de tudo para aqueles que, depois do Batismo, cometeram pecado grave e com isso perderam a graça batismal e feriram a comunhão eclesial. E a eles que o sacramento da Penitência oferece uma nova possibilidade de converter-se e de recobrar a graça da justificação. Os Padres da Igreja apresentam este sacramento como a segunda tábua (de salvação) depois do naufrágio que é a perda da graça”.

Como dissemos, é através dele que nós pecadores voltamos à vida de Graça no seio do redil do Senhor, que é a Igreja. A Santa Igreja com maternal amor nos lembra de que “Não há pecado algum, por mais grave que seja, que a Santa Igreja não possa perdoar. ‘Não existe ninguém, por mau e culpado que seja, que não deva esperar com segurança a seu perdão, desde que seu arrependimento seja sincero.” Cristo que morreu por todos os homens, quer que, em sua Igreja, as portas do perdão estejam sempre abertas a todo aquele que recua do pecado’” (Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 982).

terça-feira, 24 de abril de 2018

Fim do “Catolicismo romano”?


Este artigo, assim mesmo intitulado pelo próprio Autor e do qual apresento abaixo a tradução em português, apareceu no blog Settimo Cielo, no dia 13 de Abril passado, sob um outro provocador título dado por Sandro Magister: La riforma di Bergoglio l'ha già scritta Martin Lutero / A reforma de Bergoglio já a escreveu Martinho Lutero [1].

O Autor é Roberto Pertici: tem sessenta e seis anos de idade e é actualmente professor de história contemporânea na Universidade de Bergamo [2]. Um académico exactamente da minha idade; o que, pela contemporaneidade da vida, me ajudou à melhor compreensão deste ensaio.

Este, é de facto notável e algo invulgar pela «agudeza e amplitude de horizonte da análise», como diz Magister, e pela lógica do raciocínio que conjuga os factos examinados, relevando a sua unitária coerência com um “projecto” ou “operação”.

Para quem partilhe de uma visão conservadora ou tradicional da Igreja, parece-me obviamente muito perturbador.... mas há que ter presente que a Fé católica e apostólica não se conjuga jamais com qualquer espécie de desespero!

As notas assinaladas entre […], são todas da minha autoria.

22 de Abril de 2018

João Duarte Bleck, médico e leigo Católico 
***


1. Neste momento do pontificado de Francisco, creio que se possa razoavelmente sustentar que este marca o ocaso dessa imponente realidade histórica definível como “catolicismo romano”.

Isto não significa, bem entendido, que a Igreja Católica esteja no fim, mas que está a chegar ao fim o modo como historicamente se estruturou e se apresentou a si mesma nos últimos séculos.

De facto, parece-me evidente que é este o projecto conscientemente seguido pelo “brain trust” que rodeia Francisco: um projecto que se pretende quer uma resposta extrema / radical à crise das relações entre a Igreja e o mundo moderno, quer como premissa para um renovado percurso ecumênico, comum às outras confissões cristãs, especialmente aquelas Protestantes.

2. Por “catolicismo romano” entendo aquela grande construção histórica, teológica e jurídica que se iniciou com a helenização (para o aspecto filosófico) e com a romanização (para o aspecto político-jurídico) do cristianismo primitivo e que se baseia sobre o primado dos sucessores de Pedro; tal como ela emerge da crise do mundo tardo-antigo e da sistematização teórica da idade gregoriana (“Dictatus Papae”) [3].

Nos séculos sucessivos, a Igreja, do mesmo modo, dotou-se de um Direito interno próprio, o Direito canónico, olhando para o Direito romano como modelo. E este elemento jurídico contribuiu para gradualmente plasmar uma complexa organização hierárquica, com precisas normas internas que regulam a vida, seja da “burocracia dos celibatários” (a expressão é de Carl Schmitt [1888-1985]) que a gere, seja dos leigos que dela fazem parte.

O outro momento decisivo da formação do “catolicismo romano” é, finalmente, a eclesiologia elaborada no Concílio de Trento [1545-1563], que reafirmou a centralidade da mediação eclesiástica em vista da salvação, em contraste com a tese luterana do “sacerdócio universal”, e que assim fixa o carácter hierárquico, unitário e centralizado da Igreja; o seu direito de controlar e, caso ocorra, condenar as posições que contrastem com a formulação ortodoxa das verdades de fé; o seu papel na administração dos sacramentos.

Esta eclesiologia foi selada no dogma da infalibilidade pontifícia proclamado no Concílio Vaticano I [1869-1870], colocado à prova oitenta anos depois, na afirmação dogmática da Assunção de Maria ao Céu (1950), a qual, juntamente com a precedente proclamação dogmática da sua Imaculada Conceição (1854), reafirma a centralidade do culto mariano.

Seria, todavia, redutor se nos limitássemos a quanto dissemos até agora. Porque existe, ou melhor existia, também um difuso “sentir católico”, assim constituído:

- uma atitude cultural que se baseia sobre um realismo, a propósito da natureza humana, por vezes desencantado, mas disposto a “tudo compreender” como premissa do “tudo perdoar”;

- uma espiritualidade não-ascética, compreensiva de certos aspectos materiais da vida e não disposta a desprezá-los;

- empenhado numa caridade quotidiana para com os humildes e os necessitados, sem precisar de os idealizar ou deles fazer quase um ídolo;

- disposto a representar-se também na própria sumptuosidade, portanto não surdo à razão de ser da beleza e das artes, enquanto testemunhos de uma Beleza suprema à qual o cristão deve tender;

- indagador subtil das moções mais recônditas do coração, da luta interior entre o bem e o mal, da dialéctica entre “tentação” e a resposta da consciência.

Poder-se-ia então dizer que naquilo a que chamo de “catolicismo romano” entrelaçam-se três aspectos, além, obviamente, do religioso: o estético, o jurídico e o político. Trata-se de uma visão racional do mundo que penetra numa instituição visível e compacta e que entra fatalmente em conflito com a ideia de representação que emergiu com a modernidade, baseada no individualismo e numa concepção do poder que, vinda de baixo, acaba por colocar em discussão o princípio da autoridade.

sexta-feira, 30 de março de 2018

O mistério da Sexta-feira Santa


Hoje é Sexta-Feira Santa, Sexta-Feira da Paixão do Senhor.

Numa sexta-feira, provavelmente no dia 7 de abril do ano 30, os romanos crucificaram, a pedido das autoridades religiosas judaicas, o pregador Jesus de Nazaré, em hebraico, Ieshu ben Ioseph.

Jesus pregava a chegada do Reino de Deus, anunciado nas Escrituras de Israel; afirmava ter vindo de Deus, ser o Filho de Deus. Escolhera Doze discípulos, indicando claramente que, a partir Dele, Israel, o povo das Doze tribos, deveria ser renovado e transformado. Afirmava que aqueles que Nele acreditassem e O aceitassem como Messias e Salvador, que O amassem mais que à própria vida e se abrissem à Sua mensagem sem nenhuma reserva, encontrariam a Luz verdadeira, a Vida verdadeira e venceriam, com Ele e como Ele, a própria morte: as mortes da vida e a Morte última.

Sexta-feira, 7 de abril, Jerusalém, ano 30. Jesus está na cruz, humanamente aniquilado, um farrapo, um trapo de gente. Perdoa Seus inimigos, entrega-Se com total confiança nas mãos do Deus Santo de Israel, a Quem Ele chamava de Pai, e morre. É sepultado. No terceiro dia, Seus discípulos dizem que Ele veio, vivo, ressuscitado, totalmente transfigurado, glorioso, divinizado na Sua natureza humana, ao encontro dos Seus.

Tudo mudou para aqueles Doze, tudo mudou para os discípulos, tudo mudou para Paulo de Tarso, judeu culto, letrado, prudente, que diz ter sido encontrado por Jesus vivo, ressuscitado, vitorioso, no caminho de Damasco... Deste testemunho dos Apóstolos a Igreja vive há dois mil anos; por esse testemunho muitos deram a vida, muitos consagraram toda a existência. Os cristãos creem com todas as forças e com razoáveis motivos: Jesus venceu a morte, ressuscitou, está no Pai e, na potência do Seu Espírito Santo, estará presente à Sua Igreja até o fim dos tempos.

Mas, hoje é Sexta-Feira. Sexta-Feira de silêncio, de jejum, de oração, de abstinência de carne. Sexta-Feira escandalosa: como pode um Deus morto? Como pode a Vida ser morta pela Morte? Como pode a Luz dissipar-Se ante as trevas? Como pode o Pai Se calar e permitir que o Justo fosse assassinado e derrotado? Onde está Deus? Se existe, por que não salvou o Seu Filho amado?

De fato, a cruz, por si mesma, é um escândalo terrível! Por isso os antigos pagãos, zombando dos cristãos, representavam um asno crucificado. A fé cristã não passaria de “asneiras”. Há dois mil anos pensam ou dizem isso... Os muçulmanos zombam de nós, chamando-nos “adoradores da cruz”, e o mundo atual odeia com todas as forças tudo que signifique cruz, tudo que estrague a curtição do homem embevecido com sua razão, com sua tecnologia, com seu conforto, com suas soluções “morais” práticas e fáceis, tanto quanto levianas e vulgares, com sua ilusão de ser senhor do bem e do mal, do certo e do errado, da vida e da morte...