quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Devem-se tolerar os hereges?


Assim se procede: parece que se devem tolerar os hereges.

1. Com efeito, o apóstolo diz; “Quem serve o Senhor deve ser bondoso com todos, capaz de corrigir os opositores, tendo esperança de que Deus dê a eles uma oportunidade de se converterem, conhecerem a verdade e escaparem das armadilhas do diabo”. Ora, se os heréticos não forem tolerados, mas condenados à morte, tira-se deles a faculdade de se arrependerem. Logo, isso parece ser contra o preceito do Apóstolo.

2. Além disso, o que é necessário na Igreja deve ser tolerado. Ora, à Igreja são necessárias as heresias, pois diz o Apóstolo: “É preciso haver heresias, para que os de virtude comprovada se manifestem entre vós”. Logo, parece que os hereges devem ser tolerados.

3. Ademais, o Senhor mandou aos seus servos que deixassem crescer o joio até a ceifa, que é o fim do mundo, como no mesmo lugar se diz. Ora, o joio é símbolo dos hereges, conforme a interpretação dos Santos. Logo, os heréticos devem ser tolerados.

Em sentido contrário, diz o Apóstolo: “Após advertir um herege pela primeira e segunda vez, evita-o sabendo que é um pervertido.

RESPONDO: A respeito dos heréticos, há duas coisas a considerar: uma da parte deles e outra da parte da Igreja. Da parte deles, há um pecado pelo qual mereceram não somente serem excluídos da Igreja pela excomunhão, mas também do mundo pela morte. É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar o dinheiro que serve à vida temporal. Ora, se os falsificadores de moeda ou outros malfeitores logo são justamente condenados à morte pelos príncipes seculares, com maior razão os heréticos desde que sejam convencidos de heresia, podem não só ser excomungados, mas justamente serem condenados à morte. 

Do lado da Igreja, ao contrário, ela usa de misericórdia em vista da conversão dos que erram. Por isso, ela não condena imediatamente, mas só “depois da primeira e segunda advertência”, como ensina o Apóstolo. Se, porém, depois disso, o herege permanece ainda pertinaz, a Igreja, não esperando mais que ele se converta, provê a salvação dos outros, separando-o dela por uma sentença de excomunhão; e ulteriormente ela o abandona ao juízo secular para que seja excluído do mundo pela morte. Com efeito, Jerônimo diz isso que se encontra nas Decretais: “As carnes pútridas devem ser cortadas e a ovelha sarnenta deve ser afastada do redil, a fim de que toda a casa, a massa, o corpo e as ovelhas não ardam, corrompam-se, apodreçam e morram.

Ário, em Alexandria, foi uma centelha; mas porque não foi logo reprimido, a sua chama devastou todo o orbe”.

QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que de acordo com a moderação, o herege deve ser corrigido a primeira e a segunda vez. Mas se ele não quiser retrartar-se, será considerado pervertido, como fica claro no lugar citado do Apóstolo.

QUANTO AO 2º, deve-se dizer que está fora da intenção dos hereges a utilidade proveniente das heresias a saber, submeter à prova a constância dos fiéis e livrar da preguiça, examinando com mais solicitude as divinas Escrituras, como diz Agostinho. Mas a intenção dos hereges é corromper a fé, o que é extremamente nocivo. Portanto, deve-se atender mais à intenção deles, em si mesma, para serem excluídos, do que aquilo que está fora dela, para serem tolerados.

QUANTO AO 3º, deve-se dizer que como se registra nas Decretais “uma coisa é a excomunhão e outra, a erradicação. Alguém é excomungado”, como diz o Apóstolo, “a fim de que sua alma seja salva no dia do Senhor”. – Se, porém, os hereges forem totalmente erradicados pela morte, isso não fere o mandamento do Senhor, que deve ser entendido no caso em que não se pode extirpar o joio, em a extirpação do trigo, como já foi dito ao se tratar dos infiéis em geral.


São Tomás de Aquino
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SUMA TEOLÓGICA II Parte, q. 11
Disponível: Arena da Teologia

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