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segunda-feira, 17 de setembro de 2018

8 mentiras sobre Deus que os católicos devem conhecer e rebater


Tendo em conta a complexidade da teologia católica sobre a natureza de Deus, a seguinte lista, baseada nas Sagradas Escrituras e no Magistério da Igreja, responde a 8 mentiras recorrentes que estão à espreita dos católicos no mundo atual.

1. Cristo é insuficiente

Não existem novas revelações e o cânon bíblico está fechado. Há muitas pessoas que querem “aumentar” os ensinamentos de Cristo sustentando que, como as Sagradas Escrituras foram “escritas há muito tempo”, estas deveriam ser “atualizadas”.

Videntes e impostores de todo tipo difundem suas supostas “habilidades proféticas” que, ao que parece, estão contra o que sabemos de Deus. Nada mais longe da verdade.

Se estas pessoas estão certas, por que o Espírito Santo dá a cada uma diferentes mensagens? Cristo e sua Igreja não precisam de nada dos seres humanos. A mensagem de Cristo é válida e autêntica ontem, hoje e sempre como afirma no livro dos Hebreus 13,8.

2. Pode haver novas revelações do plano da salvação

Não há e nunca poderão existir novas revelações para ser acrescentadas na economia da salvação. Algumas revelações privadas foram aprovadas pela piedade popular (por exemplo, Sagrado Coração, Nossa Senhora de Lourdes, a Divina Misericórdia) e outras não.

A chave é se estão de acordo com as revelações originais de Cristo nas Sagradas Escrituras. As pessoas se colocam em uma situação precária quando se atrevem a julgar não somente a Bíblia, como também Deus e Sua Igreja, negando assim a Tradição e o magistério.

3. Jesus nunca assegura ser Deus na Bíblia

Cristo se refere a si mesmo como Deus cerca de 50 vezes nas Sagradas Escrituras.

Do mesmo modo, os Evangelhos mostram as reações de quem se opunha a Jesus depois de afirmar que Ele era Deus ou igual a Deus (por exemplo em Marcos 14,61-62).

Se Jesus nunca afirmou ser Deus, por que algumas pessoas se incomodaram tanto com Ele há 2000 anos ao ponto de crucificá-lo? Cristo foi condenado à morte porque o consideravam blasfemo ao referir-se a si mesmo como Deus.

4. Todos somos filhos de Deus e, portanto, Ele deve amar tudo o que somos

Sim. Deus criou todos nós. Deus ama todos. Todos somos seus filhos. Entretanto, Ele nos chama para Si mesmo em um espírito de amor e arrependimento, mas nem todo mundo está preparado e disposto a fazer esse tipo de compromisso.

Não podemos dizer que somos seus filhos e ao mesmo tempo nos negar em reconhecer nossa relação com nosso Pai Celestial. (1 João 3,10, Romanos 8,15, Efésios 2,1-16).

Deus é misericordioso, mas nem todos nós queremos ser perdoados, ou inclusive, pensamos que não fizemos nada que deve ser perdoado (1 João 1, 8).

sábado, 28 de julho de 2018

A Igreja Zumbi


Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”. (Lv 19,2)

A Santa Igreja Católica ensina que através do Sacramento do Batismo, somos ingressados na vida sobrenatural da Fé, e consequentemente na comunidade dos Santos, a Igreja de Deus (cf. CIC 1236). Com efeito, foi o próprio Cristo que nos ensinou: Quem não nascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar no Reino de Deus (Jo 3,5).

Porém, através do pecado somos afastados da vida de Graça, desta vida sobrenatural da Fé. E por esta mesma razão, Nosso Senhor instituiu o Sacramento da Reconciliação, para que através dele possamos voltar à comunidade dos Santos de Deus: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, lhe serão perdoados; aqueles a quem os retiverdes, lhes serão retidos” (Jo 20,22-23).

Quantos católicos realmente se reconciliam com Deus através do Sacramento da Reconciliação? Infelizmente é notório notar que a grande maioria não. Se estão mortos para a vida sobrenatural da Fé, não passam de mortos que acreditam estar vivos.

O Sacramento da Reconciliação

O Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 1446 ensina que: “Cristo instituiu o sacramento da Penitência para todos os membros pecadores de sua Igreja, antes de tudo para aqueles que, depois do Batismo, cometeram pecado grave e com isso perderam a graça batismal e feriram a comunhão eclesial. E a eles que o sacramento da Penitência oferece uma nova possibilidade de converter-se e de recobrar a graça da justificação. Os Padres da Igreja apresentam este sacramento como a segunda tábua (de salvação) depois do naufrágio que é a perda da graça”.

Como dissemos, é através dele que nós pecadores voltamos à vida de Graça no seio do redil do Senhor, que é a Igreja. A Santa Igreja com maternal amor nos lembra de que “Não há pecado algum, por mais grave que seja, que a Santa Igreja não possa perdoar. ‘Não existe ninguém, por mau e culpado que seja, que não deva esperar com segurança a seu perdão, desde que seu arrependimento seja sincero.” Cristo que morreu por todos os homens, quer que, em sua Igreja, as portas do perdão estejam sempre abertas a todo aquele que recua do pecado’” (Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 982).

terça-feira, 24 de abril de 2018

Fim do “Catolicismo romano”?


Este artigo, assim mesmo intitulado pelo próprio Autor e do qual apresento abaixo a tradução em português, apareceu no blog Settimo Cielo, no dia 13 de Abril passado, sob um outro provocador título dado por Sandro Magister: La riforma di Bergoglio l'ha già scritta Martin Lutero / A reforma de Bergoglio já a escreveu Martinho Lutero [1].

O Autor é Roberto Pertici: tem sessenta e seis anos de idade e é actualmente professor de história contemporânea na Universidade de Bergamo [2]. Um académico exactamente da minha idade; o que, pela contemporaneidade da vida, me ajudou à melhor compreensão deste ensaio.

Este, é de facto notável e algo invulgar pela «agudeza e amplitude de horizonte da análise», como diz Magister, e pela lógica do raciocínio que conjuga os factos examinados, relevando a sua unitária coerência com um “projecto” ou “operação”.

Para quem partilhe de uma visão conservadora ou tradicional da Igreja, parece-me obviamente muito perturbador.... mas há que ter presente que a Fé católica e apostólica não se conjuga jamais com qualquer espécie de desespero!

As notas assinaladas entre […], são todas da minha autoria.

22 de Abril de 2018

João Duarte Bleck, médico e leigo Católico 
***


1. Neste momento do pontificado de Francisco, creio que se possa razoavelmente sustentar que este marca o ocaso dessa imponente realidade histórica definível como “catolicismo romano”.

Isto não significa, bem entendido, que a Igreja Católica esteja no fim, mas que está a chegar ao fim o modo como historicamente se estruturou e se apresentou a si mesma nos últimos séculos.

De facto, parece-me evidente que é este o projecto conscientemente seguido pelo “brain trust” que rodeia Francisco: um projecto que se pretende quer uma resposta extrema / radical à crise das relações entre a Igreja e o mundo moderno, quer como premissa para um renovado percurso ecumênico, comum às outras confissões cristãs, especialmente aquelas Protestantes.

2. Por “catolicismo romano” entendo aquela grande construção histórica, teológica e jurídica que se iniciou com a helenização (para o aspecto filosófico) e com a romanização (para o aspecto político-jurídico) do cristianismo primitivo e que se baseia sobre o primado dos sucessores de Pedro; tal como ela emerge da crise do mundo tardo-antigo e da sistematização teórica da idade gregoriana (“Dictatus Papae”) [3].

Nos séculos sucessivos, a Igreja, do mesmo modo, dotou-se de um Direito interno próprio, o Direito canónico, olhando para o Direito romano como modelo. E este elemento jurídico contribuiu para gradualmente plasmar uma complexa organização hierárquica, com precisas normas internas que regulam a vida, seja da “burocracia dos celibatários” (a expressão é de Carl Schmitt [1888-1985]) que a gere, seja dos leigos que dela fazem parte.

O outro momento decisivo da formação do “catolicismo romano” é, finalmente, a eclesiologia elaborada no Concílio de Trento [1545-1563], que reafirmou a centralidade da mediação eclesiástica em vista da salvação, em contraste com a tese luterana do “sacerdócio universal”, e que assim fixa o carácter hierárquico, unitário e centralizado da Igreja; o seu direito de controlar e, caso ocorra, condenar as posições que contrastem com a formulação ortodoxa das verdades de fé; o seu papel na administração dos sacramentos.

Esta eclesiologia foi selada no dogma da infalibilidade pontifícia proclamado no Concílio Vaticano I [1869-1870], colocado à prova oitenta anos depois, na afirmação dogmática da Assunção de Maria ao Céu (1950), a qual, juntamente com a precedente proclamação dogmática da sua Imaculada Conceição (1854), reafirma a centralidade do culto mariano.

Seria, todavia, redutor se nos limitássemos a quanto dissemos até agora. Porque existe, ou melhor existia, também um difuso “sentir católico”, assim constituído:

- uma atitude cultural que se baseia sobre um realismo, a propósito da natureza humana, por vezes desencantado, mas disposto a “tudo compreender” como premissa do “tudo perdoar”;

- uma espiritualidade não-ascética, compreensiva de certos aspectos materiais da vida e não disposta a desprezá-los;

- empenhado numa caridade quotidiana para com os humildes e os necessitados, sem precisar de os idealizar ou deles fazer quase um ídolo;

- disposto a representar-se também na própria sumptuosidade, portanto não surdo à razão de ser da beleza e das artes, enquanto testemunhos de uma Beleza suprema à qual o cristão deve tender;

- indagador subtil das moções mais recônditas do coração, da luta interior entre o bem e o mal, da dialéctica entre “tentação” e a resposta da consciência.

Poder-se-ia então dizer que naquilo a que chamo de “catolicismo romano” entrelaçam-se três aspectos, além, obviamente, do religioso: o estético, o jurídico e o político. Trata-se de uma visão racional do mundo que penetra numa instituição visível e compacta e que entra fatalmente em conflito com a ideia de representação que emergiu com a modernidade, baseada no individualismo e numa concepção do poder que, vinda de baixo, acaba por colocar em discussão o princípio da autoridade.

sexta-feira, 30 de março de 2018

O mistério da Sexta-feira Santa


Hoje é Sexta-Feira Santa, Sexta-Feira da Paixão do Senhor.

Numa sexta-feira, provavelmente no dia 7 de abril do ano 30, os romanos crucificaram, a pedido das autoridades religiosas judaicas, o pregador Jesus de Nazaré, em hebraico, Ieshu ben Ioseph.

Jesus pregava a chegada do Reino de Deus, anunciado nas Escrituras de Israel; afirmava ter vindo de Deus, ser o Filho de Deus. Escolhera Doze discípulos, indicando claramente que, a partir Dele, Israel, o povo das Doze tribos, deveria ser renovado e transformado. Afirmava que aqueles que Nele acreditassem e O aceitassem como Messias e Salvador, que O amassem mais que à própria vida e se abrissem à Sua mensagem sem nenhuma reserva, encontrariam a Luz verdadeira, a Vida verdadeira e venceriam, com Ele e como Ele, a própria morte: as mortes da vida e a Morte última.

Sexta-feira, 7 de abril, Jerusalém, ano 30. Jesus está na cruz, humanamente aniquilado, um farrapo, um trapo de gente. Perdoa Seus inimigos, entrega-Se com total confiança nas mãos do Deus Santo de Israel, a Quem Ele chamava de Pai, e morre. É sepultado. No terceiro dia, Seus discípulos dizem que Ele veio, vivo, ressuscitado, totalmente transfigurado, glorioso, divinizado na Sua natureza humana, ao encontro dos Seus.

Tudo mudou para aqueles Doze, tudo mudou para os discípulos, tudo mudou para Paulo de Tarso, judeu culto, letrado, prudente, que diz ter sido encontrado por Jesus vivo, ressuscitado, vitorioso, no caminho de Damasco... Deste testemunho dos Apóstolos a Igreja vive há dois mil anos; por esse testemunho muitos deram a vida, muitos consagraram toda a existência. Os cristãos creem com todas as forças e com razoáveis motivos: Jesus venceu a morte, ressuscitou, está no Pai e, na potência do Seu Espírito Santo, estará presente à Sua Igreja até o fim dos tempos.

Mas, hoje é Sexta-Feira. Sexta-Feira de silêncio, de jejum, de oração, de abstinência de carne. Sexta-Feira escandalosa: como pode um Deus morto? Como pode a Vida ser morta pela Morte? Como pode a Luz dissipar-Se ante as trevas? Como pode o Pai Se calar e permitir que o Justo fosse assassinado e derrotado? Onde está Deus? Se existe, por que não salvou o Seu Filho amado?

De fato, a cruz, por si mesma, é um escândalo terrível! Por isso os antigos pagãos, zombando dos cristãos, representavam um asno crucificado. A fé cristã não passaria de “asneiras”. Há dois mil anos pensam ou dizem isso... Os muçulmanos zombam de nós, chamando-nos “adoradores da cruz”, e o mundo atual odeia com todas as forças tudo que signifique cruz, tudo que estrague a curtição do homem embevecido com sua razão, com sua tecnologia, com seu conforto, com suas soluções “morais” práticas e fáceis, tanto quanto levianas e vulgares, com sua ilusão de ser senhor do bem e do mal, do certo e do errado, da vida e da morte...

quarta-feira, 21 de março de 2018

2ª Pregação da Quaresma 2018: “Que vossa caridade não seja fingida"


“QUE VOSSA CARIDADE NÃO SEJA FINGIDA”

O amor cristão


1. Indo às fontes da santidade cristã

 

Juntamente com a chamada universal à santidade, o Concílio Vaticano II também deu indicações precisas sobre o que se entende por santidade, no que consiste. Na Lumen gentium se lê: 

"Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer condição: «sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito» (Mt. 5,48) (121). A todos enviou o Espírito Santo, que os move interiormente a amarem a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito e com todas as forças (cfr. Mc. 12,30) e a amarem-se uns aos outros como Cristo os amou (cfr. Jo. 13,34; 15,12). Os seguidores de Cristo, chamados por Deus e justificados no Senhor Jesus, não por merecimento próprio mas pela vontade e graça de Deus, são feitos, pelo Batismo da fé, verdadeiramente filhos e participantes da natureza divina e, por conseguinte, realmente santos. É necessário, portanto, que, com o auxílio divino, conservem e aperfeiçoem, vivendo-a, esta santidade que receberam."(LG 40).

Tudo isso está resumido na fórmula: "a santidade é a união perfeita com Cristo" (LG, 50). Esta visão reflete a preocupação geral do Concílio de voltar às fontes bíblicas e patrísticas, superando, também neste campo, a postura escolástica dominante durante séculos. Agora é uma questão de tomar consciência dessa renovada visão de santidade e fazê-la passar na prática da Igreja, isto é, na pregação, na catequese, na formação espiritual dos candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa e - por que não? - também na visão teológica que inspira a prática da Congregação dos Santos[1].

Uma das principais diferenças entre a visão bíblica da santidade e a da escolástica reside no fato de que as virtudes não se fundamentam tanto na "reta razão" (a recta ratio aristotélica), mas no Querigma; ser santo não significa seguir a razão (muitas vezes, é o contrário!), mas seguir a Cristo. A santidade cristã é essencialmente cristológica: consiste na imitação de Cristo e, no seu cume - como diz o Concílio - na "perfeita união com Cristo".

A síntese bíblica mais completa e mais compacta de uma santidade fundada no Querigma é aquela descrita por São Paulo na parte parenética da Carta aos Romanos (capítulos 12-15). No início, o Apóstolo dá uma visão resumida do caminho de santificação do crente, do seu conteúdo essencial e do seu propósito:

"Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual. Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito" (Rm 12,1-2).

Na última pregação, nós meditamos estes versículos. Nas próximas meditações, partindo do que se segue no texto paulino e completando-o com o que o Apóstolo diz em outro lugar sobre o mesmo argumento, tentaremos destacar os traços salientes da santidade, aqueles que hoje são chamados de "virtudes cristãs" e que o Novo Testamento define como os "frutos do Espírito", as "obras da luz", ou também "os sentimentos que estavam em Cristo Jesus" (Fl 2, 5).

A partir do capítulo 12 da Carta aos Romanos, todas as principais virtudes cristãs, ou frutos do Espírito, estão listadas: o serviço, a caridade, a humildade, a obediência, a pureza. Não como virtudes a serem cultivadas por si mesmo, mas como necessárias consequências da obra de Cristo e do batismo. A seção começa com uma conjunção que por si só vale um tratado: “Vos exorto, portanto...”. Aquele "portanto" significa que tudo o que o Apóstolo dirá desse momento em diante é a consequência do que escreveu nos capítulos precedentes sobre a fé em Cristo e sobre a obra do Espírito. Refletiremos sobre quatro destas virtudes: caridade, humildade, obediência e pureza, começando com a primeira. 

1ª Pregação da Quaresma 2018: "Não vos conformeis com a mentalidade deste mundo” (Rm 12,2)


"NÃO VOS CONFORMEIS COM A MENTALIDADE DESTE MUNDO”
(RM 12,2)


"Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito." (Rom 12, 2).

Numa sociedade em que todos se sentem investidos da tarefa de transformar o mundo e a Igreja, cai esta palavra de Deus que nos convida a transformar-nos a nós mesmos. "Não vos conformeis com este mundo”: depois dessas palavras, esperávamos ouvir: "mas transformai-o!"; Em vez disso, se diz: “mas transformai-vos!”. Transformar, sim, o mundo, mas o mundo que está dentro de vós, antes de pensar em transformar o mundo que está fora de vós.

Será esta palavra de Deus, tirada da Carta aos Romanos, que nos introduzirá este ano no espírito da Quaresma. Como fazemos há alguns anos, dedicamos a primeira meditação a uma introdução geral à Quaresma, sem entrar no tema específico do programa, até mesmo por causa da ausência de parte do auditório envolvido nos Exercícios Espirituais.

1. Os cristãos e o mundo

Em primeiro lugar, vejamos como esse ideal de desapego do mundo foi compreendido e vivido desde o Evangelho até nossos dias. É sempre útil ter em conta experiências passadas se quisermos entender as necessidades do presente.

Nos evangelhos sinóticos, a palavra "mundo" (kosmos) é quase sempre compreendida num sentido moralmente neutro. Tomado no sentido espacial,  mundo indica a terra e o universo ("ide ao mundo inteiro"), tomado em um sentido temporal, indica o tempo ou o “século” (aion) presente. É com Paulo e ainda mais com João que a palavra "mundo", é preenchida com um valor moral e significa, na maioria das vezes, o mundo depois do pecado e sob o domínio de Satanás, “o deus deste mundo” (2 Cor 4, 4). Daí a exortação de Paulo da qual nós partimos e, aquela, quase idêntica, de João na sua Primeira Carta:

"Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo - a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida - não procede do Pai, mas do mundo."(1 Jo 2, 15-16).

Essas coisas não nos fazem perder de vista que o mundo em si mesmo, apesar de tudo, é e permanece, a boa realidade criada por Deus, que Deus ama e que veio para salvar, não para julgar: "Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3, 16).

A atitude em relação ao mundo que Jesus propõe a seus discípulos encerra-se em duas preposições: estar no mundo, mas não ser do mundo:  “Já não estou no mundo – diz dirigindo-se ao Pai – ; eles, pelo contrário, ainda estão no mundo [...]. Eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo" (Jo 17,11. 16).

Nos primeiros três séculos, os discípulos estão bem cientes de sua posição única. A Carta a Diogneto, um escrito anônimo do final do segundo século, descreve dessa forma o sentimento que os cristãos tinham de si mesmos no mundo:

"Os cristãos não diferem do resto dos homens nem pelo território, nem pela língua, nem pelos hábitos de vida. De fato, não moram em cidades particulares, não usam de uma linguagem estranha, não levam um tipo de vida especial [...]. Moram tanto na cidade grega como na bárbara, como acontece, e apesar de iguais nas roupas, na comida e no resto da vida segundo os costumes do lugar, se propõem uma forma de vida maravilhosa e, segundo todos, paradoxal. Cada um mora na própria pátria, mas como forasteiros; participam de todas as atividades de bons cidadãos e aceitam todos os encargos como convidados passageiros. Toda terra estrangeira é uma pátria para eles, enquanto toda pátria é, para eles, terra estrangeira. Como todos, se casam e têm filhos, mas não expõem seus filhos. Eles têm em comum a mesa, mas não a cama. Vivem na carne, mas não segundo a carne"[1].

Façamos um breve resumo da história. Quando o cristianismo se torna tolerado e depois, em seguida, religião protegida e favorecida, a tensão entre o cristianismo e o mundo tende, inevitavelmente, a diminuir, porque o mundo se tornou, ou pelo menos, é considerado "um mundo cristão". Ocorre, assim, um duplo fenômeno. De uma parte, grupos de cristãos desejosos de permanecerem o sal da terra e não perderem o sabor, fogem, também fisicamente, do mundo e se retiram no deserto. Nasce o monaquismo sob a bandeira do monge Arsênio: “Fuge, tace, quiesce”, “Fuja, cale, viva retirado[2]”

Ao mesmo tempo, os pastores da Igreja e os espíritos mais iluminados tentam adaptar o ideal de desapego do mundo a todos os crentes, propondo uma fuga não-material, mas espiritual, do mundo. São Basílio no Oriente e Santo Agostinho no Ocidente conhecem o pensamento de Platão, especialmente na versão ascética que ele havia tomado com o discípulo Plotino. Neste ambiente cultural, estava vivo o ideal da fuga do mundo. Mas era uma fuga, por assim dizer, vertical, não horizontal, para cima, não para o deserto. Consiste em elevar-se por acima da multiplicidade das coisas materiais e das paixões humanas, para unir-se ao que é divino, incorruptível e eterno.

Os Padres da Igreja - os Capadócios em primeiro lugar - propõem uma ascética cristã que responde a essa exigência religiosa e adota a sua linguagem, sem, contudo, sacrificar os valores próprios do Evangelho. Para começar, a fuga do mundo inculcada por eles é trabalho da Graça mais do que esforço humano. O ato fundamental não está no final do caminho, mas no seu começo, no batismo. Portanto, não é reservada a poucos cultos, mas aberta a todos. Santo Ambrósio escreverá um breve tratado “Sobre a fuga do mundo”, dirigindo-o a todos os neófitos[3]. A separação do mundo que ele propõe é sobretudo afetiva: “A fuga – diz – não consiste no abandonar a terra, mas, permanecendo na terra, em observar a justiça e a sobriedade, em renunciar aos vícios e não ao uso dos alimentos” [4].

Este ideal de desapego e de fuga do mundo acompanhará, em formas diferentes, toda a história da espiritualidade cristã. Uma oração da liturgia resume-o no lema: "terrena despicere et amare caelestia", "desprezar as coisas da terra e amar as do céu". 

sábado, 3 de março de 2018

Igreja, atualidade e verdade!


Como descrever o momento presente? Como entender o que está acontecendo em nossa volta? Como raciocinar e encontrar a Verdade em meio um turbilhão de informações? Como me posicionar preservando as essências da minha fé sem denegrir a imagem daquela que me orienta e ajudar crer? Penso que, para aqueles que buscam respostas, uma alegoria bastante antiga possa ajudar a clarear nossas ideias e chegar a conclusões que nos façam tomar uma postura. Sei que muitos a conhecem ou já ouviram falar, mas não custa nada recordar. Segue então o Mito da Caverna de Platão:

“Havia uma caverna, cujo seu interior permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali. Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder mover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, sem poder ver uns aos outros ou a si próprios. Atrás dos prisioneiros há uma fogueira, separada deles por uma parede baixa, por detrás da qual passam pessoas carregando objetos que representam homens e outras coisas viventes. As pessoas caminham por detrás da parede de modo que os seus corpos não projetam sombras, mas sim os objetos que carregam. Os prisioneiros não podem ver o que se passa atrás deles e veem apenas as sombras que são projetadas na parede em frente a eles. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vêm de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade. Ora, imagine que um dos prisioneiros seja libertado e forçado a olhar o fogo e os objetos que faziam as sombras (uma nova realidade, um conhecimento novo). A luz iria ferir os seus olhos e ele não poderia ver bem. Se lhe disserem que o presente era real e que as imagens que anteriormente via não o eram, ele não acreditaria. Na sua confusão, o prisioneiro tentaria voltar para a caverna, para aquilo a que estava acostumado e podia ver. Caso ele decida voltar à caverna para revelar aos seus antigos companheiros a situação extremamente enganosa em que se encontram, os seus olhos, agora acostumados à luz, ficariam cegos devido à escuridão, assim como tinham ficado cegos com a luz. Os outros prisioneiros, ao ver isto, concluiriam que sair da caverna tinha causado graves danos ao companheiro e, por isso, não deveriam sair dali nunca. Se o pudessem fazer, matariam quem tentasse tirá-los da caverna.”

Acredito que esta ilustração do pensamento platônico ajuda a clarear muitos encontros e desencontros de nossa sociedade moderna, onde nos deparamos constantemente com reações diversas em vista da busca da essência e defesa da verdade. Deste modo, cabe a cada um de nós nos questionarmos, mediante a complexidade do Mito de Platão, quem sou eu na caverna da contemporaneidade?

Se observar e refletir bem, a verdade nesta alegoria se equipara ao conhecimento e a experiência. Para os homens que nasceram e cresceram acorrentados dentro da caverna, a verdade são as sombras e os sons externos daquele “micro mundo” que conheciam, pois se trata de tudo aquilo que até o presente momento experimentaram. Desmitificar este “micro universo”, para aqueles que estão ali é uma violência horrenda para com eles que forçadamente foram, por uma vida, obrigados a limitar seu conhecimento a uma falsa definição do que de fato seja a Verdade.

Libertar um destes acorrentados é fazê-lo sofrer, pois todo processo de conheci-mento exige quebra de conceitos e abertura para o novo. Imagine você descobrir que tudo aquilo que acredita ser verdade, de uma hora para outra, apresenta-se a sua frente como uma simples ilusão. Imagina quantos questionamentos, quanta dor e quanta inquietude. Até você apreender e entender o que aconteceu com a sua vida demora um tempo. E só o tempo é capaz de nos ajudar a organizar nossas ideias e aprimorar os nossos conhecimentos.

É quando então, neste processo de amplificação do conceito de Verdade que ele irá se lembrar daqueles outros acorrentados dentro da caverna, que há anos vivem iludi-dos, enganados e por causa de sua condição são vulneráveis, manipuláveis e precisam saber a Verdade. E ao voltar àquele “micro cosmos” se deparará com uma triste realidade: o que a ignorância é capaz de fazer com aqueles que são privados ou se privam de buscar o real sentido e essência das coisas, isto é, a Verdade.

Alguns pensarão que o fato de ter sido desacorrentado prejudicou-lhe as faculdades da razão, retirou-lhe os sentidos, pobre coitado. Agora ele é um “louco varrido”. Outros o classificarão como um desordeiro, idealista, revolucionário, um cismático que deseja disseminar a discórdia na unidade e fraternidade do grupo. Outros ainda só observarão, não tomarão partido, por falta de coragem e por medo de se abrirem a Verdade, a final de contas, qual grupo não tem um indiferente?

Penso ser esta uma boa ilustração de nossa sociedade moderna, bem como da Igreja. Digo isto, pois a Igreja está inserida no mundo, faz parte do mundo e por mais que tente se diferenciar do mundo, sofre terrivelmente as consequências das variações da cultura e da história. Nós cristãos, na grande maioria das vezes, somos este povo acorrentado, que vê refletido na parede da vida as sombras criadas e formadas pelo tempo e as circunstâncias que vivemos onde são organizados nossos conceitos e instaladas as ideologias.

É muito difícil enxergar uma outra realidade enquanto estivermos encerrados nestas limitações. É próprio do ser humano defender o seu mundo, aquilo que acredita, o que têm e o que traz segurança para sua vida. E é justamente aqui que podemos sair perdendo. Se buscamos a Verdade, não podemos temer alargar nossos conhecimentos, nos fechar às novidades e nos agarrarmos a estruturas que nos trazem segurança por representar a nossa imagem. A busca pela Verdade exige de nós abertura, quebra de conceitos, maturidade, diálogo e inteligência, pois não podemos rejeitar ver as coisas como elas verdadeiramente são. O contrário disso se chama viver na ilusão.

Vive iludido quem se contenta com o pouco, está habituado a perguntas respondi-das e pensamentos concluídos, “alimento mastigado” pronto para ser engolido. Pessoas assim são inteiramente vulneráveis, fácil de ser enganadas e manipuladas. Geralmente são os soldados de frente da batalha, que acreditam na vitória e, por isto, encara a luta sem medo da derrota. São tão certos daquilo que acreditam que perdem por inteiro a razão, o medo de morrer, de matar e de sofrer. São seres controlados por um grupo pensante e manipulante, que sempre usará de todas as armas para que os mesmos continuem acorrentados defendo aquilo que acreditam ser verdade. E assim, muitos perecerão na ignorância!

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Feliz de quem O tiver amado!


“A graça de Deus, nosso Salvador, apareceu a todos os homens e nos ensinou a viver no século presente com piedade, aguardando a beatitude que esperamos, e o futuro glorioso de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo.” (Tt 2, 11)

Considera que, por essa graça de que aqui fala o apóstolo, entende-se o ardente amor de Jesus Cristo aos homens, amor que não merecemos e que por essa razão é chamada graça. Esse amor em Deus foi sempre o mesmo, mas não apareceu sempre.

Foi primeiro prometido por um grande número de profecias e anunciado por muitas figuras; mas apareceu manifestamente quando o Redentor nasceu, quando o Verbo eterno se mostrou aos homens sob a forma duma criancinha, reclinada sobre palha, chorando e tremendo de frio, começando assim a satisfazer pelas penas por nós merecidas, e fazendo-nos conhecer o afeto que nos tinha pelo sacrifício que fez de sua vida por nós.

Jesus veio primeiro sob a forma de uma criança pobre e reclinada sobre a palha. No último dia, porém, aparecerá como juiz sobre um trono glorioso.

“Nisto conhecemos o amor de Deus”, diz S. João, “em ter ele dado a sua vida por nós” (1Jo 3, 16). Apareceu pois o amor do nosso Deus e apareceu a todos os homens. Mas por que não o conheceram todos, e ainda hoje nem todos o conhecem? Eis como Jesus mesmo responde, a essa pergunta: “A luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à luz” (Jo 3, 19). Não o conheceram e não o conhecem, porque não querem conhecê-lo, amando mais as trevas do pecado do que a luz da graça.

Procuremos não ser do número desses infelizes. Se no passado fechamos os olhos à luz pensando pouco no amor de Jesus Cristo, procuremos no resto da nossa vida não perder jamais de vista as dores e a morte de nosso Salvador, a fim de amarmos, como devemos, Aquele que tanto nos amou. Assim teremos direito de esperar, segundo as divinas promessas, o belo paraíso que Jesus Cristo nos adquiriu com seu sangue, esperando a beatitude e o glorioso advento de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo: “Vivendo a esperança, aguardamos a vinda de Cristo Salvador”.

No seu primeiro advento, Jesus veio sob a forma duma criança pobre e desprezada, nascida num estábulo, coberta de míseros paninhos e reclinada sobre palha; no segundo aparecerá como juiz sobre um trono glorioso. “Eles verão o Filho do homem vir sobre as nuvens do céu, com grande poder e majestade” (Mt 24, 30). Feliz de quem o tiver amado! Mas ai de quem não o tiver amado! 

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O Gênio da Língua Hebraica (Capítulo 3 - Parte 2/4)


Não há dúvida, difícil é à maioria dos fiéis que desejem ler a Sagrada Escritura, adquirir o conhecimento dos idiomas originais. Todavia quem se compenetra da mentalidade ou do gênio semítico, torna-se capaz de discernir os matizes e as finuras de expressão que os livros sagrados, em boa tradução vernácula, lhe oferecem.

"O conhecimento mesmo das línguas originais se torna inútil, se não é vivificado por uma comunhão simpática e intuitiva com o gênio próprio da civilização à qual pertencia o escritor bíblico. É preciso aprender a ler entre as linhas e procurar penetrar aos poucos no ambiente de vida em que se movia o autor sagrado, ambiente que transparece no texto bíblico." 4

Pergunta-se, pois, quais as principais características de pensamento e linguagem dos autores bíblicos?

1. O gênio semita é intuitivo muito mais do que abstrativo. O que quer dizer: o judeu, ao perceber um objeto; não se preocupava grandemente com o discernimento de notas essenciais e acidentais do mesmo; apreendia-o e descrevia-o simplesmente com suas características concretas, individuais. O concreto interessava-o mais do que o abstrato.

Eis alguns casos em que o israelita, em vez de usar conceitos e termos abstratos, universais, se comprazia em circunlocuções de caráter mais concreto: Em lugar de dizer "tomar posse, dominar", o judeu às vezes preferia a expressão "lançar a sandália sobre...", que lembrava o gesto concreto ou o cerimonial da tomada de posse: 5

"Sobre Edom lançarei a minha sandália, Sobre a terra dos filisteus cantarei o meu triunfo" (Sl 59,10) cf. Sl 107,10; Gen 13,17; Dt 25,9; Jos 10,24; Rut 4,7.

A expressão "sentir-se feliz, alegre" podia ser substituída pelos dizeres "ter a alma saciada de gordura", visto ser a gordura sinal de suficiência ou plenitude, ainda hoje o alimento predileto dos árabes da Palestina:

"Minha alma será saciada como que de alimento gorduroso, E de meus lábios alegres prorromperá o teu louvor." (Sl 62,6; cf. Sl 35,9.)

Quando alguém se julgava "em perigo de vida", dizia concretamente que "trazia a sua alma nas mãos", já que "ter nas mãos" é a atitude que imediatamente precede a entrega:

"Minha alma está sempre em minhas mãos, mas não esqueço a tua lei." (Sl 118,109.) Cf. Jz 12,3; 1 Sam 19,5; Jó 13,14; Est 14,4.

"Expor a própria vida" ou "estar decidido a morrer" era equivalente a "tomar a própria carne entre os dentes", ou seja, morder-se:

"Tomo a minha carne entre os meus dentes, coloco a minha vida em minha mão." (Jó 13,14)

A ideia abstrata de posse ou de largueza, liberalidade era expressa pelo termo concreto "mão", já que a mão é o órgão que diretamente apreende ou distribui. Assim lê-se em Lev 5,7:

"Se sua mão não atingir o valor de uma ovelha...". O que quer dizer: "Se suas posses não lhe permitirem comprar uma ovelha”.

3 Rs 10,13: "O rei Salomão deu à rainha de Sabá tudo que ela desejava, como a mão do rei Salomão", isto é, "...de acordo com a opulência de um rei tal como Salomão";

Gen 43,34: "A porção de Benjamim era cinco mãos mais abundante que as porções de todos eles (seus irmãos)", frase em que "cinco mãos" significam "cinco vezes".

A figura de linguagem "mão curta" ou 'encurtada" designava parcimônia ao dar:

"A mão do Senhor seria curta demais? Verás sem demora se acontecerá ou não o que te disse!", falava Javé ao anunciar as codornizes no deserto (Num 11,23);

"A mão do Senhor não é curta demais para salvar." (Is 59,1.)

"Governar" tinha por sinônimo o termo mais concreto "julgar", e, em vez de 'Governador", podia-se dizer "Juiz", visto que, num povo primitivo, a função mais frequente de quem governa é a de julgar os litígios entre os súditos. Haja vista o título do livro dos "Juízes" (= governadores de Israel desde os tempos de Josué até a monarquia).

"Poder, força" era conceito expresso pelo vocábulo "chifre", pois é neste que parece residir a força de muitos animais:

"(Deus é) meu escudo é o chifre de minha salvação (= a força que me salva)" (SI 17,3.)

"Abaterei todos os chifres dos malvados, e os chifres dos justos serão exaltados." (S1 74,11.)

2. A tendência a fixar a atenção sobre os indivíduos concretos levava o hebreu a realçar o que há de dinâmico em cada ser; comprazia-se em considerar o comportamento e os efeitos de pessoas e coisas, mais do que o seu Valor estático, essencial. Assim tudo, de certo modo, se podia tomar vivo e agente, para o semita. 6

Os substantivos do vocabulário hebraico são os próprios verbos ou derivam-se de verbos; o verbo (ordinariamente constituído por três consoantes) é a palavra fundamental do léxico israelita. Isto bem mostra que o aspecto principal sob o qual o judeu visava cada objeto era o aspecto dinâmico, ativo. Em particular, note-se que o termo dabhar, que originariamente significava "palavra", podia igualmente designar "coisa", pois toda coisa era pelos judeus concebida primariamente como efeito, efeito, sim, direto ou indireto, da palavra criadora de Deus. Consequentemente às premissas até aqui expostas, tendia o semita a focalizar, acima de tudo, a importância vital, a mensagem prática, que pudesse estar ligada às pessoas ou coisas apreendidas. O orador e o escritor, ao dissertarem, baseavam-se muito na sua experiência pessoal e visavam despertar impressões semelhantes, muito vivas, nos seus ouvintes e leitores. Procuravam transmitir da maneira mais penetrante possível um estado de alma. Isto faz que uma página de literatura semita seja impregnada de movimento, variedade de pessoas e coisas que se sucedem com realismo; emoções, afetos diversos a perpassam. Já que a linguagem semita ficava particularmente ligada à experiência, diz-se que ela evocava ainda mais do que exprimia. 

segunda-feira, 17 de julho de 2017

O mundo precisa de Santos, não de Templários de Facebook!


É assustador pensar no tamanho do buraco em que nossa sociedade se meteu. As famílias estão cada vez mais estranhas. Pais e mães (quando existem) terceirizam seus filhos com as escolas, que por sua vez, lhes ensinam a ser contra a família. Nossos jovens falam em empreendedorismo, mas crescem sonhando em depender cada vez mais do Estado. Falamos sempre em boas intenções e boas ações, mas parecem que elas apenas visam consertar o estrago que nossos valores deturpados provocam. Qual a solução para tudo isso? Aposto que muitos dirão “Guerra Cultural”, pois acho que é hora de propor uma nova guerra: a “Guerra Espiritual”. Precisamos de mais santos e menos Templários de Facebook.

É importante dizer que combater a cultura que nos vendem hoje é importante. Mas é como enxugar gelo. As coisas vão realmente mudar, quando o coração do homem (sua razão e afeição) forem tocados. E só existe realmente uma coisa que muda o coração do homem: o encontro com Cristo.

Mas qual a melhor maneira de fazer isso? Vivendo a SANTIDADE.

Já falamos isso, mas vamos repetir: a santidade não é um prêmio post-mortem para os católicos que foram bonzinhos em vida. A Santidade é um serviço URGENTE para a Igreja de Cristo! E só através dela será realmente possível mudar qualquer coisa na nossa sociedade.


Se você acessou nosso site recentemente, viu que estamos divulgando o livro “Quem sou eu para Julgar” da Editora LeYa, com textos e homilias do Papa Francisco. Lendo o livro, nos deparamos com esse belíssimo discurso:

“Não é, pois, com a clava do juízo que conseguiremos reconduzir a ovelha perdida ao redil, mas com a santidade de vida que é princípio de renovação e reforma na Igreja. A santidade nutre-se de amor e sabe suportar o peso de quem é mais frágil. Um missionário da misericórdia carrega o pecador sobre os próprios ombros e consola-o com a força da compaixão. E o pecador que o procura, a pessoa que vai até ele, encontra um pai.” - Papa Francisco em discurso aos Missionários da Misericórdia (9 de fevereiro de 2016)

É perfeito! Não é com a clava do juízo que se luta pelo coração do homem!!! É com a santidade que se mostra o rosto do Senhor!

sábado, 1 de julho de 2017

Homilética: 15º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "Os frutos da Palavra de Deus".


O poder e a eficácia da Palavra de Deus constituem o argumento central da reflexão de hoje. “Assim como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam mais, mas vêm irrigar e fecundar a terra e fazê-la germinar e dar semente para o plantio e para a alimentação; assim a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia; antes, realizará tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi ao enviá-la” (Is 55, 10-11).

São Mateus (Mt. 13, 1-23) narra que Jesus, diante das multidões que se aproximaram dele, sentou-se na barca, começou a ensinar-lhes: Saiu o semeador a semear, e as sementes caíram em terrenos muito diversos. Ou seja, a eficácia da Palavra, no coração do homem, depende de suas disposições. Nem todos a aceitam porque não deixam a Palavra de Deus penetrar fundo em suas vidas. As provações, as riquezas, os prazeres da vida impedem que produza fruto.

O Semeador, que saiu para semear, é precisamente Jesus, e a semente que espalha “é a Palavra de Deus” (Lc. 8, 11). O semeador espalha a sua semente aos quatro ventos, e assim se explica que uma parte caia no caminho. A semente caiu em vários tipos de terras diferentes: terreno pedregoso, entre espinhos; outras sementes caíram em terra boa. O terreno onde cai a boa semente é o mundo inteiro, cada homem.

A mesma semente produz muito fruto numa classe de terreno e em outros não produz nada. Isto significa o mistério da liberdade do homem perante o dom de Deus. Jesus semeia, em qualquer parte, a Palavra: nem sequer a nega aos pecadores, à gente superficial e distraída, aos homens imersos nos prazeres ou ocupados em negócios, comparando-os na parábola, à que cai à beira do caminho, em terrenos pedregosos, ou entre espinhos; isto significa a grande misericórdia do Senhor! Com efeito, em sentido espiritual, ensina São João Crisóstomo, “é possível que a rocha se transforme em boa terra; que o caminho deixe de ser pisado e se converta também em terra fértil, e que os espinhos desapareçam e deixem crescer exuberantemente as sementes. E se não se opera em todos essa transformação, não é, certamente, por culpa do semeador, mas daqueles que não querem mudar”. Isto é terrível, mas acontece: o homem pode fechar-se à Palavra de Deus, recusá-la e, consequentemente, torná-la ineficaz.

Aos discípulos que perguntam a Jesus: “Por que falas ao povo em parábolas?”; responde-lhes: “Pois à pessoa que tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem será tirado até o pouco que tem” (Mt. 13, 12). O Senhor explica aos seus discípulos, que eles, justamente porque têm fé nEle e desejam conhecer mais a fundo a Sua doutrina, lhes será dado um conhecimento mais profundo das verdades divinas. Mas os que não O seguem depois de O terem conhecido, perdem o interesse pelas coisas de Deus, estarão cada dia mais cegos, e é como se lhes fosse tirado o pouco que tinham. O Senhor nos exorta, sem tirar a nossa liberdade, à responsabilidade de sermos fiéis: devemos fazer frutificar os dons que Deus nos vai enviando e aproveitar as ocasiões de santificação cristã que nos são oferecidas ao longo da nossa vida.

Não pensemos que o não querer ouvir, nem ver, nem compreender, foi coisa exclusiva daqueles homens contemporâneos de Jesus; cada um de nós também tem as suas durezas de ouvido, de coração e de entendimento perante a Palavra de Deus, perante a Sua graça. Além disso, não basta saber a doutrina da fé: é absolutamente necessário vivê-la com todas as suas exigências morais e ascéticas. Jesus foi pregado na Cruz não só pelos pregos e pelos pecados de alguns judeus, mas também pelos nossos pecados, que iríamos cometer séculos depois, mas que já atuavam sobre a Humanidade Santíssima de Jesus Cristo, que carregava com nossos pecados.

“A alma que ama a Deus de verdade não deixa, por preguiça, de fazer o que pode para encontrar o Filho de Deus, o seu Amado. E depois de ter feito tudo o que pode, não fica satisfeita e pensa que não fez nada” (São. João da Cruz).

“A semente que caiu entre os espinhos é aquele que ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ele não dá fruto” (Mt. 13, 22). Trata-se de almas obcecadas pelas coisas materiais, envoltas numa “avareza de fundo que leva a apreciar apenas o que se pode tocar: os olhos que parecem ter ficado colados às coisas terrenas, mas também os olhos que, por isso mesmo, não sabem descobrir as realidades sobrenaturais” (São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, nº 6). É como se estivessem cegos para o que verdadeiramente importa.

Deixar que o coração se apegue ao dinheiro é um grave obstáculo para que o amor de Deus crie raízes no coração. São Paulo ensina que quem coloca o seu coração nos bens terrenos como se fossem bens absolutos, comete uma espécie de idolatria (Col. 3, 5). Esta desordem da alma conduz com freqüência à falta de mortificação, à sensualidade, à fuga ou ao esquecimento dos bens sobrenaturais, pois sempre se cumprem aquelas palavras do Senhor: “onde estiver o vosso tesouro, ali estará o vosso coração” (Lc. 12, 34).

Deus espera que sejamos um terreno que acolha a graça e dê fruto; e produziremos mais e melhores frutos quanto maior for a nossa generosidade com Deus.

Cabe – nos a pergunta: Que tipo de terreno sou eu? As quatro qualidades de terra se encontram, mais ou menos, em cada um de nós!

Em cada um de nós há espinhos, pedras, trilhos e terra de boa qualidade. Trata-se de tomar consciência e de melhorar o terreno ( que é o nosso coração ) para que a Palavra de Deus possa produzir frutos.

Gostaria de fixar-me sobre o lado positivo e encorajador do Evangelho de hoje: a Palavra de Deus encontra também muitos corações disponíveis, muito terreno bom. O terreno melhor foi aquele de Maria, que acolhia todas as palavras e as guardava em seu coração (cf. Lc 2,19 ). Terreno bom foram os apóstolos e os discípulos, que acolheram a Palavra e a pregaram ao mundo, irrigando-a com o próprio sangue.


Quem é hoje o terreno bom que produz fruto? É o cristão que, antes de tudo, tem sede da Palavra de Deus, que a ama, que se preocupa em ouvi-La, compreendê-La, convicto de que não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus ( Mt 4,4 ). É aquele que aplica a Palavra à sua vida; dá-lhe forma e espaço, com a reflexão, de modo que possa germinar, em seu coração, iluminar as intenções, fortificar os propósitos, de modo que eles se transformem em obras evangélicas, isto é, nos cem por cento de que fala Jesus no final de sua parábola.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Homilética: 14º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "Jesus: Alívio no Sofrimento".


No Evangelho de hoje o Senhor Jesus repete-nos aquelas palavras que conhecemos tão bem, mas que nos comovem sempre: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós, pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 28-30). Quando Jesus percorria os caminhos da Galileia, anunciando o Reino de Deus e curando os doentes, sentia compaixão pelas multidões, porque estavam cansadas e oprimidas “como ovelhas sem pastor” ( Mt 9, 35-36 ). Aquele olhar de Jesus parece alargar-se até hoje, até ao nosso mundo. Também hoje olha para tanta gente oprimida por condições de vida difíceis, mas também desprovida de pontos de referência válidos para encontrar um sentido e uma meta para a existência, até doentes de depressão. O olhar de Cristo pousa sobre estas pessoas, aliás, sobre cada um destes filhos do Pai que está nos Céus: “Vinde a mim, vós todos… .” O Senhor chama para Si todos os homens, pois andamos sob o peso das nossas fadigas, lutas e tribulações. A história das almas mostra a verdade destas palavras de Jesus. Só o Evangelho apaga a sede de verdade e de justiça que desejam os corações sinceros. Só Nosso Senhor, o Mestre – e aqueles a quem Ele dá o Seu poder –, pode apaziguar o pecador ao dizer-lhe “os teus pecados te são perdoados” ( Mt 9, 2 ). 

Jesus é “manso e humilde de coração” ( Mt 11,29) e quer que nós também o sejamos. Como é bom conviver com pessoas humildes, mansas e cordiais! Pelo contrário, como é desagradável estar perto de gente emproada, complicada e altiva. A mansidão e a humildade, além de serem virtudes que agradam o coração de Deus, são disposições que tornam mais fácil a convivência humana. O orgulho nos faz ridículos, a humildade nos mostra transparentes, pois – como dizia S. Teresa de Jesus – “humildade é andar na verdade”. C. S. Lewis explicava de maneira bastante clara o porquê Deus deseja ver-nos humildes: “Deus tenta nos tornar humildes para que seja possível o momento de lançarmos fora a tola e horrenda fantasia com que nos adornamos e que nos entravava os movimentos, enquanto a exibíamos por aí feito idiotas”. Falando bem claro: a humildade e a mansião revelarão o nosso autêntico “eu” e nos fará exultar em Deus.

Diante de Deus somos o que somos, nem mais nem menos, com qualidades e defeitos, com méritos e deméritos, gente boa com coisas não tão boas. É preciso ter bem claro tudo isso na própria vida para saber exigir os próprios direitos, cumprir os próprios deveres e dar a devida honra e glória a Deus. Ter a consciência bem formada na humildade nos ajudará também a não praticar a falsa humildade, que consiste, entre outras coisas, em negar as nossas qualidades ou em andar por aí expondo-as sem necessidade. Somos o que somos e o que somos devemos a Deus, a quem seja toda a honra e toda a glória através de nós e de nossas ações! E quanto à mansidão? Sem dúvida alguma, a mansidão vem pela humildade. Peçamos a Deus a humildade, e a mansidão também virá.

Jesus promete dar a todos “alívio”, mas sob uma condição: “Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração”. O que é este “jugo”, que em vez de pesar alivia, e em vez de esmagar conforta? O “jugo” de Cristo é a lei do amor, é o seu Mandamento, que Ele deixou aos seus discípulos ( Jo 13, 34; 15, 12 ). O verdadeiro remédio para as feridas da humanidade, quer materiais, como a fome e as injustiças, quer psicológicas e morais causadas por um falso bem-estar, é uma regra de vida baseada no amor fraterno, que tem a sua fonte no amor de Deus. Por isso é preciso abandonar o caminho da arrogância, da violência utilizada para obter posições de poder sempre maiores, para garantir o sucesso a qualquer preço. 

Ao lado de Cristo, todas as fadigas se tornam amáveis, tudo o que poderia ser custoso no cumprimento da vontade de Deus se suaviza. O sacrifício, quando se está ao lado de Cristo, não é áspero e duro, mas amável. Ele assumiu as nossas dores e os nossos fardos mais pesados. O Evangelho é uma contínua prova da sua preocupação por todos: “Ele deixou-nos por toda a parte exemplos da sua misericórdia”, escreve São Gregório Magno. Ressuscita os mortos, cura os cegos, os leprosos, os surdos-mudos, liberta os endemoninhados…Por vezes, nem sequer espera que lhe tragam o doente, mas diz: Eu irei e o curarei: Mesmo no momento da morte, preocupa-se com os que estão ao seu lado. E ali entrega-se com amor, como propiciação pelos nossos pecados. E não só pelos nossos, mas também pelos de todo mundo.

Devemos imitar o Senhor: não só evitando lançar preocupações desnecessárias sobre os outros, mas ajudando-os a enfrentar as que têm.

Temos de libertar os outros daquilo que lhes pesa, como Cristo faria se estivesse no nosso lugar.

Ao mesmo tempo, podemos e devemos pensar nesses aspectos em que, muitas vezes sem termos plena consciência disso, contribuímos para tornar um pouco mais pesada e menos grata a vida dos outros:  pelos nossos juízos precipitados, pela crítica negativa, pela indiferença ou falta de consideração, pela palavra que magoa.

Muitas vezes encontramos muita miséria humana: quantos problemas, quantos sofrimentos, quanta desilusão e quanto amor negado!

Às vezes há problemas que não têm solução, há dor que nenhum analgésico cura, há escuridão onde a luz não penetra! E Cristo nos repete: “Vinde a Mim todos vós que estais cansados e Eu vos aliviarei”. Só Ele poderá aliviar o peso de nossos sofrimentos!