Vimos nos domingos passados algumas dimensões
da Eucaristia: e Eucaristia como sacrifício, como presença real de Cristo e
como penhor de imortalidade. Hoje a liturgia nos propõe outra dimensão: a
Eucaristia como banquete e que nos une a Cristo na comunhão (1ª leitura e
evangelho). E os termos que São João emprega e repete são de um realismo que
não cabe dúvida alguma: não é qualquer comida, mas comida celestial. Para esta
comida são convidados todos sem exceção, como diz São Francisco de Sales: “os
perfeitos para não decair; os imperfeitos, para aspirar à perfeição; os fortes
para não enfraquecerem; os fracos para se robustecerem; os doentes para se
curarem; os sãos para não se enfermarem” (Introdução à vida devota, II, 21).
Logicamente com as devidas disposições.
Pontos da ideia principal
Textos: Is 56,
1.6-7; Rm 11, 13-15.29-32; Mt 15, 21-28
Em primeiro lugar, valorizemos este aspecto da
Eucaristia como banquete que nos une a Cristo. Banquete sagrada da comunhão no
Corpo e no Sangue do Senhor. Mediante a comunhão, Cristo entra em comum união
íntima conosco. Faz-nos participes da sua vida divina. Somos contemporâneos da
Última Ceia. Conserva, aumenta e renova a vida de graça recebida no batismo.
Separa-nos do pecado. Apaga os pecados veniais. Preserva-nos dos pecados
futuros. E nos dá o penhor da glória futura, como já vimos. A aspiração à
comunhão com Deus está presentes em todas as religiões. A partir dai os
sacrifícios e comidas sagradas nas que se considera que Deus compartilha algo
com o homem. Esses sacrifícios do Antigo Testamento preparam já esse desejo do
homem de entrar em comunhão com Deus. Foi Cristo quem encheu esse desejo do
homem. Com a sua Encarnação, Cristo compartilhou a nossa natureza humana para
fazer-nos partícipes da sua natureza divina. Foi na Eucaristia onde Deus
concretizou y fez realidade este desejo do homem. De uma maneira plástica São
João Crisóstomo diz: “Temos que beber o cálice como se puséssemos os lábios no
lado aberto de Cristo”.
Em segundo lugar, que efeitos produz, pois,
esta comunhão do Corpo e do Sangue de Cristo em nós? Efeito cristológico:
incorpora-nos a Cristo, aumentando a graça e concedendo-nos o perdão dos
pecados veniais. Efeito eclesiológico: une-nos à Igreja, corpo místico de
Cristo, pois a Eucaristia simboliza a unidade da Igreja; mais ainda, constrói e
edifica a Igreja como nos diz Santo Agostinho e nos recordou São João Paulo II
na sua encíclica sobre a Eucaristia. Efeito escatológico: a Eucaristia é o
banquete do Reino, inaugurado por Cristo e que se consumará de forma definitiva
no céu. A Eucaristia é figura do banquete celestial. A Eucaristia antecipa o
gozo do banquete futuro. A comunhão é o germe e o remédio de imortalidade, como
nos disse Santo Inácio de Antioquia.
Finalmente, agora bem, para entrar neste
banquete se necessitam umas condições. Primeiro, fé, pois a Eucaristia é um
mistério de fé. Vemos, saboreamos e tocamos pão; mas já não é pão, senão o
Corpo Sacratíssimo de Cristo e o Sangue bendito de Cristo. “Não te perguntes se
isto é verdade, mas acolhe melhor com fé as palavras do Senhor, porque Ele, que
é a Verdade, não mente” (Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae III, 75, 1).
Segundo, humildade, para reconhecermo-nos famintos e necessitados desse Pão de
vida eterna. Quem estiver farto e cheio dos manjares terremos, dificilmente
terá fome deste manjar celestial. Terceiro, com a alma limpa de pecado grave. A
alma em graça é o traje de festa que pedia Jesus (cf. Mt 22,11). São João
Crisóstomo diz: “Se te aproximares bem purificado, recebes grande beneficio; se
te aproximares manchado de culpa, fazes-te merecedor da pena e do castigo
eterno. Porque com as tuas culpas o crucificas de novo” (Homilia evangelho de
São João 45). Junto a estas disposições interiores estão as disposições
externas: jejum, isto é, não comer nada uma hora antes de comungar; o modo
digno de vestir e as posturas respeitosas. O cura de Ars dizia: “Devemos nos
apresentar com vestidos decentes: não pretendendo ser trajes nem enfeites
ricos, mas não devem ser descuidados e gastados… tendes que vir bem penteados,
com o rosto e as mãos limpas” (Sermão sobre a comunhão).
Para refletir
A liturgia da Palavra deste Domingo fala-nos
de atitudes do coração de Deus e revela algumas atitudes do nosso coração.
Primeiro, as atitudes do coração de Deus:
largueza, misericórdia, providência, fidelidade. Vejamos. O Senhor escolheu
Israel para ser o seu povo. Se fôssemos resumir as palavras da Escritura que
exprimem isso, poderíamos dizer assim: “Dentre todos os povos da terra, eu te
escolhi. Eu serei o teu Deus e tu serás o meu povo, minha propriedade
exclusiva!” Eis: Israel foi escolhido gratuitamente pelo Senhor para ser sua
herança, sua propriedade exclusiva. Deus amou apaixonadamente Israel! Ora, essa
escolha poderia nos fazer pensar numa estreiteza do coração do Senhor, um Deus
que escolhe um povo abandonando os demais à própria sorte. Mas, não é verdade!
Primeiramente, várias vezes os profetas falam nos desígnios de Deus para os
outros povos: o Senhor tem os olhos sobre toda a terra e nada escapa do seu
cuidado e do seu carinho, mesmo que ele se tenha revelado somente a Israel. E,
mais ainda: a própria escolha de Israel não é somente para o benefício do
próprio Israel. Nada disso! Deus escolheu o povo de Israel em vista dos outros
povos. Escutemos o que o Senhor afirmou na primeira leitura de hoje: “Aos
estrangeiros que aderem ao Senhor, a esses conduzirei ao meu santo monte e os
alegrarei em minha casa de oração… Minha casa será chamada casa de oração para
todos os povos”. A vocação de Israel é como a da cada um de nós: um dom e um
serviço; um dom que Deus nos faz livremente, mas para o bem de outros! Foi assim
com o povo de Israel: no meio das nações deveria ser um povo sacerdotal, um
povo para servir e amar a Deus em nome dos outros povos, até que desse, como
fruto maduro, o Messias, Salvador de todos os povos! Nunca esqueçamos isso:
desde o início, o desejo de Deus é que todos se salvem e cheguem ao
conhecimento da verdade!
Em Jesus, nosso Senhor, esse desígnio aparece
claramente: Deus voltou-se para os pagãos abertamente; eles, que eram não-povo,
pela fé em Jesus e aceitação do Batismo, são tornados povo de Deus. Somos nós,
caríssimos; é a nossa graça! É verdade que Jesus, durante o seu ministério
neste mundo, não se dirigiu aos pagãos: ele prega somente em Israel (quando sai
da Terra Santa é para descansar ou ensinar aos seus em particular) e diz
claramente que não foi enviado a não ser para as ovelhas perdidas da casa de
Israel. Depois da ressurreição, sim: ele espera os seus na Galiléia, região
considerada misturada com os pagãos e envia seus discípulos pelo mundo inteiro:
“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura!” Repito: é a nossa
graça, é a nossa vez, é o sonho carinhoso do coração largo e generoso de Deus
que nos é manifestado!
Mas, como seria errado pensar que Deus, no
Antigo Testamento, desprezou e esqueceu os outros povos, é também errado pensar
que Deus agora desprezou Israel! Nada disso! Mesmo que o povo d a Antiga
Aliança não tenha acolhido Jesus e o tenha entregado aos romanos para
crucificarem-no, Deus continua amando Israel; seus dons são sem volta, sua
escolha é sem arrependimento. São Paulo diz claramente que “os dons e a vocação
de Deus são irrevogáveis!”
Os cristãos não têm o direito de desprezar
Israel! Os primeiros cristãos foram judeus, os apóstolos também; a Virgem Maria
era filha do povo de Israel. Nós não compreenderemos nunca porque o povo santo
não acolheu o Messias que tanto tinha pedido e esperado! O próprio São Paulo,
na segunda leitura de hoje, diz que, pregando aos pagãos, esperava despertar o
ciúme de Israel para fazê-lo crer em Jesus. Diz também que foi graças a
desobediência de Israel que os discípulos pregaram para os pagãos, fazendo-nos
tornar obedientes ao Senhor. Vejam, meus irmãos, todos pecamos – Israel e
pagãos -, todos fomos agraciados, todos somos devedores a Deus, todos somos
salvos por pura misericórdia do Senhor! O que temos, que não tenhamos recebido!
Eis os sentimentos do nosso Deus, eis o seu plano, eis o seu amor largo e
misericordioso para com todos nós!
Mas, a Palavra de Deus também nos revela hoje
algumas atitudes do nosso coração para com Deus. Recordem o Evangelho! Jesus
estava descansando na região de Tiro e Sidônia, no atual Líbano. Está fora da
Terra Santa, entre os pagãos. Não foi lá pregar, não queria ser reconhecido…
Uma mulher Cananéia descobre quem ele é e implora a cura de sua filha. Insiste,
lamente, teima, perturba. Jesus testa a sua fé, dando-lhe uma resposta
duríssima, humilhante mesmo: Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo
aos cachorrinhos!” Em outras palavras: não fica bem eu pegar os milagres que
vim fazer para os judeus, filhos de Deus pela Lei e dá-lo a vocês, cães pagãos!
O que eu faria com uma resposta dessas? O que você faria? Somos tão cheios de
sensibilidades e direitos diante de Deus… tão cheios de exigências e melindres…
Mas, essa pagã é melhor que nós, que eu, que vocês. Humildemente, ela responde:
“É verdade, meu Senhor! Vocês judeus são os filhos; nós somos apenas cachorros
que não têm direito ao pão! Mas, recorda, meu Senhor: os cachorrinhos também
comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!” É impressionante! Jesus foi
vencido totalmente, Jesus foi desarmado! “Mulher, grande é a tua fé! Seja feito
como tu queres!” Eis, aqui, irmãos, uma mulher pagã que venceu o Senhor pela
persistência, pela paciência, pela humildade! Não deveríamos nós ser assim também?
Não deveriam ser esses os nossos sentimentos para com o Senhor? Não deveria ser
assim a nossa oração de súplica: persistente, paciente e humilde?
Pensemos bem e voltemos para casa com essas
lições que revelam o coração de Deus e nos falam dos sentimentos do nosso
coração! Amém.