segunda-feira, 6 de março de 2017

É verdade que o terço de plástico é satânico?


É cada vez mais comum ouvir pessoas se posicionando contra o uso dos conhecidos terços de plástico, muito populares por seu preço baixo. Tais pessoas, inclusive da Renovação Carismática, afirmam que estes terços seriam satânicos, maçônicos ou da nova era.
 
Os detratores desses terços indicam uma série de características que os levariam a tirar esta conclusão. Mas o que há de verdadeiro em tudo isso? Como é um tema delicado, faremos uma análise objetiva e calma.
 
Milhões de terços “low cost”
 
Os terços que estão no centro da polêmica são fabricados em plástico e em quantidades industriais, o que os torna muito econômicos e ideais para distribuir em santuários marianos, encontros juvenis etc. Há diversos tipos, como veremos depois, ao analisar sua simbologia, mas todos se destacam pela sua simplicidade.
 
Uma das notícias prévias à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de Madri 2011, que chamou muito a atenção, foi a do empacotamento de sete toneladas de terços fabricados em uma empresa do Equador, prontos para serem incluídos na mochila dos peregrinos.
 
São terços que, além disso, têm muita aceitação nos países pobres, obviamente, e que são utilizados por diversas instituições católicas em seu apostolado para difundir esta importante forma de oração e de devoção mariana.
 
Também têm sido muito utilizados como acessório de moda, despojados do seu uso religioso e popularizados com uma função ornamental (colar, pulseira), sendo usados inclusive por algumas celebridades.
 
Elementos satânicos e maçônicos?
 
Como não há nenhuma prova documental nem de outro tipo que apoie a difusão desses terços por parte de sociedades secretas, seitas ou qualquer outro obscuro interesse anticatólico, a maior parte dos argumentos contra seu uso e distribuição se baseiam na simbologia que têm.
 
Certamente, aqui encontramos um discurso pouco sólido, baseado na vagueza da simbologia e da iconografia, que retorce muito a interpretação de sinais e símbolos. Vejamos cada um dos elementos, presentes todos eles na cruz do terço, mesmo sendo pouco visíveis, segundo a confecção de cada um.
 
– A serpente atrás do corpo de Jesus crucificado. Este é, sem dúvida, o elemento mais controverso. Porque, na iconografia cristã, e também em grande medida fora dela, este réptil simboliza o diabo e tudo o que se relaciona com as forças do mal. Aí está, como exemplo paradigmático, a serpente no relato da queda original de Adão e Eva. Por isso – dizem –, estaria clara a intencionalidade satânica.

No entanto, também tem uma importante base bíblica a referência da serpente ao próprio Cristo, baseada precisamente no texto do Gênesis, já que a tradição cristã, desde São Paulo, fez um paralelismo entre a figura de Adão e a de Jesus, entre a árvore do conhecimento do bem e do mal e a árvore da cruz.
 
A isso é preciso somar a passagem do Êxodo na qual Moisés, por indicação de Deus, confecciona uma serpente de bronze e a coloca no alto de um mastro, para que todos os feridos por picada de serpente olhem para ela e se salvem da morte. O próprio Jesus aludiu aquele texto à sua pessoa e à sua paixão e, por isso, a serpente também pode representar Cristo, sobretudo no momento da crucificação.
 
Na história da arte, há testemunhos disso, sobretudo no Oriente, onde encontramos báculos episcopais com a serpente ou com dois ofídios se enfrentando – que podem ser entendidos como Cristo e Satanás, ou como sinal da prudência e da sabedoria que devem ser características do pastor (“astutos como serpentes”, utilizando as palavras de Jesus).
 
– O sol ou os sóis (um em cada extremo da cruz). Os críticos desses terços afirmam que nos encontramos claramente diante de um símbolo maçônico ou inclusive dos Illuminati, e que teria suas raízes nos cultos solares.
 
No entanto, conhecemos perfeitamente o uso da simbologia solar para referir-nos a Jesus Cristo, e que também está testemunhada na Bíblia: já Zacarias, em seu cântico (“Benedictus”), refere-se ao Messias esperado como “o sol que nasce do alto”.
 
Depois, a tradição cristã viu no astro-rei um sinal de Cristo ressuscitado e, por isso, as igrejas se “orientaram” (voltadas para o Oriente), bem como grande parte das liturgias cristãs, nas quais o povo, encabeçado pelo ministro que preside a assembleia, louva Deus olhando para o Oriente, a direção na qual o sol nasce.
 
– Os pentágonos nas extremidades de cada braço da cruz também são controversos, já que o pentágono, sobretudo com a estrela de cinco pontas inscrito, é um símbolo utilizado comumente na magia, no ocultismo e inclusive no satanismo. Algo parecido acontece com o número 5.
 
No entanto, este número também está associado tradicionalmente à cruz, já que foram cinco as chagas de Jesus Cristo (mãos, pés, lado). E isso não se reflete somente na piedade popular (pensemos, por exemplo, na oração de São Francisco Xavier às cinco chagas), mas também na simbologia.
 
Sem ir mais longe, e para ver uma representação que sai do âmbito religioso, o escudo de Portugal está formado por cinco escudos que representam os cinco reinos árabes conquistados pelo rei Afonso Henrique. E estes cinco escudos, por sua vez, têm outros cinco inscritos, que simbolizam as chagas de Cristo.

– A ausência do “INRI” é, no mínimo, outro elemento interessante. Os críticos afirmam que, ao privar a cruz do seu “título”, o homem pregado nela é descaracterizado, deixando de ser Jesus. Sabemos que “INRI” não é senão a sigla latina do que foi escrito na condenação feita por Pilatos, segundo o evangelho de João: “Jesus nazareno, rei dos judeus”.
 
No entanto, outras muitas cruzes não têm este título e nem por isso são anticristãs. Às vezes – como certamente ocorre neste caso –, busca-se simplificar, dada a simplicidade da representação ou seu tamanho tão pequeno.
 
Estou certo de que, se aparecesse o “INRI”, os detratores desses terços o interpretariam em sua versão maçônica, assim como fizeram com os símbolos anteriores. Sim, porque a maçonaria fez uma releitura do rótulo da cruz desta maneira: “Igne Natura Renovatur Integra” (A natureza inteira é renovada pelo fogo), eliminando a referência cristológica, e assim também procederam alguns grupos gnósticos. Ou seja: se não tem “INRI”, a cruz é ruim. E se tivesse, também seria…
 
Além disso, alguns acreditam ver demônios nos extremos da cruz em algumas das versões destesterços, mas não se pode ver nada com clareza. Poderiam ser também anjos (e não diabinhos, já que o que se pode ver é que são crianças), como há em muitas outras cruzes. Confundem os raios que há atrás de suas cabeças com chifres.
 
Em alguns terços, há rosas nas extremidades da cruz – elementos que, obviamente, têm sua interpretação esotérica (a seita da rosa-cruz, por exemplo), mas que são totalmente normais em um objeto que se chama precisamente “rosário” e está vinculado a esta flor.
 
Tudo isso me recorda aqueles textos que as pessoas enviam periodicamente por e-mail a bispos e padres do mundo inteiro, afirmando, entre outras coisas, que Bento XVI utilizada uma mitra satânica. Certa vez, também vi na televisão que alguns afirmavam que o famoso arquiteto e Servo de Deus Antonio Gaudí era maçom, só porque utilizada cruzes nos seus edifícios! Enfim, quem quiser ver fantasmas, certamente os verá; basta distorcer um pouco os símbolos.
 
Alimentando uma polêmica
 
Uma simples busca na internet nos mostra toda essa leitura distorcida do terço e uma infinidade de advertências, convites à sua destruição e outras medidas. Blogs e vídeos publicados no YouTube nos advertem que estamos diante de terços perigosos ou, pelo menos, suspeitos, já que "não são o que parecem".
 
Alguns dos seus detratores fazem vagas referências a exorcistas que supostamente advertiram sobre a maldade desses terços (Quem são estes exorcistas? Quem lhes revelou isso? E se foi Satanás… como sabem que não lhes mentiu, sendo esta sua natureza?), e inclusive a videntes que receberam "mensagens do Senhor" sobre eles (Que videntes? Alguém de confiança?).

Além disso, indicam alguns, outra prova da sua maldade seria o fato de que são vendidos no âmbito da nova era, em lojas esotéricas. Isso é verdade, e podemos vê-los em tais estabelecimentos. Inclusive seus responsáveis afirmam que cada cor tem suas qualidades especiais e mágicas, garantindo que o cliente compre mais de um.
 
Mas precisamos levar em consideração que, nessas lojas, também são vendidas imagens religiosas de Cristo, de Maria e dos santos, associados muitas vezes a cultos sincretistas com divindades afro-americanas. E nem por isso as imagens são satânicas, maçônicas ou da nova era. Os comerciantes do oculto simplesmente as aproveitam para seu negócio, colocando-as junto a cartas de tarô, budas e bruxas.
 
Um pouco de bom senso e fé
 
O Pe. Gareth Leyshon, doutor em astrofísica e crítico da nova era, ao abordar este tema, indicou que o perigo desses terços para a fé viria, se fosse o caso, de alguma destas três razões: 1) por ter uma imagem explícita que só pudesse ter uma explicação pagã ou da nova era; 2) por utilizar uma imagem ambígua com um claro propósito anticristão; 3) ou por ter realizado algum ritual oculto sobre eles.
 
Sua resposta à primeira razão é negativa, já que o crucifixo tem símbolos que são totalmente explicáveis pela tradição cristã. Por isso, afirma, o mais provável é que alguém se preocupou em excesso ao ver certos símbolos no terço e começou a divulgar isso. Mas "se esta é a única razão pela qual existe esta preocupação pelos terços, então não há motivo para preocupar-se".
 
Quando à segunda e terceira razões, só os fabricantes o sabem. Sendo muitos deles fiéis, é totalmente descartável a intencionalidade maligna. Mais ainda: trata-se normalmente de desenhos antigos que continuam reproduzindo muitos anos depois, sem maior problema, já que o objetivo é produzir terços baratos para uma distribuição massiva. Uma emissora italiana entrevistou um desses fabricantes, e ele desconhecia completamente toda esta polêmica.
 
Por isso, aqui falta um pouco de bom senso e, sobretudo, senso de fé, que está unido ao anterior. Essa história de que cada terço que se reza com estes objetos não seria uma oração que chega a Deus e a Maria, mas ao próprio Satanás, é algo que não tem sentido na ótica cristã.
 
E se eu estiver errado, e alguém demonstrar no futuro que esses terços foram difundidos por organizações do mal, que querem destruir a fé em Cristo? Então, eu responderei como o Pe. Leyshon: "Não tenha medo! E lembre-se: cada vez que você reza as contas de um terço, você pede a Deus que o livre do mal 6 vezes, e invoca a proteção da Mãe de Deus 53 vezes".
 
O realmente diabólico não seria, de fato, convidar a destruir terços, desconfiar deles e semear a dúvida sobre a utilidade e eficácia da oração simples e confiante a Deus?
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Aleteia 

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