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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A Sabedoria de Salomão


“O Senhor apareceu a Salomão durante a noite e lhe disse: “Pede-me o que queres que eu te dê!” (1Re 3,5). Que bela oportunidade o jovem rei tinha diante de si! Poderia pedir uma vida longa, muita riqueza ou mesmo a morte de seus inimigos. Deixou, contudo, tudo isso de lado, fez uma bela oração e pediu: “Dá a teu servo um coração que saiba perceber a verdade, para julgar o teu povo e discernir entre o bem e o mal. Pois quem poderia governar este teu povo tão numeroso?” (v. 9). O pedido de Salomão agradou tanto a Deus que não só foi atendido, mas até elogiado. Tendo desejado inteligência para praticar a justiça, recebeu mais: “um coração tão sábio e inteligente, como nunca houve outro igual” antes ou depois dele (cf. v. 12). A riqueza e a glória lhe  foram dadas por acréscimo; e a promessa de uma vida longa ficou condicionada a levar uma vida reta.

Pouco tempo depois, Salomão viu-se diante de um delicado problema: duas prostitutas apresentaram-se diante dele. Uma delas lhe disse: “Com licença, Majestade! Eu e esta mulher estamos morando na mesma casa; eu tive um filho enquanto ela estava em casa. Três dias depois de eu ter dado à luz, também esta mulher teve um filho. Estávamos só nós duas. Não havia nenhum estranho conosco na casa, além de nós duas. Ora, morreu o filho desta mulher durante a noite, pois ela se tinha deitado sobre ele. Aí ela se levantou de noite, enquanto esta tua criada estava dormindo, tirou o meu filho de junto de mim e o colocou no seio dela, e o filho dela que estava morto o pôs no meu seio. De manhã, quando me levantei para amamentar o meu filho, vi com surpresa que estava morto; mas quando o examinei mais de perto, reparei que não era o filho que eu tinha dado à luz.” A outra mulher contestou: “Não é verdade! É meu filho que está vivo, e o teu é que está morto!” Mas a primeira replicou: “Mentira! Teu filho está morto e é o meu que está vivo!” Desta maneira elas discutiam diante do rei.” (1Re 3,17-22)


Cabia ao rei Salomão pronunciar uma sentença, que não teria apelações. Os elementos que tinha para seu julgamento não o ajudavam muito: contava apenas com as afirmações das duas mães – e afirmações contrárias. Somente uma delas estava dizendo a verdade, mas qual? Era grande o perigo de enganar-se e cometer uma injustiça. Numa intuição marcada pela sabedoria, disse: “Trazei-me uma espada!” (v. 24). E completou: “Cortai em dois pedaços a criança viva e dai uma metade a uma e a outra metade à outra” (v. 25). Nessa hora, a reação de cada uma das mulheres foi esclarecedora. A mãe do filho vivo, movida pelo amor materno, falou ao rei: “Por favor, meu senhor, dai a ela a criança viva, e não a mateis”. A outra, porém, fez uma observação marcada pela frieza: “Não seja nem para mim nem para ela: cortai-a em dois pedaços” (v. 26). Para o rei, não havia mais dúvidas sobre a decisão a ser tomada. Apontando em direção da primeira mulher, disse: “Dai o menino vivo a essa mulher; não o mateis, pois é ela a sua mãe” (v. 27). O povo foi tomado, então, de grande admiração pela decisão de Salomão e passou a respeitá-lo, pois viu que era um rei sábio.

Esta belíssima página da Bíblia tem importante ensinamento para os que, na sociedade, ocupam cargos ou funções que os colocam em situações semelhantes à vivida por Salomão. São políticos ou empresários, diretores de escolas ou juizes, industriais ou líderes, pais ou mães de família que precisam tomar decisões e, não poucas vezes, sentem-se divididos interiormente. Sabem que, se tomarem uma decisão errada, poderão causar sofrimento a muitos. No entanto, são poucos os elementos que têm à disposição para um julgamento imparcial. É nessa hora que precisam pedir a Deus o dom da sabedoria – um dom, por sinal, que deveria ser pedido sempre, diariamente, já que qualquer decisão precisa ser sábia e, portanto, justa. Poderão fazer sua a oração de Salomão (1º Livro dos Reis 3,6-9); poderão, também, repetir a oração que se encontra no Livro da Sabedoria, capítulo nove. Ambas agradam muito o Senhor, porque o mesmo Espírito Santo que as inspirou é que estará rezando estas preces em seus corações.


Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia - BA

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Ter Fé é bom para a Pátria


A celebração do Dia da Pátria, no aniversário da independência do Brasil, oferece-nos a ocasião para algumas considerações. Como pessoas de fé estamos conscientes de que não temos aqui cidade permanente, mas estamos a caminho da pátria que há de vir (cf Hb 13,14); mas temos também clara consciência de sermos cidadãos deste mundo, com uma pátria que nos acolhe e serve de casa; somos membros de um povo, com o qual nos identificamos e para cujo bem estamos – e devemos estar – inteiramente comprometidos.

É bem verdade que a globalização vai trazendo à tona, sempre mais, a noção da pertença a uma família humana grande e única, com a qual nos devemos sentir ligados e solidários. A própria Igreja, na sua antropologia e no seu magistério social, vai divulgando esta consciência e não poderia ser diferente. Cremos num único Deus e Pai, que a todos quer bem, como a filhos, e quer que vivam como irmãos. Um povo não pode ser indiferente aos outros, nem deixar de se interessar pelo bem e pela sorte sempre mais compartilhada por todos os membros da comunidade humana. Limites territoriais, tradições culturais, diferenças raciais, heranças históricas e interesses econômicos, em vez de contrapostos, deveriam ser cada vez mais conjugados e harmonizados.


A recente Jornada Mundial da Juventude, em Madrid, com a participação de jovens de 170 países diferentes, convivendo em harmonia e solidariedade, e compartilhando os mesmos princípios essenciais, mostrou que o sonho de uma família humana integrada e vivendo em paz não é irreal. A impressão que se tinha, é que todos fossem irmãos, filhos de uma única grande família, onde as diferenças não dividiam, mas somavam e enriqueciam.
Isso mesmo também já pode acontecer em nosso Brasil? Somos um país imenso, com uma variedade muito grande de etnias, tradições culturais, situações locais e regionais, com riqueza e pobreza que se mesclam por toda parte e desníveis sociais ainda imensos, apesar do esforço que já se faz para a superação da miséria e para possibilitar a ascensão social da grande massa de pobres, que o país ainda tem. Nosso país pode ser justo e solidário, como convém aos membros de uma mesma família?

É nisso que acreditamos; e nesta tarefa, todas as pessoas de fé são chamadas a participar com convicção e esperança. Para nós, cristãos e católicos, de modo especial, está claro que a fé não pode ser desvinculada de nossa participação na edificação do mundo, à luz dos valores do reino de Deus. Bom cristão também precisa ser bom cidadão. O ensino social da Igreja traz-nos as diretrizes para traduzir o Evangelho para o nosso viver e agir neste mundo.

Além de cumprir os deveres cívicos, como os demais cidadãos, qual outra contribuição as pessoas de fé podem dar para o bem de um povo? Esta questão mereceria uma longa reflexão, pois nos introduz no próprio sentido da religião, frequentemente questionado. Temos algo de próprio para contribuir para o bem da humanidade e da Pátria. A própria fé em Deus, bem vivida e manifestada publicamente, com as convicções que dela decorrem traduzidas em cultura, é uma contribuição fundamental para o bem comum. A fé bem vivida e testemunhada enriquece o convívio social, de muitos modos.

Quando se dá espaço para Deus, também o homem cresce em importância: sua dignidade, seus direitos e o sentido de sua vida neste mundo são iluminados. Quando se exclui Deus do convívio humano, da esfera privada ou pública, começam a pairar sombras sobre a existência humana e a faltar bases sólidas para os valores e as virtudes e as relações sociais. Ter fé em Deus e manifestá-la abertamente, indo às suas consequências éticas e antropológicas, faz bem à Pátria.

Card. Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo - SP


Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 06.09.2011

domingo, 4 de setembro de 2011

Grito dos Excluídos: uma mobilização nacional pelos direitos do povo brasileiro.


Ao longo desta semana, de 1º a 7 de setembro, todas as regiões do país celebram a 17ª edição do Grito dos Excluídos, cujo lema é “Pela vida grita a terra... Por direitos todos nós”. Trata-se de um conjunto de manifestações populares carregada de simbolismo, aberta às pessoas, grupos, entidades, Igrejas e movimentos sociais comprometidos.
 
Três são os objetivos da mobilização nacional: denunciar o modelo político e econômico que concentra riquezas e condena milhões de pessoas à exclusão social; tornar público, nas ruas e praças, o rosto desfigurado dos grupos excluídos, vítimas do desemprego, da miséria e da fome; e por último, propor caminhos alternativos ao modelo econômico neoliberal, de forma a desenvolver uma política de inclusão social.

48agdomdemetrioRealizado desde 1995, o Grito dos Excluídos teve origem no então Setor Pastoral Social da CNBB, cujo presidente na época, era o bispo de Jales (SP), dom Luiz Demétrio Valentini. Para ele, os 17 anos de realização do Grito mostram sua força e modelo eficiente para propor discussões em torno dos problemas sociais do país. O bispo elenca algumas das bases que sustentam a mobilização por tantos anos.

“Sua ligação com a temática tratada pela Campanha da Fraternidade a cada ano, depois a vinculação com a CNBB, a convocação para o dia da pátria, da Independência; o resgate de valores da cidadania”, sublinhou. Tem contribuído também para o crescimento do Grito as reflexões sobre temas essenciais para a vida da democracia brasileira.

“A cada ano somos levados a refletir sobre os gritos que se levantam e que precisam ser ouvidos; somos chamados a dar respostas conscientes para a nossa pátria, como em relação às drogas e à juventude que é traiçoeiramente envolvida por ela, tendo em vista que a população brasileira corre perigo; o grito muito forte contra a corrupção política, que se estende por tanto tempo e, em relação à natureza, que precisa ser cuidada”, enumerou.

ari_albertiO membro da coordenação nacional do Grito dos Excluídos, Ari Alberti, destaca que o Grito tem um papel muito forte de conscientização e envolvimento da população brasileira. “É uma forma de dizer que não queremos apenas ver no dia da pátria, passivamente, o desfile de soldados e armas de guerra, mas queremos participar e exigir os nossos direitos e uma sociedade igual para todos”. Segundo Alberti, o evento tem crescido nos últimos anos e recebido adesão de muitas cidades, como exemplo o município de Jundiaí, no interior de São Paulo, que vai realizar o Grito pela primeira vez.

“O Grito dos Excluídos é hoje uma realidade nacional e acontece em todos os estados, além de receber adesão de novas cidades todos os anos. É um processo de construção coletiva que não se esgota no evento, mas há um antes, um durante e um depois com consequências para a vida das pessoas”, afirmou.

As atividades desenvolvidas na Semana da Pátria são as mais variadas: atos públicos, romarias, celebrações especiais, seminários e cursos de reflexão, blocos na rua, caminhadas, teatro, música, dança, feiras de economia solidária, acampamentos.

Histórico

O Grito dos Excluídos teve origem no então Setor Pastoral Social da CNBB. Sua primeira edição deu continuidade à reflexão da Campanha da Fraternidade de 1995, cujo tema foi “Fraternidade e Excluídos” e lema foi “Eras, tu, Senhor”.

Por outro lado, brotou da necessidade de concretizar os debates da 2ª Semana Social Brasileira, realizada nos anos de 1993 e 1994, com o tema “Brasil, alternativas e protagonistas”. Ou seja, o Grito é promovido pela Pastoral Social, mas, desde o início, conta com numerosos parceiros ligados às demais Igrejas do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), aos movimentos sociais, entidades e organizações.

O pressuposto básico do Grito é o contexto de aprofundamento do modelo neoliberal como resposta à crise generalizada a partir dos anos 70 e que se agrava nas décadas seguintes.
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Fonte: http://www.cnbb.org.br/site/imprensa/noticias/7521-grito-dos-excluidos-uma-mobilizacao-nacional-pelos-direitos-do-povo-brasileiro

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Dalila e pecados do poder

 “Sansão enamorou-se de uma mulher que habitava no vale de Sorec, cujo nome era Dalila. Então os chefes filisteus foram procurá-la e disseram-lhe: ‘Seduze Sansão e descobre donde lhe vem essa força enorme, e como poderíamos vencê-lo e subjugá-lo. Se fizeres isso, te daremos, cada um de nós, mil e cem moedas de prata’. Dalila perguntou então a Sansão: ‘Dize-me, eu te rogo, donde vem a tua força enorme? Com que deveriam amarrar-te para ficares subjugado?’ Respondeu-lhe Sansão: ‘Se me amarrassem com sete cordas de arco, novas e ainda não curtidas, ficaria fraco e seria como qualquer outro homem’.

Os chefes filisteus levaram a Dalila sete cordas de arco, novas e ainda não curtidas, com as quais ela o amarrou, enquanto alguns homens se emboscaram no quarto. Dalila gritou: ‘Sansão, os filisteus!’ Mas ele despedaçou as cordas como se despedaça um fio de estopa chamuscada pelo fogo, e o segredo de sua força ficou desconhecido. Dalila disse a Sansão: ‘Zombaste comigo, contando-me mentiras. Conta-me agora, por favor, com que te deveriam amarrar. Ele respondeu: ‘Se eu for amarrado com cordas grossas, novas e ainda não usadas, ficarei fraco e serei como qualquer outro homem’. Dalila tomou cordas grossas novas, amarrou-o com elas e, na presença dos homens emboscados no quarto, gritou: ‘Sansão, os filisteus!’ Mas ele despedaçou as cordas de seus braços como se fossem fios. Dalila disse a Sansão: ‘Até agora zombaste comigo e me contaste mentiras. Conta-me como deveriam amarrar-te!’ Sansão respondeu: ‘Se teceres as sete tranças de minha cabeleira com a urdidura de um tear e as fixares com um pino, ficarei fraco e serei como qualquer outro homem”. Ela o fez dormir, teceu as sete tranças de sua cabeleira com a urdidura, fixou-as com um pino e gritou: ‘Sansão, os filisteus!’ 


Despertando do sono ele arrancou o pino do tear e a urdidura. Então ela lhe disse: ‘Como podes dizer que me amas, se não confias em mim? Três vezes já me enganaste, não me revelando de onde vem tua enorme força’. Como ela o importunasse e insistisse todos os dias com suas lamúrias, ele caiu num desespero mortal e acabou revelando-lhe todo o segredo: ‘A navalha’, disse, ‘jamais passou sobre minha cabeça, porque sou consagrado a Deus desde o ventre de minha mãe. Se raparem minha cabeça, minha força me abandonará e eu ficarei fraco, igual a qualquer outro homem’. Percebendo que ele lhe havia contado todo o seu segredo, Dalila mandou chamar os chefes dos filisteus: ‘Vinde todos aqui, porque desta vez Sansão me contou todo o seu segredo’. Eles acorreram, trazendo o dinheiro que haviam prometido. Dalila fez Sansão adormecer no colo e chamou um homem, que cortou as sete tranças de Sansão. Este foi enfraquecendo e de repente sua força o abandonou. Então Dalila gritou: ‘Sansão, os filisteus!’ Despertando do sono, ele pensou: ‘Sairei desta como das outras vezes e me livrarei’. Mas ele não sabia que o Senhor o havia abandonado. Os filisteus agarraram-no e em seguida furaram-lhe os olhos. Depois, levaram-no a Gaza, preso com duas correntes de bronze, e o puseram na prisão, a girar a mó do moinho.’ (Jz 16, 4-20)”


No Antigo Testamento, a participação de mulheres, na sua relação com homens que têm poder político, revela a consciência de pertença ou não ao povo hebreu. Ester e Dalila são dois exemplos.” Ester é escolhida para ser mulher do Rei Assuero: “Procura-se outra rainha entre as mais belas jovens de todas as províncias do Império, sendo escolhida a hebreia Hadassa, sobrinha de Mardoqueu. Hadassa recebe o nome persa de Ester.” Perante o Rei, Ester defende o povo hebreu de acusações que o levariam à morte. (cf. Est 7,1-10) Dalila: ao trair Sansão, traiu o seu povo. 

“Sua residência em Sorec permitiria não considerá-la nem hebreia nem filisteia, mas a narrativa leva a pensar que tenha sido hebreia.” Dalila não tinha poder político, mas tinha poder de sedução; os filisteus, por sua vez, tinham poder político e financeiro e, assim, praticam o crime do suborno.

É muito comum a prática do suborno, de parte de pessoas que têm poder político e econômico, enquanto buscam, de forma inescrupulosa, a concretização de seus intentos que, via de regra, envolvem dinheiro e posição social. Esse problema, cada vez mais acentuado na administração pública, tornou-se um vício na vida de funcionários de carreira e de burocratas de ocasião. O suborno sempre fere a ética e atinge a justiça. Fere a ética porque manipula pessoas, normalmente, em situações de fragilidade e necessidade e, assim, as induz ao mal. O suborno fere a justiça porque sempre causa um prejuízo social. O suborno fere a justiça porque sempre causa um prejuízo social. A população brasileira conhece muito bem esse problema, através de denúncias da midia, de relatórios de orgãos públicos de fiscalização e controle e de instituições da sociedade civil. 


Dom Genival Saraiva
Bispo de Palmares - PE