domingo, 31 de março de 2013

Mensagem de Páscoa do Papa Francisco.



Mensagem Pascal e Benção “Urbi et Orbi”
Balcão Central da Basílica Vaticana
Domingo, 31 de março de 2013


Amados irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro, boa Páscoa! Boa Páscoa!

Que grande alegria é para mim poder dar-vos este anúncio: Cristo ressuscitou! Queria que chegasse a cada casa, a cada família e, especialmente onde há mais sofrimento, aos hospitais, às prisões…

Sobretudo queria que chegasse a todos os corações, porque é lá que Deus quer semear esta Boa Nova: Jesus ressuscitou, há uma esperança que despertou para ti, já não estás sob o domínio do pecado, do mal! Venceu o amor, venceu a misericórdia! A misericórdia sempre vence!

Também nós, como as mulheres discípulas de Jesus que foram ao sepulcro e o encontraram vazio, nos podemos interrogar que sentido tenha este acontecimento (cf. Lc 24, 4). Que significa o fato de Jesus ter ressuscitado? Significa que o amor de Deus é mais forte que o mal e a própria morte; significa que o amor de Deus pode transformar a nossa vida, fazer florir aquelas parcelas de deserto que ainda existem no nosso coração. E isto é algo que o amor de Deus pode fazer.

Este mesmo amor pelo qual o Filho de Deus Se fez homem e prosseguiu até ao extremo no caminho da humildade e do dom de Si mesmo, até a morada dos mortos, ao abismo da separação de Deus, este mesmo amor misericordioso inundou de luz o corpo morto de Jesus e transfigurou-o, o fez passar à vida eterna. Jesus não voltou à vida que tinha antes, à vida terrena, mas entrou na vida gloriosa de Deus e o fez com a nossa humanidade, abrindo-nos um futuro de esperança.

Eis o que é a Páscoa: é o êxodo, a passagem do homem da escravidão do pecado, do mal, à liberdade do amor, do bem. Porque Deus é vida, somente vida, e a sua glória somos nós: o homem vivo (cf. Ireneu, Adversus haereses, 4, 20, 5-7).




Amados irmãos e irmãs, Cristo morreu e ressuscitou de uma vez para sempre e para todos, mas a força da Ressurreição, esta passagem da escravidão do mal à liberdade do bem, deve realizar-se em todos os tempos, nos espaços concretos da nossa existência, na nossa vida de cada dia. Quantos desertos tem o ser humano de atravessar ainda hoje! Sobretudo o deserto que existe dentro dele, quando falta o amor de Deus e ao próximo, quando falta a consciência de ser guardião de tudo o que o Criador nos deu e continua a dar. Mas a misericórdia de Deus pode fazer florir mesmo a terra mais árida, pode devolver a vida aos ossos ressequidos (cf. Ez 37, 1-14).

Eis, portanto, o convite que dirijo a todos: acolhamos a graça da Ressurreição de Cristo! Deixemo-nos renovar pela misericórdia de Deus, deixemo-nos amar por Jesus, deixemos que a força do seu amor transforme também a nossa vida, tornando-nos instrumentos desta misericórdia, canais através dos quais Deus possa irrigar a terra, guardar a criação inteira e fazer florir a justiça e a paz.

E assim, a Jesus ressuscitado que transforma a morte em vida, peçamos para mudar o ódio em amor, a vingança em perdão, a guerra em paz. Sim, Cristo é a nossa paz e, por seu intermédio, imploramos a paz para o mundo inteiro.

Paz para o Oriente Médio, especialmente entre israelitas e palestinos, que sentem dificuldade em encontrar a estrada da concórdia, a fim de que retomem, com coragem e disponibilidade, as negociações para pôr termo a um conflito que já dura há demasiado tempo. Paz no Iraque, para que cesse definitivamente toda a violência, e sobretudo para a amada Síria, para a sua população vítima do conflito e para os numerosos refugiados, que esperam ajuda e conforto. Já foi derramado tanto sangue… Quantos sofrimentos deverão ainda atravessar antes de se conseguir encontrar uma solução política para a crise?

Paz para a África, cenário ainda de sangrentos conflitos: no Mali, para que reencontre unidade e estabilidade; e na Nigéria, onde infelizmente não cessam os atentados, que ameaçam gravemente a vida de tantos inocentes, e onde não poucas pessoas, incluindo crianças, são mantidas como reféns por grupos terroristas. Paz no leste da República Democrática do Congo e na República Centro-Africana, onde muitos se vêem forçados a deixar as suas casas e vivem ainda no medo.

Paz para a Ásia, sobretudo na península coreana, para que sejam superadas as divergências e amadureça um renovado espírito de reconciliação.

Paz para o mundo inteiro, ainda tão dividido pela ganância de quem procura lucros fáceis, ferido pelo egoísmo que ameaça a vida humana e a família – um egoísmo que faz continuar o tráfico de pessoas, a escravatura mais extensa neste século vinte e um. O tráfico de pessoas é realmente a escravatura mais extensa neste século vinte e um! Paz para todo o mundo dilacerado pela violência ligada ao narcotráfico e por uma iníqua exploração dos recursos naturais. Paz para esta nossa Terra! Jesus ressuscitado leve conforto a quem é vítima das calamidades naturais e nos torne guardiões responsáveis da criação.

Amados irmãos e irmãs, originários de Roma ou de qualquer parte do mundo, a todos vós que me ouvis, dirijo este convite do Salmo 117: «Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterno o seu amor. Diga a casa de Israel: É eterno o seu amor» (vv. 1-2).

Saudação

Queridos irmãos e irmãs, a vós aqui reunidos de todos os cantos do mundo nesta Praça, coração da cristandade, e a todos vós que estais conectados através dos meios de comunicação, renovo o meu voto: Feliz Páscoa!

Levai às vossas famílias e aos vossos Países a mensagem de alegria, de esperança e de paz, que a cada ano, neste dia, se renova com vigor.

O Senhor ressuscitado, vencedor do pecado e da morte, seja o amparo para todos, especialmente para os mais frágeis e necessitados. Obrigado pela vossa presença e pelo testemunho da vossa fé. Uma lembrança e um agradecimento especial pelo dom das belíssimas flores, que provêm dos Países Baixos. A todos repito com afeto: Que Cristo ressuscitado guie a todos vós e à humanidade inteira pelos caminhos de justiça, de amor e de paz.
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Fonte: Boletim da Santa Sé.
Disponível em: Canção Nova.

Homilia do Papa Francisco na Celebração da Vigília Pascal



Santa Missa da Vigília Pascal
Páscoa do Senhor
Basílica de São Pedro, 30 de março de 2013


Amados irmãos e irmãs!

1. No Evangelho desta noite luminosa da Vigília Pascal, encontramos em primeiro lugar as mulheres que vão ao sepulcro de Jesus levando perfumes para ungir o corpo d’Ele (cf. Lc 24, 1-3). Vão cumprir um gesto de piedade, de afeto, de amor, um gesto tradicionalmente feito a um ente querido falecido, como fazemos nós também. Elas tinham seguido Jesus, ouviram-No, sentiram-se compreendidas na sua dignidade e acompanharam-No até ao fim no Calvário e ao momento da descida do seu corpo da cruz. Podemos imaginar os sentimentos delas enquanto caminham para o túmulo: tanta tristeza, tanta pena porque Jesus as deixara; morreu, a sua história terminou. Agora se tornava à vida que levavam antes. Contudo, nas mulheres, continuava o amor, e foi o amor por Jesus que as impelira a irem ao sepulcro. Mas, chegadas lá, verificam algo totalmente inesperado, algo de novo que lhes transtorna o coração e os seus programas e subverterá a sua vida: vêem a pedra removida do sepulcro, aproximam-se e não encontram o corpo do Senhor. O caso deixa-as perplexas, hesitantes, cheias de interrogações: «Que aconteceu?», «Que sentido tem tudo isto?» (cf. Lc 24, 4). Porventura não se dá o mesmo também conosco, quando acontece qualquer coisa de verdadeiramente novo na cadência diária das coisas? Paramos, não entendemos, não sabemos como enfrentá-la. Frequentemente mete-nos medo a novidade, incluindo a novidade que Deus nos traz, a novidade que Deus nos pede. Fazemos como os apóstolos, no Evangelho: muitas vezes preferimos manter as nossas seguranças, parar junto de um túmulo com o pensamento num defunto que, no fim de contas, vive só na memória da história, como as grandes figuras do passado. Tememos as surpresas de Deus; temos medo das surpresas de Deus! Ele não cessa de nos surpreender! 

Irmãos e irmãs, não nos fechemos à novidade que Deus quer trazer à nossa vida! Muitas vezes sucede que nos sentimos cansados, desiludidos, tristes, sentimos o peso dos nossos pecados, pensamos que não conseguimos? Não nos fechemos em nós mesmos, não percamos a confiança, não nos demos jamais por vencidos: não há situações que Deus não possa mudar; não há pecado que não possa perdoar, se nos abrirmos a Ele.


2. Mas voltemos ao Evangelho, às mulheres, para vermos mais um ponto. Elas encontram o túmulo vazio, o corpo de Jesus não está lá… Algo de novo acontecera, mas ainda nada de claro resulta de tudo aquilo: levanta questões, deixa perplexos, sem oferecer uma resposta. E eis que aparecem dois homens em trajes resplandecentes, dizendo: «Porque buscais o Vivente entre os mortos? Não está aqui; ressuscitou!» (Lc 24, 5-6). E aquilo que começara como um simples gesto, certamente cumprido por amor – ir ao sepulcro –, transforma-se em acontecimento, e num acontecimento tal que muda verdadeiramente a vida. Nada mais permanece como antes, e não só na vida daquelas mulheres mas também na nossa vida e na história da humanidade. Jesus não está morto, ressuscitou, é o Vivente! Não regressou simplesmente à vida, mas é a própria vida, porque é o Filho de Deus, que é o Vivente (cf. Nm 14, 21-28; Dt 5, 26, Js 3, 10). Jesus já não está no passado, mas vive no presente e lança-Se para o futuro: é o «hoje» eterno de Deus. Assim se apresenta a novidade de Deus diante dos olhos das mulheres, dos discípulos, de todos nós: a vitória sobre o pecado, sobre o mal, sobre a morte, sobre tudo o que oprime a vida e lhe dá um rosto menos humano. E isto é uma mensagem dirigida a mim, a ti, amada irmã e amado irmão. Quantas vezes precisamos que o Amor nos diga: Porque buscais o Vivente entre os mortos? Os problemas, as preocupações de todos os dias tendem a fechar-nos em nós mesmos, na tristeza, na amargura… e aí está a morte. Não procuremos aí o Vivente! Aceita então que Jesus Ressuscitado entre na tua vida, acolhe-O como amigo, com confiança: Ele é a vida! Se até agora estiveste longe d’Ele, basta que faças um pequeno passo e Ele te acolherá de braços abertos. Se és indiferente, aceita arriscar: não ficarás desiludido. Se te parece difícil segui-Lo, não tenhas medo, entrega-te a Ele, podes estar seguro de que Ele está perto de ti, está contigo e dar-te-á a paz que procuras e a força para viver como Ele quer.

3. Há ainda um último elemento, simples, que quero sublinhar no Evangelho desta luminosa Vigília Pascal. As mulheres se encontram com a novidade de Deus: Jesus ressuscitou, é o Vivente! Mas, à vista do túmulo vazio e dos dois homens em trajes resplandecentes, a primeira reação que têm é de medo: «amedrontadas – observa Lucas –, voltaram o rosto para o chão», não tinham a coragem sequer de olhar. Mas, quando ouvem o anúncio da Ressurreição, acolhem-no com fé. E os dois homens em trajes resplandecentes introduzem um verbo fundamental: «Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na Galiléia (...) Recordaram-se então das suas palavras» (Lc 24, 6.8). É o convite a fazer memória do encontro com Jesus, das suas palavras, dos seus gestos, da sua vida; e é precisamente este recordar amorosamente a experiência com o Mestre que faz as mulheres superarem todo o medo e levarem o anúncio da Ressurreição aos Apóstolos e a todos os restantes (cf. Lc 24, 9). Fazer memória daquilo que Deus fez e continua a fazer por mim, por nós, fazer memória do caminho percorrido; e isto abre de par em par o coração à esperança para o futuro. Aprendamos a fazer memória daquilo que Deus fez na nossa vida.

Nesta Noite de luz, invocando a intercessão da Virgem Maria, que guardava todos os acontecimentos no seu coração (cf. Lc 2, 19.51), peçamos ao Senhor que nos torne participantes da sua Ressurreição: que nos abra à sua novidade que transforma, às surpresas de Deus; que nos torne homens e mulheres capazes de fazer memória daquilo que Ele opera na nossa história pessoal e na do mundo; que nos torne capazes de O percebermos como o Vivente, vivo e operante no meio de nós; que nos ensine cada dia a não procurarmos entre os mortos Aquele que está vivo. Assim seja.

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Fonte: CNBB.

sábado, 30 de março de 2013

Não tenhamos medo das surpresas de Deus, pediu o Papa na Vigília Pascal

Com a Basílica de São Pedro lotada,
Papa Francisco celebra a Vigília Pascal no Vaticano

O Papa Francisco, presidiu neste Sábado Santo, 30, a celebração da Vigília Pascal, na Basílica de São Pedro, em Roma. Como prevê a liturgia, o Santo Padre iniciou a cerimônia com a Benção do Fogo Novo. Em seguida, adentrou à Basílica, em procissão, com o Círio Pascal, símbolo do Cristo Ressuscitado.

Após percorrer o corredor central, o Papa chegou ao presbitério e beijou o Altar. Ouviu-se então a proclamação da Páscoa e o canto do “Exultat”.

Um momento marcante na celebração foi a entoação do Hino do Glória – Gloria in excelsis deo – que quer dizer, “Glória a Deus nas alturas”. Nesta hora, se acenderam as luzes da Basílica e ressoaram os sinos no interior e fora do templo.

Após o anúncio e o canto do “Aleluia”, ouviu-se a proclamação do Evangelho. Em seguida, o Santo Padre proferiu breves palavras em sua homilia.



O Papa Francisco recordou a narração do texto de São Lucas, ouvido durante a celebração, e enfatizando a figura das mulheres que foram surpreendidas com a ausência do corpo de Jesus no túmulo (cf.Lc 24, 1-12).

Segundo o Papa, há uma dificuldade por parte do homem em lidar com as surpresas de Deus. No entanto, o convite do Pontífice foi que os católicos não temam as novidades do Senhor. “Temos medo das surpresas de Deus! Irmãos e irmãs, não nos fechemos às surpresas de Deus. Não nos fechemos em nós mesmos, não percamos a confiança”, convidou o Papa.

Mencionando as palavras do Anjo que apareceu às mulheres – “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo?” – o Papa questionou: “Quantas vezes precisamos que o Amor nos diga: porque buscar os viventes no meio dos mortos”? Para o Pontífice, os problemas e as situações do dia a dia tendem a entristecer e tirar-nos a paz. Logo, afirmou o Papa, aí está a morte.

De acordo com o Santo Padre, quem acolhe Jesus Ressuscitado não fica desiludo ou entristecido. “Podes estar seguro porque Ele está perto de ti e lhe dará força para viver como Ele quer.”

Um último elemento destacado pelo Papa Francisco na homilia, foi o sentimento de medo que tomou as mulheres que visitavam o túmulo de Cristo. Segundo o Santo Padre, a novidade de Deus causou-lhes medo a princípio, mas quando ouviram o anúncio da Ressurreição, acolheram e confiaram.

A confiança, explicou o Papa, veio após o convite do anjo que lhes chamou a recordar as palavras de Jesus antes de morrer. “Fazer memória do acontecimento de Jesus, é isso que faz as mulheres anunciar a todos. Fazer memória daquilo que Deus fez, do caminho percorrido. Isso abre o coração para a espera, para o futuro”, disse o Papa.

Por fim, o Santo Padre pediu a Deus, por intercessão de Maria, que o coração dos fiéis estejam abertos para fazerem memória daquilo que Deus fez a eles; que os torne capazes de perceber Cristo como vivente e que os ensine a não procurar entre os mortos Aquele que está vivo.

A Vigília Pascal é a última celebração do Tríduo Pascal que prepara os católicos para a festa da Páscoa – Ressurreição de Jesus Cristo. Os símbolos do Fogo, da Luz, o canto do “Aleluia”, dentre outros momentos marcantes, dão acentuação especial a esta cerimônia tradicional da Igreja Católica.

A celebração da “Noite de todas as noites”, como é chamada pela Igreja, já era mencionada em livros do segundo século e também – conforme escritos de São Jerônimo – era celebrada pelos primeiros Apóstolos.


André Alves
Da redação
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Fonte: Canção Nova.

Sábado de Aleluia ou Sábado Santo?

Após a sua morte, Cristo "desceu à mansão dos mortos".


Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.

Ele vai antes de tudo à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos.

O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: "O meu Senhor está no meio de nós". E Cristo respondeu a Adão: "E com teu espírito". E tomando-o pela mão, disse: "Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará".

Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti por aqueles que nascerem de ti, agora digo, que com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: 'Saí!'; e aos que jaziam na trevas: 'Vinde para a luz!'; E aos entorpecidos: 'Levantai-vos!'

Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.

Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu Filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci a terra e foi até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixastes o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus, e num jardim crucificado.

Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê na minha face as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, tua beleza corrompida.

Vê minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar dos teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à arvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendes suas mãos para a árvore do paraíso.

Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti.

Levante-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas no trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constitui anjos que, como servos, te guardassem, ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus.

Está preparado o trono dos querubins prontos e a postos os mensageiros, construído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos, adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o Reino dos Céus preparado para ti desde toda a eternidade".


De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo (Retirado da Liturgia da Horas).
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Disponível em: Canção Nova.
Título Original: Sábado Santo.

Palavras do Papa Francisco na Via-Sacra

PAPA FRANCISCO
VIA-SACRA 2013

Amados irmãos e irmãs,

Agradeço-vos por terdes participado, em tão grande número, neste momento de intensa oração. E agradeço também a todos aqueles que se uniram a nós através dos meios de comunicação, especialmente aos doentes e aos idosos.

Não quero acrescentar muitas palavras. Nesta noite, deve permanecer uma única palavra, que é a própria Cruz. A Cruz de Jesus é a Palavra com que Deus respondeu ao mal do mundo. Às vezes parece-nos que Deus não responda ao mal, que permaneça calado. Na realidade, Deus falou, respondeu, e a sua resposta é a Cruz de Cristo: uma Palavra que é amor, misericórdia,perdão. É também julgamento: Deus julga amando-nos. Se acolho o seu amor, estou salvo; se o recuso, estou condenado, não por Ele, mas por mim mesmo, porque Deus não condena, Ele unicamente ama e salva.

Amados irmãos, a palavra da Cruz é também a resposta dos cristãos ao mal que continua a agir em nós e ao nosso redor. Os cristãos devem responder ao mal com o bem, tomando sobre si a cruz, como Jesus. Nesta noite, ouvimos o testemunho dos nossos irmãos do Líbano: foram eles que prepararam estas belas meditações e preces. De coração lhes agradecemos por este serviço e sobretudo pelo testemunho que nos dão. Vimo-lo quando o Papa Bento foi ao Líbano: vimos a beleza e a força da comunhão dos cristãos naquela Nação e da amizade de tantos irmãos muçulmanos e muitos outros . Foi um sinal para todo o Médio Oriente e para o mundo inteiro: um sinal de esperança. Então continuemos esta Via-Sacra na vida de todos os dias. Caminhemos juntos pela senda da Cruz, caminhemos levando no coração esta Palavra de amor e de perdão. Caminhemos esperando a Ressurreição de Jesus.
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Fonte: Zenit.
Disponível em: CNBB.

sexta-feira, 29 de março de 2013

A Cruz de Cristo é a resposta de Deus ao mal do mundo, diz Papa.




A tradicional Via Sacra no Coliseu, em Roma, teve início às 21h10 (horário local – 17h10 em Brasília) desta Sexta-feira Santa, 29, e foi presidida pelo Papa Francisco.

As meditações foram preparadas por jovens libaneses, sob a orientação do Patriarca Maronita do Líbano, Cardeal Béchara Boutros Raï, e revelaram um pouco das ansiedades e expectativas dos povos do Oriente Médio.

A reflexão da Via Sacra começou recordando uma pergunta feita a Jesus em sua passagem pela Judeia. “Alguém correu para Ele e ajoelhou-se perguntando: “Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?” (Mc 10, 17).

“A esta pergunta, que arde no mais fundo do nosso ser, Jesus deu resposta percorrendo o caminho da cruz. Contemplamo-Vos, Senhor, nesta estrada, sendo Vós o primeiro que a seguistes e, no fim dela, ‘lançastes a vossa cruz como uma ponte através da morte, a fim de que os homens pudessem passar da terra da morte para a da Vida’”, destacou o texto das meditações, que teve, como uma de suas inspirações para a elaboração, a Exortação Apóstolica “Ecclesia in Medio Oriente”.


Como é costume, a cada estação a Cruz foi carregada por pessoas de várias partes do mundo, como sinal da redenção de Cristo por todos.

Na primeira estação, a Cruz foi levado pelo Vigário para a Diocese de Roma, Cardeal Agostino Vallini. Na segunda, foi a vez de uma família italiana conduzir o símbolo, e na terceira, uma família indiana.

Na quarta e na quinta estação, a Cruz foi carregada por uma senhora de cadeira de rodas, e na sexta e sétima, por jovens sacerdotes chineses. Na oitava e nova estação, foi a vez de um sacerdote italiano e outro da Síria, para recordar a Terra Santa.

Na décima estação, a Cruz foi levada por religiosas, representando a África, na 11ª estação, por uma religiosa do Líbano, representando o Oriente Médio, e na 12ª e 13ª estação, dois brasileiros levaram a Cruz, representando a América Latina. E na 14ª e última estação, o Cardeal Vallini voltou a carregar a Cruz.

Palavras do Papa



Na conclusão da Via Sacra, o Papa Francisco dirigiu algumas palavras aos fiéis, destacando que, nesta noite, os cristãos devem permanecer com uma única palavra: a Cruz.

“A Cruz de Jesus é a palavra com que Deus respondeu ao mal do mundo. Às vezes parece que Deus não respondeu ao mal, que permaneceu calado. Na realidade ele falou, respondeu e sua resposta é a Cruz de Cristo. Uma palavra que é amor, misericórdia, perdão e também julgamento. Deus julga amando-nos”, destacou.

O Papa explicou que as pessoas que acolhem o amor de Deus estão salvas, porém, as que o recusam, estão condenadas, “não por Ele”, mas por si próprias. “Deus não condena, Ele unicamente ama e salva”.

E se dirigindo aos cristãos, o Papa Francisco afirmou que a “Palavra da Cruz é também a resposta dos cristãos ao mal que continua a agir ao nosso redor. Os cristãos devem responder ao mal com o bem, tomando sobre a si a Cruz, como Jesus”.

Por fim, o Papa convidou a todos a caminharem juntos na senda da Cruz, levando no coração esta Palavra de amor e perdão, esperando a ressurreição de Cristo, que ama a todos, e concluiu com sua  benção apostólica

A Via Sacra é uma oração que tem como objetivo meditar a paixão, morte e ressurreição de Cristo.

Neste sábado, o Papa Francisco irá presidir a Missa da Vigília Pascal às 21h (horário de Roma – 17h no Brasil).


Kelen Galvan
Da Redação
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Fonte: Canção Nova.


Homilia do Frei Cantalamessa na celebração da Sexta-feira Santa no Vaticano.



“Justificados gratuitamente por meio da fé no sangue de Cristo”

“Todos pecaram e se privaram da glória de Deus, mas foram justificados gratuitamente pela sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus. Deus o predeterminou para a propiciação por meio da fé no seu sangue [...], para provar a sua justiça no tempo presente, a fim de que ele seja justo e justifique aquele que tem fé em Jesus” (Rm 3, 23-26).

Chegamos ao ápice do ano da fé e ao seu momento decisivo. Esta é a fé que salva, “a fé que vence o mundo” (1 Jo 5,5)! A fé – apropriação, pela qual tornamos nossa a salvação operada por Cristo e nos vestimos do manto da sua justiça. Por um lado, temos a mão estendida de Deus, que oferece a sua graça ao homem; por outro, a mão do homem, que se estende para recebê-la mediante a fé. A “nova e eterna aliança” é selada com um aperto de mão entre Deus e o homem.


Nós temos a possibilidade de tomar, neste dia, a decisão mais importante da vida, aquela que nos abre de par em par os portões da eternidade: acreditar! Acreditar que “Jesus morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação” (Rm 4, 25)! Numa homilia pascal do século IV, o bispo proclamava estas palavras excepcionalmente contemporâneas e, de certa forma, existenciais: “Para cada homem, o princípio da vida é aquele a partir do qual Cristo foi imolado por ele. Mas Cristo se imola por ele no momento em que ele reconhece a graça e se torna consciente da vida que aquela imolação lhe proporcionou” (Homilia de Páscoa no ano de 387; SCh 36, p. 59 s.).

Que extraordinário! Esta Sexta-feira Santa, celebrada no ano da fé e na presença do novo sucessor de Pedro, poderá ser, se quisermos, o início de uma nova vida. O bispo Hilário de Poitiers, que se converteu ao cristianismo quando já era adulto, afirmava, ao repensar na sua vida passada: “Antes de te conhecer, eu não existia”.

O necessário é apenas nos situarmos na verdade, reconhecermos que precisamos ser justificados, que não nos auto-justificamos. O publicano da parábola subiu ao templo e fez uma brevíssima oração: “Ó Deus, tem piedade de mim, pecador”. E Jesus diz que aquele homem foi para casa “justificado”, ou seja, transformado em homem justo, perdoado, feito criatura nova; cantando alegremente, penso eu, dentro do seu coração (Lc 18,14). O que ele tinha feito de tão extraordinário? Nada. Ele se colocou na verdade diante de Deus, e esta é a única coisa de que Deus precisa para agir.

***
Como o alpinista que, superando uma passagem perigosa, faz uma parada para retomar o fôlego e admirar a paisagem que se abre à sua frente, assim o apóstolo Paulo, no início do capítulo quinto da Carta aos Romanos, depois de proclamar a justificação pela fé, escreve: “Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus graças a nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de quem obtivemos acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus; não só isso, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência produz a experiência, e a experiência, a esperança. Ora, a esperança não nos decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5. 1-5).

Hoje, a partir de satélites artificiais, são tiradas fotografias infravermelhas de regiões inteiras da terra e de todo o planeta. Como é diferente a paisagem vista de cima, à luz desses raios, em comparação com o que vemos à luz natural e estando presentes no local! Eu me lembro de uma das primeiras fotos de satélite que correram o mundo, reproduzindo a península inteira do Sinai. As cores eram muito diferentes, eram mais evidentes os relevos e as depressões. É um símbolo. A vida humana, vista pelo infravermelho da fé, do alto do Calvário, também se mostra diferente de como é vista “a olho nu”.

“Tudo”, dizia o sábio do Antigo Testamento, “acontece para o justo e para o ímpio… Percebi que, sob o sol, em vez da lei existe a iniquidade, e, no lugar da justiça, a maldade” (Eclesiastes 3, 16; 9, 2). Em todos os tempos, de fato, viu-se a maldade triunfante e a inocência humilhada. Mas para que não se pense que no mundo não há nada de fixo e de certo, observa Bossuet, às vezes se vê o oposto, ou seja, a inocência no trono e a maldade no cadafalso. Mas o que o Eclesiastes concluía? “Então eu pensei: Deus julgará o justo e o ímpio, porque há um tempo para cada coisa” (Eclesiastes 3, 17). Ele encontra o ponto de observação que devolve a paz à alma.

O que o Eclesiastes não podia saber, mas que nós sabemos, é que esse juízo já aconteceu: “Agora”, diz Jesus, caminhando para a sua paixão, “é o julgamento deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo; e eu, quando for levantado da terra, atrairei todos para mim” (Jo 12, 31-32).

Em Cristo morto e ressuscitado, o mundo chegou ao seu destino final. O progresso da humanidade avança a um ritmo vertiginoso e a humanidade vê desenrolar-se, à sua frente, horizontes novos e inesperados, fruto das suas descobertas. Pode-se dizer, porém, que já chegou o fim do tempo, porque em Cristo, que subiu à direita do Pai, a humanidade encontrou o seu objetivo final. Já começaram os novos céus e a nova terra.

Apesar de toda a miséria, injustiça e monstruosidade na terra, ele já inaugurou a ordem definitiva no mundo. O que vemos com os nossos olhos pode nos sugerir o contrário, mas o mal e a morte foram, na verdade, derrotados para sempre. As suas fontes secaram; a realidade é que Jesus é o Senhor do mundo. O mal foi vencido radicalmente pela redenção que ele realizou. O novo mundo já começou.

Uma coisa, acima de tudo, parece diferente quando vista através dos olhos de fé: a morte! Cristo entrou na morte como se entra numa prisão escura, mas saiu dela pela muralha oposta. Ele não voltou por onde tinha entrado, como Lázaro, que tornara à vida para depois morrer de novo. Cristo abriu uma brecha para a vida que ninguém poderá fechar e pela qual todos podem segui-lo. A morte não é mais um muro contra o qual se parte toda esperança humana; ela se tornou uma ponte para a eternidade. Uma “ponte dos suspiros”, talvez, porque ninguém gosta do fato de morrer, mas uma ponte, não mais um abismo que engole tudo. “O amor é forte como a morte”, diz o Cântico dos Cânticos (8,6). Em Cristo, ele é mais forte do que a morte!

Na sua “História Eclesiástica do Povo Inglês”, Beda, o Venerável, relata como a fé cristã chegou até o norte da Inglaterra. Quando os missionários vindos de Roma chegaram a Northumberland, o rei do lugar convocou um conselho de notáveis para decidir se permitia ou não que eles divulgassem a nova mensagem. Alguns dos presentes foram a favor, outros contra. Era um inverno rigoroso, açoitado pela nevasca lá fora, mas a sala estava iluminada e aquecida. Em dado momento, um pássaro entrou por um buraco na parede, pairou assustado na sala e desapareceu por outro buraco, na parede oposta. Então, levantou-se um dos presentes e disse: “Rei, a nossa vida neste mundo é como aquele pássaro. Viemos não sabemos de onde, desfrutamos por um breve instante da luz e do calor deste mundo e depois desaparecemos de novo na escuridão, sem saber para onde estamos indo. Se estes homens podem nos revelar alguma coisa do mistério da nossa vida, devemos ouvi-los”.

A fé cristã poderia voltar ao nosso continente e ao mundo secularizado pela mesma razão por que já entrou nele antes: como a única que tem uma resposta segura para dar às grandes questões da vida e da morte.
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A cruz separa os crentes dos não crentes, porque, para alguns, ela é escândalo e loucura, e, para outros, é poder de Deus e sabedoria de Deus (cf. I Cor 1, 23-24). Em sentido mais profundo, ela une todos homens, crentes e não crentes. “Jesus tinha que morrer [...] não por uma nação, mas para reunir todos os filhos de Deus que andavam dispersos” (Jo 11, 51 s.). Os novos céus e a nova terra são de todos e para todos, porque Cristo morreu por todos.

A urgência decorrente de tudo isto é evangelizar: “O amor de Cristo nos impele, ao pensarmos que um só morreu por todos” (II Cor 5,14). Impele a evangelizar! Vamos anunciar ao mundo a boa notícia de que “não há nenhuma condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus, porque a lei do Espírito que dá vida em Cristo Jesus nos libertou da lei do pecado e da morte” (Rm 8, 1-2).

Há um conto, do judeu Franz Kafka, que é um poderoso símbolo religioso e que assume um novo significado, quase profético, na Sexta-Feira Santa: “Uma Mensagem Imperial”. Fala de um rei que, em seu leito de morte, chama um súdito e lhe sussurra ao ouvido uma mensagem. É tão importante aquela mensagem que ele faz o súdito repeti-la ao seu próprio ouvido. O mensageiro parte, logo em seguida. Mas ouçamos o resto da história diretamente do autor, com o tom onírico, de pesadelo, quase, que é típico deste escritor:

“Projetando um braço aqui, outro acolá, o mensageiro abre alas por entre a multidão e avança ligeiro como ninguém. Mas a multidão é imensa, e as suas moradas, exterminadas. Como voaria se tivesse via livre! Mas ele se esforça em vão; ainda continua a se afanar pelas salas interiores do palácio, do qual nunca sairá. E mesmo que conseguisse, isto nada quereria dizer: ele teria que lutar para descer as escadas. E mesmo que conseguisse, ainda nada teria feito: haveria que cruzar os pátios; e, depois dos pátios, o segundo círculo dos edifícios. Se conseguisse precipitar-se, finalmente, para fora da última porta – mas isso nunca, nunca poderá acontecer – eis que, diante dele, alçar-se-ia a cidade imperial, o centro do mundo, em que montanhas de seus detritos se amontoam. Lá no meio, ninguém é capaz de avançar, nem mesmo com a mensagem de um morto. Tu, no entanto, te sentas à tua janela e sonhas com aquela mensagem quando a noite vem”.

Do seu leito de morte, também Cristo confiou à sua Igreja uma mensagem: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15). Ainda existem muitos homens que se sentam à janela e sonham, sem saber, com uma mensagem como a dele. João, como acabamos de ouvir, afirma que o soldado perfurou o lado de Cristo na cruz “para que se cumprisse a Escritura, que diz: Hão-de olhar para Aquele que trespassaram” (Jo 19, 37). No Apocalipse, ele acrescenta: “Eis que vem sobre as nuvens e todo olho o verá; até os mesmos que o trespassaram, e todas as tribos da terra se lamentarão por ele” (Ap 1,7).

Esta profecia não anuncia a última vinda de Cristo, quando já não for o tempo da conversão, mas do julgamento. Ela descreve, em vez disso, a realidade da evangelização dos povos. Nela ocorre uma vinda misteriosa, mas real, do Senhor que traz a salvação. O seu pranto não será de desespero, mas de arrependimento e de consolação. Este é o significado da profecia da Escritura, que João vê realizada no lado trespassado de Cristo, ou seja, o texto de Zacarias 12, 10: “Derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém o Espírito de graça e de consolação; eles olharão para mim , para aquele a quem trespassaram”.

A evangelização tem uma origem mística; é um dom que vem da cruz de Cristo, daquele lado aberto, daquele sangue e água. O amor de Cristo, como o da Trindade, do qual é a manifestação histórica, é “diffusivum sui”, tende a se expandir e chegar a todas as criaturas, “especialmente as mais necessitadas da sua misericórdia”. A evangelização cristã não é conquista, não é propaganda; é o dom de Deus para o mundo em seu Filho Jesus. É dar ao Chefe a alegria de sentir a vida fluir do seu coração para o seu corpo, até vivificar os seus membros mais distantes.

Temos de fazer todo o possível para que a Igreja nunca se pareça ao castelo complicado e assombroso descrito por Kafka, e para que a mensagem possa sair dela tão livre e alegre como quando começou a sua corrida. Sabemos quais são os impedimentos que podem reter o mensageiro: as muralhas divisórias, começando por aquelas que separam as várias igrejas cristãs umas das outras; a burocracia excessiva; os resíduos de cerimoniais, leis e disputas do passado, que se tornaram, enfim, apenas detritos.

Em Apocalipse, Jesus diz que ele está à porta e bate (Ap 3:20). Às vezes, como foi observado por nosso Papa Francisco, não bater para entrar, mas batendo de dentro porque ele quer sair. Sair para os “subúrbios existenciais do pecado, o sofrimento, a injustiça, ignorância e indiferença à religião, de toda forma de miséria.”

Acontece como em certas construções antigas. Ao longo dos séculos, para adaptar-se às exigências do momento, houve profusão de divisórias, escadarias, salas e câmaras. Chega um momento em que se percebe que todas essas adaptações já não respondem às necessidades atuais; servem, antes, de obstáculo, e temos então de ter a coragem de derrubá-las e trazer o prédio de volta à simplicidade e à linearidade das suas origens. Foi a missão que recebeu, um dia, um homem que orava diante do crucifixo de São Damião: “Vai, Francisco, e reforma a minha Igreja”.

“Quem está à altura dessa tarefa?”, perguntava-se o Apóstolo, aterrorizado, diante da tarefa sobre-humana de ser no mundo “o aroma de Cristo”; e eis a sua resposta, que é verdade também agora: “Não é que sejamos capazes de pensar alguma coisa como se viesse de nós; a nossa capacidade vem de Deus. Ele nos fez idôneos para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito dá vida” (II Cor 2, 16; 3, 5-6).

Que o Espírito Santo, neste momento em que se abre para a Igreja um novo tempo, cheio de esperança, redesperte nos homens que estão à janela a esperança da mensagem e, nos mensageiros, a vontade de levá-la até eles, mesmo que ao custo da própria vida.

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Fonte: Canção Nova.

A traição de Judas Iscariotes



A Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus refletem o amor de Deus para com os homens, o mergulho do Deus soberano na miséria da humanidade. Depois do evento Jesus as profundezas de nossas vidas, todas as nossas fragilidades são esquadrinhadas por Deus e a ele passam a pertencer. De dentro ele nos redime e expressa assim a plenitude do espírito humano, voltado sempre ao divino e dele sedento. Meditamos sobre a misericórdia, sobre amor, sobre Justiça e injustiça, mas o que muitas vezes não está resolvido em nossas meditações e orações é a nossa própria injustiça, a forma como tratamos a salvação, o perdão, o amor de Deus. Um grande desafio para nossa fé diz respeito a uma das figuras envolvidas diretamente na trama para matar Jesus: Judas Iscariotes que a partir de agora trataremos de O caso Judas. 

Para tratar deste caso, devemos compreender o seu alcance. A história nos jogou neste grande desafio: o que Judas fez foi escolha dele ou foi predestinação? Ele foi escolhido pra trair? Ou escolheu ser o traidor? Se Jesus entrou em oração e escolheu os que quis, o fato de ter escolhido Judas, demonstrava que ele preparou o traidor? E relativa a Deus mesmo, como pode ser Deus misericordioso se para redimir a humanidade teve que condenar um homem a ser lembrando na história dos homens como o traidor do Filho de Deus? Algumas respostas foram dadas e devem ser examinadas para evitar que tenhamos uma imagem distorcida acerca de Deus e da própria humanidade. Alguns acreditavam que Judas deveria ser apresentado à humanidade como modelo porque foi graças à sua atitude frente a Jesus que tivemos acesso aos dons que nos salvam. Neste sentido, Judas seria um tipo de herói dramático pois, o seu trabalho sujo garantiu a libertação da humanidade.  Algumas variações dão a entender que o próprio Jesus teria preparado Judas para ser o traidor e assim colocar em rotação definitiva a roda da salvação. Outra corrente alega que Judas Iscariotes por sua adesão ideológica a movimentos populares e revolucionários do tempo de Jesus acreditava como muitos que Jesus era o Messias, entretanto, o Messias guerreiro, que pelo poder evocaria as forças de Deus para libertar o seu povo. A decisão de Judas é então a ajuda necessária para que Jesus se manifestasse frente aos inimigos. Traiu para apressar Jesus a se revelar como Messias guerreiro. Ao perceber que Jesus não seria o que ele esperava, entrou em profunda agonia e tirou a própria vida. Estas respostas expressam tentativas de defender Judas Iscariotes, podem até conseguir porque ambas as imagens possuem adeptos, entretanto, as duas encobrem aquilo que é mais significativo em todo o caso Judas: a liberdade do homem.