quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Executar a si mesmo


«Será lícito a um réu, condenado à morte em justa sentença judiciária, 
executar sobre si mesmo a sentença capital ?»

Para responder adequadamente, faz-se mister distinguir duas ulteriores hipóteses:

1) As próprias autoridades públicas dão ao réu a ordem de se matar...

a)   Alguns asseveram que o réu, em tais circunstâncias, pode executar a sentença de morte. Sendo justa a condenação, dizem, o juiz tem o direito de confiar a execução da mesma a quem ele queira, inclusive ao próprio condenado; neste caso, o magistrado nomeia para as funções de carrasco o próprio réu, que se tornará assim o carrasco de si mesmo. Sem dúvida, tal alvitre do juiz é cruel; contudo será lícito ao réu prestar-lhe obediência.

b)   Outros moralistas negam essa liceidade. Partem do princípio de que o juiz não tem o direito de mandar que o réu se execute a si mesmo, pois tal ordem não seria ditada pelo bem comum da sociedade, nem concorreria para este, ainda que a execução do condenado fosse, sim, exigida pelo bem comum. Executar-se a si mesmo, portanto, fica sendo um ato intrinsecamente mau, que nenhum juiz tem o direito de impor ao réu e que nenhum réu tem o direito de praticar.

Diga-se agora que, por própria iniciativa,

2) O réu, condenado à morte, desfere o golpe mortal contra si mesmo...

Os moralistas julgam que não há argumento para justificar uma atitude dessas, embora não a reprovem peremptoriamente; lembram que o cristão deve confiar em Deus, e aguardar, como Cristo, a hora previamente estabelecida pelo Pai para deixar este mundo.

Em suma, vê-se que a casuística abordada nesta questão é assaz delicada, podendo tomar aspectos e matizes bem variados. Por conseguinte, a fim de não proferir sentença temerária, torna-se necessário ao interessado ponderar as circunstâncias concretas de cada caso em particular.

«Alguém receia sucumbir a uma tentação e cometer pecado, como, por exemplo, a violação de um segredo profissional. Não teria então o direito de pôr fim à soa vida antes de incorrer em tal culpa ?»

Tomou-se famoso recentemente o nome de Brossolette, soldado francês que estava envolvido em intensa campanha de resistência aos nazistas durante a guerra de 1939-45. Feito prisioneiro, Brossolette resolveu matar-se, pois temia revelar, sob a pressão dos adversários, os segredos estratégicos de seus compatriotas resistentes.

A Igreja, como dizíamos, não julga a consciência íntima dessa pessoa, mas ela pode e deve proferir um juízo sobre a sua maneira visível de se comportar.

Os casos do tipo assinalado são capciosos, pois o motivo da morte se reveste então de aparência nobre e brilhante.

Não obstante, a Moral cristã condena até mesmo tal modo de proceder. O princípio que a move é simples e claro: «Não é lícito cometer um mal certo para evitar um mal incerto ou hipotético», ou ainda : «o fim não justifica os meios». Ora, no caso indicado,

a pessoa agiria diretamente para obter a morte de um inocente (no caso,... do próprio sujeito) — e isto é sempre um mal moral;

o bem só seria obtido em consequência desse efeito mau...; e seria um bem muito problemático e incerto. Com efeito, ninguém pode assegurar que de fato há de violar o segredo profissional ou vai cometer pecado, de sorte que o único meio de escapar a isto seja matar a si mesmo antes que venha a tentação. 

Creia o cristão na graça de Deus; saiba que Este é Pai e nunca coloca seus filhos em situações desesperadas, nas quais seja impossível evitar o pecado. A experiência aponta mesmo numeroso« episódios em que pessoas, tidas como moralmente fracas, deram provas de surpreendente coragem na tentação, resistindo a toda sedução ao mal (em particular. .. às ameaças feitas para que revelassem segredos de guerra ou de profissão). É São Tomaz quem o inculca:

«A ninguém é licito matar a si mesmo por medo de cair no pecado. Pois a consciência não permite cometer o mal para se obter o bem ou para se evitarem outros males (principalmente quando se trata de males menores ou incertos). Ora ninguém pode garantir que cairá no pecado (caso seja submetido à tentação). Deus é bastante poderoso para nos preservar do pecado, quaisquer que sejam as tentações que nos assaltem» (Suma Teológica IVII 64,5c).

Confiança, portanto, no Pai Celeste! Tal atitude não será temerária no caso.


Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
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Católicos Online

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