quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Homilética: 9º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "As Obras da Fé"



Erram aquelas pessoas que pensam que basta com aceitar Jesus para serem salvos! Equivocam-se aqueles outros que pensam que é suficiente a mera fé para chegar à vida eterna! Está longe da verdade o individuo que proclama somente com a boca, “Senhor, Senhor”, sem aprofundar essas palavras no coração, tendo-as verdadeiramente como programa de vida.

No mesmo caminho do erro estão aqueles que pensam que para salvar-se basta com não fazer coisas más. Estão equivocados aqueles que confundem a filantropia com a caridade. Mas também estão longe da verdade os que insistem nas obras e diminuem importância à graça e à fé.

Em contra dessas visões parciais se opõe o maravilhoso equilíbrio do Evangelho. Por um lado: “tua fé te salvou” (Lc 8,48) e “tudo é possível ao que crê” (Mc 9,23). Por outro: “nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21) e “Vinde, benditos do meu Pai, tomai posse do Reino (…) porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes (…)” (Mt 25,34-36). Poderíamos seguir apoiando as duas caras dessa moeda única com outros textos da Escritura Santa. O mesmo apóstolo que deixou escrito que “o justo viverá pela fé” (Rm 1,17) disse no capítulo seguinte da carta aos Romanos que o juízo de Deus “retribuirá a cada um segundo as suas obras” (Rm 2,6).

Todo cristão deve viver de fé. Mas a fé não é uma mera profissão da boca para fora, não é um mero ato de confiança na misericórdia de Deus, não é somente acreditar que Deus existe. A fé é algo que invade toda a nossa existência: o nosso ser, a nossa inteligência, a nossa vontade, os nossos sentimentos. Quase se poderia dizer que nós não temos fé, mas que a fé nos tem. Somos homens e mulheres de fé. Ao vivermos de fé, perceberemos as consequências da fé em todas as dimensões do nosso existir. O cristão nunca pode desassociar a sua fé da sua vida. Dizer “Senhor, Senhor” na Missa dominical é muito importante, mas é preciso continuar dizendo “Senhor, Senhor” nas vinte quatro horas de cada jornada, não necessariamente com a boca, mas com as nossas ações quotidianas. É preciso proclamar o senhorio de Jesus na família, no trabalho e em todas as demais relações. 

Comentários dos Textos Bíblicos

Leituras: Dt 11,18.26-28.32; Sl 30; Rm 3,21-25a.28; Mt 7,21-27

Em Dt 11, 18. 26-32 temos um discurso de Moisés no final da vida. Ele relembra aos Hebreus os compromissos assumidos para com Deus e os convida a renovar a Aliança com o Senhor. É um convite a ter a Palavra de Deus sempre presente: “gravada no coração e na alma”.

Jesus, em Mt 7, 21-27, afirma solenemente: “Nem todo aquele que me diz, ‘Senhor, Senhor entrará no Reino dos Céus, más sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus’”.

Na ocasião em que o Senhor pronunciou essas palavras, falava diante de muitos que tinham transformado a oração numa mera recitação de palavras e fórmulas, que depois não influíam em nada na sua conduta hipócrita e cheia de malícia. O nosso diálogo com Cristo não deve ser assim: Ensinava São Josemaria Escrivá: “A tua oração tem de ser a do filho de Deus; não a dos hipócritas, que hão de escutar de Jesus aquelas palavras: “Nem todo aquele que diz Senhor!, Senhor! entrará no Reino dos Céus”. – A tua oração, o teu clamar; Senhor!, Senhor!, tem de andar unido, de mil formas diversas no teu dia, ao desejo e ao esforço eficaz de cumprir a vontade de Deus” (Forja, nº 358).

O caminho que conduz ao Céu e à felicidade aqui na terra, diz Santo Hilário, “é a obediência à vontade divina, não a repetição do seu nome”. A oração deve fazer-se acompanhar do desejo de realizar o querer de Deus que se nos manifesta de formas tão variadas. “Seria estranho – exclama Santa Teresa – que Deus nos estivesse dizendo claramente que nos ocupássemos de alguma coisa que é do seu interesse, e nós não o quiséssemos, por estarmos mais interessados no nosso gosto”.

Que pena se Deus quisesse levar-nos por um caminho e nós nos empenhássemos em seguir por outro! Certamente gostaríamos de merecer que nos chamassem “aqueles que amam a vontade de Deus. Empreguemos os meios para isso, dia após dia! E esses meios consistirão normalmente em nos perguntarmos muitas vezes ao longo do dia: faço neste momento o que devo fazer?

O empenho em procurar em tudo a vontade de Deus – a sua glória – dá-nos uma particular fortaleza contra as dificuldades e tribulações que tenhamos de padecer: doenças, calúnias, dificuldades econômicas…

No texto de Mt 7, 21-27 que estamos meditando podemos identificar os falsos profetas, os falsos discípulos, os falsos cristãos. Estes são os que dizem “Senhor, Senhor”, mas não fazem a vontade de Deus; não mantêm com Deus uma relação de comunhão e de intimidade; têm Deus nos lábios, mas o seu coração está cheio de maldade… Falam muito e bem, mas as suas obras denunciam a sua falsidade. O verdadeiro cristão é aquele que une a vontade do Pai; aquele que une a fé à vida.

Jesus fala da casa construída sobre a rocha e sobre a areia.

A vida do cristão que segue o Senhor com obras – a sua casa – não desmorona, porque está edificada sobre o mais completo abandono na vontade de Deus.

Procuremos construir a casa sobre a rocha! Somente a fé, que se exercida numa adesão plena à vontade de Deus, permite ao homem edificar a sua casa sobre a rocha e não teme que ventos e tempestades invistam contra elas. A casa é a vida cristã, que, cimentada na fé de Cristo e no cumprimento de Sua palavra, pode lançar o desafio a qualquer furacão e ainda ao tempo e à morte, convertendo-se um dia em vida eterna.

Em que tipo de alicerce queremos construir a casa de nossa vida?

Sobre a rocha firme da Palavra de Deus ouvida e praticada ou sobre valores efêmeros do dinheiro, do poder, da fama, da glória, da mentira, da injustiça ou da violência?

Um alicerce sólido e forte pode servir também de apoio para outras edificações mais fracas. A nossa vida interior, impregnada de oração e de realidades, pode servir de ajuda a muitos outros homens, que encontrarão em nós a fortaleza necessária quando as suas forças fraquejarem.

Não nos separemos em nenhum momento de Jesus! “Quando te vires atribulado…, e também na hora do triunfo, repete: – Senhor, não me largues, não me deixes, ajuda-me como a uma criatura inexperiente, leva-me sempre pela tua mão!”. “Jesus, eu me ponho confiadamente nos teus braços, escondida a minha cabeça no teu peito amoroso, pegado o meu coração ao Teu coração: quero, em tudo, o que Tu quiseres” (São Josemaria Escrivá, Forja, nº 654 e 529). Só o que Tu quiseres, Senhor! Não quero mais nada!

PARA REFLETIR

Somos crentes! Cremos que há um Deus no céu e na terra, um Deus na nossa vida! Crer significa abrir-se para Ele, reconhecê-lo como Origem, Sentido e Destino da nossa existência… Para nós, viver é viver nele, morrer é ficar sem ele, pois já não teríamos um sentido para nossa vida! Crer é poder dizer: Deus é meu chão, é meu horizonte, é meu ambiente, é o ar que eu respiro!

É neste contexto e com estes pensamentos que devemos escutar as exortações do livro do Deuteronômio, na primeira leitura desta Eucaristia, ao nos falar de Deus e da sua Palavra: “Incuti estas minhas palavras em vosso coração e colocai-as como faixas sobre a testa”. Eis: o fiel aqui é convidado a envolver-se com a Palavra, a deixar-se abarcar por Deus, por sua vida, por seus mandamentos, por seu amor… O fiel é exortado a respirar Deus com toda a sua existência! Daqui depende a bênção ou a maldição de sua vida, de seu caminho neste mundo, daqui decorre o sentido ou ausência de sentido da sua existência neste mundo e na eternidade: “Escolhe, pois a bênção para que vivas! Façamos aqui uma pausa e, do fundo da nossa existência, tão débil e incerta – certa somente se for vivida em Deus – elevemos o coração ao Senhor com as palavras do Salmista: “Senhor, eu ponho em vós a minha esperança! Sede uma rocha protetora para mim, um abrigo bem seguro que me salve! Sim, sois vós a minha rocha e fortaleza: salvai-me pela vossa compaixão!”

Para nós, cristãos, a vida com Deus é mais que obedecer a preceitos: é crer, é abrir-se totalmente para Aquele que o Pai nos deu – Jesus! Somos todos tão incapazes de agradar a Deus, tão quebrados interiormente… Não somos bonzinhos, não somos tranquilamente abertos para Deus, disponíveis à sua vontade a nosso respeito… Não lhe somos fiéis como deveríamos! É em Cristo – e somente em Cristo -, no seu amor até a morte, que encontramos a vida com Deus e em Deus. É o que nos quer dizer São Paulo na segunda leitura de hoje: “Todos pecaram e estão privados da glória de Deus, e a justificação se dá gratuitamente por sua graça, em virtude da redenção realizada em Jesus Cristo”. Atentos à palavra do Apóstolo: todos somos pecadores, todos com a profunda tendência de nos fechar à graça, de viver como quem não crer, como se Deus não existisse! O único modo de nos abrirmos para Deus de verdade é acolher Aquele que morreu e ressuscitou para nos justificar, isto é, tornar-nos amigos de Deus, fazer-nos justos diante de Deus! Contemplando o quanto o Senhor Jesus deu-se por nós, sofreu por nós, por nós morreu e ressuscitou, somos convidados a nos reconhecer pecadores, sem-amor, indignos de Deus, e abandonarmo-nos à salvação que somente Jesus nos pode dar! Eis o que é crer em Jesus! Notemos que é o contrário do pensamento dominante hoje, quando a humanidade acha-se justa, santa, madura – até chegar ao ponto de julgar Deus e seus preceitos! O crente, remando contra a maré, reconhece-se indigno de Deus, pequeno ante ele e, cheio de confiança, nele se abandona. A fé é o contrário da vã confiança, da prepotência presunçosa e ilusória. Feliz era Francisco de Assis, que perguntava e respondia ao Cristo: “Senhor, quem és tu? Quem sou eu? Tu és o meu tudo; eu sou o teu nada!”

Mas, atenção! Esta fé em Jesus é mais que uma proclamação, que um sentimento: é uma abertura real, uma atitude de vida, um compromisso que envolve toda a existência nossa: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade do meu Pai que está os céus!” Que estejamos bem atentos – e estejam também aqueles que, de modo unilateral e ilusório, gritam que só a fé salva; as obras ao contam: não adianta nada, não é sinal de verdadeira fé gritar o nome do Senhor, profetizar em nome do Senhor, expulsar demônios em nome do Senhor, fazer muitos milagres em nome do Senhor! Tudo isso sem um compromisso eficaz e real de nossa vida com o modo de ser e viver que Jesus nos propõe, é inútil: “Jamais vos conheci! Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal!”.

Nestes tempos em que a fé virou show de televisão e o nome de Jesus é instrumento de alienação e lucro vil e ter fé é confundido com ser crédulo e ingênuo, o Senhor nos aponta o sentido da verdadeira fé: construir a casa da vida sobre a rocha que é Cristo, por ele perder-se e perder tudo, nele tudo apostar, nele absolutamente confiar, na sua Palavra viver e morrer e nele ter a certeza de que somente em Jesus o Pai nos disse Sim, um sim do qual ele não se arrependerá jamais!

Pois! Que Cristo, a Palavra última e única do Pai – Palavra que contém todas as palavras! – que Ele seja incutido em nosso coração e em nossa alma; seja um sinal em nossas mãos e um selo o nosso coração e na nossa vida! É esta a bênção verdadeira, esta, a vida, esta a salvação! Que o Senhor no-la conceda na sua misericórdia! Amém.

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