domingo, 1 de janeiro de 2017

O efeito evangelizador do Ano Mariano


O ano de 2017 será uma oportunidade muito peculiar e rica para a Igreja Católica voltar seu olhar para o papel de Maria na obra redentora, na vida de Jesus e sua singularidade em meio ao nosso povo. O Brasil celebrará os 300 anos de encontro da pequenina imagem de Nossa Senhora da Conceição no Rio Paraíba do Sul e que acarretou numa grande devoção a Virgem de Aparecida. Em Portugal celebra-se os 100 anos da aparição de Nossa Senhora do Rosário em Fátima, considerado um grande acontecimento do século XX e marcado por um forte apelo à oração e à conversão.

Verdadeiramente é um tempo para celebrar, comemorar e louvar a Deus, mas sobretudo, aprender com ela a seguir Jesus Cristo (cf. Jo 2, 5) e assim assumir o papel de cristão.

Dentre os diversos aspectos evangelizadores presentes em Maria, passo a ressaltar alguns. Ela foi escolhida para uma grandiosa missão: ser a mãe do Filho de Deus, Jesus. Soube responder ao forte apelo que Deus fez e ainda faz: vem, segue-me e vai. Ela soube percorrer um caminho de fé com total confiança e entrega ao Senhor. Por Ele ela disse sim, por Ele ela permaneceu firme até o fim, para Ele ela soube direcionar toda sua vida para Deus. Por isso ela é modelo único para toda vocação, pois seu chamado foi alicerçado num amor indizível a doação aos planos de Deus.

Soube Maria exercer um papel congregador, juntamente com os apóstolos e outras mulheres, era assídua à oração (cf. At 2, 14). Assim, foi possível que o impulso missionário explodisse em Pentecostes. Ela surge como Mãe da Igreja que nasce impulsionada pelo Espírito, sem o qual nada por ser feito.

Maria é a “estrela da evangelização” (Evangelii Nuntiandi, 82), pois ela atrai muitos para seu Filho Jesus como ela mesmo um dia fora atraída de forma apaixonante para um projeto de vida e pelo desejo sincero de buscar a Deus. 

CNBB divulga Mensagem de Paz e Esperança para 2017


MENSAGEM DA CNBB POR OCASIÃO DO NOVO ANO
“Eu vos disse estas coisas para que, em mim, tenhais a paz” (Jo 16,33)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, por ocasião do início do Novo Ano e da comemoração do Dia Mundial da Paz, dirige a todos os brasileiros e brasileiras sua mensagem de Paz e Esperança.

Segundo a concepção bíblica, a Paz, dom de Deus, é fruto da justiça, do amor e da misericórdia; é o fundamento de uma ordem social duradoura e segura. A Esperança, por sua vez, alicerçada na fé, faz desejar o Reino dos Céus. Ela se expressa através do compromisso com a construção de uma nova vida e de um mundo novo. Sendo assim, iluminados pela fé em Cristo, somos chamados a caminhar na Esperança e a contribuir na construção da Paz.

Desejosos da Paz e fortalecidos pela Esperança, constatamos que o povo brasileiro é trabalhador, valoriza a honestidade, sonha com uma sociedade fraterna e solidária; fica indignado com as injustiças e manifesta perplexidade diante dos escândalos que assolam nosso país. 

Vivemos uma profunda crise ética. Sua face mais visível é a corrupção, com prejuízos inestimáveis para a Nação, principalmente para os mais pobres. Reiteramos o nosso repúdio a quaisquer formas de corrupção e reafirmamos a necessidade de continuar a combatê-la com rigor, respeitando-se sempre o ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito. 

Fruto da crise ética é o descrédito com a política partidária. Posturas que privilegiam interesses pessoais, partidários e coorporativos, em detrimento do bem-comum, debilitam o Estado e alimentam as injustiças sociais. Necessitamos de um novo modo de fazer política, a serviço do povo. A credibilidade da política exige o resgate da ética.  

Papa: "orfandade espiritual é um câncer que degrada a alma".


SANTA MISSA NA SOLENIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS
50º DIA MUNDIAL DA PAZ


HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Domingo, 1° de janeiro de 2017



«Quanto a Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc 2, 19). Assim descreve Lucas a atitude com que Maria acolhe tudo aquilo que estava a viver naqueles dias. Longe de querer compreender ou dominar a situação, Maria é a mulher que sabe conservar, isto é, proteger, guardar no seu coração a passagem de Deus na vida do seu povo. Aprendeu a sentir a pulsação do coração do seu Filho, ainda Ele estava no seu ventre, ensinando-Lhe a descobrir, durante toda a vida, o palpitar de Deus na história. Aprendeu a ser mãe e, nesta aprendizagem, proporcionou a Jesus a bela experiência de saber-Se Filho. Em Maria, o Verbo eterno não só Se fez carne, mas aprendeu também a reconhecer a ternura maternal de Deus. Com Maria, o Deus-Menino aprendeu a ouvir os anseios, as angústias, as alegrias e as esperanças do povo da promessa. Com Ela, descobriu-Se a Si mesmo como Filho do santo povo fiel de Deus.

Nos Evangelhos, Maria aparece como mulher de poucas palavras, sem grandes discursos nem protagonismos, mas com um olhar atento que sabe guardar a vida e a missão do seu Filho e, consequentemente, de tudo o que Ele ama. Soube guardar os alvores da primeira comunidade cristã, aprendendo deste modo a ser mãe duma multidão. Aproximou-Se das mais diversas situações, para semear esperança. Acompanhou as cruzes, carregadas no silêncio do coração dos seus filhos. Muitas devoções, muitos santuários e capelas nos lugares mais remotos, muitas imagens espalhadas pelas casas lembram-nos esta grande verdade. Maria deu-nos o calor materno, que nos envolve no meio das dificuldades; o calor materno que não deixa, nada e ninguém, apagar no seio da Igreja a revolução da ternura inaugurada pelo seu Filho. Onde há uma mãe, há ternura. E Maria, com a sua maternidade, mostra-nos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes; ensina-nos que não há necessidade de maltratar os outros para sentir-se importante (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 288). E o santo povo fiel de Deus, desde sempre, A reconheceu e aclamou como a Santa Mãe de Deus.

Celebrar, no início de um novo ano, a maternidade de Maria como Mãe de Deus e nossa mãe significa avivar uma certeza que nos há de acompanhar no decorrer dos dias: somos um povo com uma Mãe, não somos órfãos.

As mães são o antídoto mais forte contra as nossas tendências individualistas e egoístas, contra os nossos isolamentos e apatias. Uma sociedade sem mães seria não apenas uma sociedade fria, mas também uma sociedade que perdeu o coração, que perdeu o «sabor de família». Uma sociedade sem mães seria uma sociedade sem piedade, com lugar apenas para o cálculo e a especulação. Com efeito as mães, mesmo nos momentos piores, sabem testemunhar a ternura, a dedicação incondicional, a força da esperança. Aprendi muito com as mães que, tendo os filhos na prisão ou estendidos numa cama de hospital ou subjugados pela escravidão da droga, esteja frio ou calor, faça chuva ou sol, não desistem e continuam a lutar para lhes dar o melhor; ou com as mães que, nos campos de refugiados ou até no meio da guerra, conseguem abraçar e sustentar, sem hesitação, o sofrimento dos seus filhos. Mães que dão, literalmente, a vida para que nenhum dos filhos se perca. Onde estiver a mãe, há unidade, há sentido de pertença: pertença de filhos. 

Primeiras Vésperas da Santa Mãe de Deus e o "Te Deum"


HOMILIA
Celebração das Primeiras Vésperas 
da Solenidade de Maria Santa Mãe de Deus

e Te Deum em ação de graças pelo ano passado
Basílica Vaticana
Sábado, 31 de dezembro de 2016


«Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, para resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei, a fim de recebermos a adoção de filhos» (Gal 4, 4-5).

Hoje ressoam com uma força particular estas palavras de São Paulo, que, de forma breve e concisa, nos introduzem no plano que Deus tem para nós: quer que vivamos como filhos. Ecoa aqui toda a história da salvação: Aquele que não estava sujeito à Lei decidiu, por amor, deixar de lado qualquer tipo de privilégio (privus legis) e entrar pelo lugar menos esperado, a fim de nos libertar a nós que estávamos – nós, sim – sob a Lei. E a novidade é que decidiu fazê-lo na pequenez e fragilidade dum recém-nascido; decidiu aproximar-Se pessoalmente e, na sua carne, abraçar a nossa carne; na sua fraqueza, abraçar a nossa fraqueza; na sua pequenez, superar a nossa. Em Cristo, Deus não Se mascarou de homem, fez-Se homem e partilhou em tudo a nossa condição. Longe de se encerrar num estado de ideia ou essência abstrata, quis estar perto de todos aqueles que se sentem perdidos, mortificados, feridos, desanimados, abatidos e amedrontados; perto de todos aqueles que, na sua carne, carregam o peso do afastamento e da solidão, para que o pecado, a vergonha, as feridas, o desconforto, a exclusão não tenham a última palavra na vida dos seus filhos.

O presépio convida-nos a assumir esta lógica divina: não uma lógica centrada no privilégio, em favores, no compadrio; mas a lógica do encontro, da aproximação e da proximidade. O presépio convida-nos a abandonar a lógica feita de exceções para uns e exclusões para outros. O próprio Deus veio quebrar a cadeia do privilégio que gera sempre exclusão, para inaugurar a carícia da compaixão que gera a inclusão, que faz resplandecer em cada pessoa a dignidade para que foi criada. Um menino envolto em panos mostra-nos a força de Deus que interpela como dom, como oferta, como fermento e oportunidade para criar uma cultura do encontro.

Não podemos dar-nos ao luxo de ser ingênuos; sabemos que nos vem, de vários lados, a tentação de viver nesta lógica do privilégio que, ao separar, nos separa; ao excluir, nos exclui; ao confinar os sonhos e a vida de muitos dos nossos irmãos, nos confina. 

Palavra de Vida: “O amor de Cristo nos impele” (Cf. 2Cor 5,14-20)


“Ontem à noite fui jantar fora, com mamãe e uma amiga dela. Pedi o prato principal com ervilhas, para depois comer o doce de que eu mais gostava. Mas a mamãe não deixou. Eu estava querendo ficar emburrada, mas me lembrei que Jesus estava bem ali, com a mamãe, e então dei um sorriso”.

“Hoje, depois de um dia cansativo, voltei para casa. Comecei a ver televisão, mas meu irmão tirou de minhas mãos o controle remoto. Fiquei com muita raiva. Mas depois me acalmei e deixei que ele ficasse vendo a TV”.

“Hoje meu pai me disse uma coisa e eu lhe respondi mal. Quando olhei para ele, vi que não estava feliz. Então pedi desculpas e ele me perdoou”.

São experiências sobre a Palavra de Vida contadas por crianças da quinta série, de uma escola de Roma. Pode ser que essas experiências não tenham uma ligação imediata com a Palavra que estavam vivendo naquele momento, mas o fruto do Evangelho vivido é justamente este: o impulso a amar. Qualquer que seja a Palavra de Vida que nos propomos a viver, os efeitos são sempre os mesmos: ela muda a nossa vida, coloca em nosso coração o impulso de ficarmos atentos às necessidades dos outros, faz com que nos disponhamos a servir os irmãos e as irmãs. E não poderia ser diferente: acolher e viver a Palavra faz nascer Jesus em nós e nos leva a agir como Ele. É o que Paulo dá a entender aqui, quando escreve aos coríntios.

O que impulsionava o apóstolo a anunciar o Evangelho e a empenhar-se pela unidade das suas comunidades era a profunda experiência que ele tinha feito de Jesus. Tinha se sentido amado, salvo por Ele. Jesus tinha penetrado na sua vida a tal ponto, que nada nem ninguém poderia jamais separá-lo dele: não era mais Paulo que vivia, porque era Jesus que vivia nele. Imaginar que o Senhor o tinha amado até o ponto de dar a vida era algo que o fazia enlouquecer, não o deixava em paz e o impelia com força irresistível a fazer o mesmo, e com o mesmo amor.

Pedagogia Litúrgica para Janeiro de 2017: "Liturgia e discipulado".


O contexto celebrativo que estamos propondo para o primeiro mês de 2017 contempla o discipulado, enquanto disposição de se colocar no caminho de Jesus Cristo, fazendo-se seguidor do Mestre, nas estradas do Evangelho e iluminado pelo Evangelho.

Quanto ao propósito de se fazer discípulo de Jesus, muitos são os exemplos de conduta, a começar da Mãe de Jesus, que celebramos em 1º de janeiro. Maria, que além de Mãe de Deus, aprendeu a ser discípula de seu Filho Jesus, traz para a terra a grande a grande bênção divina: a presença de Jesus Cristo entre nós e sua participação na nossa história humana. Para se alcançar este Mistério divino, realizado na plenitude dos tempos, somos convidados a aprender de Maria a considerar e meditar todas as coisas em nossos corações, condição indispensável a quem deseja, sinceramente, tornar-se discípulo e discípula de Jesus.

Além disto, no contexto mariano da celebração de 1º de Janeiro, gostaria de chamar sua atenção para considerar na celebração deste 1º de janeiro como momento de ação de graças especial pelo “Ano Jubilar Mariano”.
  
Discipulado e missão evangelizadora

Característica forte, no discipulado, é viver e cultivar a esperança no próprio coração. Isaias, na celebração da Epifania, fortalece a esperança e a criatividade do povo não pela busca protetora dos poderosos da terra, mas pela abertura ao projeto divino. É colocando-se diante do projeto divino que brilhará a luz divina na cidade; brilhará o projeto divino na sociedade e será capaz de atrair todos os povos da terra, iluminados pela mensagem e realização da grande paz. A luz que ilumina o povo é a vida divina presente no Menino e adorado pelos Reis Magos.

A profecia de Isaias é um incentivo de como ser evangelizador. Uma proposta que vem ao encontro de uma atividade essencial do discipulado: assumir a missão evangelizadora de iluminar a cidade com a luz da glória divina para atrair e conduzir todos os povos e todas as pessoas ao encontro do Senhor. Esta é uma missão que o próprio Jesus assumiu publicamente no dia de seu Batismo. Por isso, a celebração do Batismo, e sua renovação em cada celebração Litúrgica, é uma renovação vocacional que fortalece a missão evangelizadora de cada batizado, no meio da sociedade.  

O Verbo tomou de Maria a nossa condição humana


O Verbo de Deus veio para socorrer a descendência de Abraão, como afirma o Apóstolo, e por isso devia tornar-Se semelhante em tudo aos seus irmãos e assumir um corpo semelhante ao nosso. É para isso que Maria está verdadeiramente presente neste mistério; foi d’Ela que o Verbo assumiu como próprio aquele corpo que havia de oferecer por nós. A Sagrada Escritura recorda este nascimento e diz: Envolveu-O em panos; além disso, proclama ditosos os peitos que amamentaram o Senhor e fala também do sacrifício oferecido pelo nascimento deste Primogênito. O anjo Gabriel tinha anunciado esta concepção com toda a precisão e prudência; não lhe disse: «O que há de nascer em ti», como se tratasse de algo extrínseco, mas de ti, para indicar que o fruto deste nascimento procedia realmente de Maria.

O Verbo, ao tomar a nossa condição humana e ao oferecê-la em sacrifício, assumiu-a na sua totalidade, para nos revestir depois a nós da sua condição divina, segundo as palavras do Apóstolo: É preciso que este corpo corruptível se revista de incorruptibilidade e que este corpo mortal se revista de imortalidade. 

Estas coisas não se realizaram de maneira fictícia, como disseram alguns. Longe de nós tal pensamento! O nosso Salvador foi verdadeiramente homem e assim alcançou a salvação do homem na sua totalidade. Não se trata de uma salvação fictícia, nem se limita a salvar o corpo: o Verbo de Deus realizou a salvação do homem todo, isto é, do corpo e da alma.

Portanto, era verdadeiramente humana a natureza do que nasceu de Maria, segundo as divinas escrituras; era verdadeiramente humano o corpo do Senhor. Verdadeiramente humano, quero dizer, um corpo igual ao nosso. Maria é, de fato, nossa irmã, porque todos descendemos de Adão.

O que João afirma ao dizer: O Verbo Se fez homem, tem um significado semelhante ao que se encontra numa expressão paralela de São Paulo quando diz: Cristo fez-Se maldição por nós. Pela união e comunhão com o Verbo, o corpo humano recebeu um enriquecimento admirável: era mortal e passou a ser imortal, era animal e converteu-se em espiritual, era terreno e transpôs as portas do Céu.

Por outro lado, a Trindade, mesmo depois da encarnação do Verbo em Maria, continua a ser a mesma Trindade, sem aumento nem diminuição, permanecendo sempre na sua perfeição absoluta. E assim se proclama na Igreja: a Trindade numa única divindade; um só Deus, no Pai e no Verbo.


Das Cartas de Santo Atanásio, bispo
Epist. ad Epictetum, 5-9: PG 26, 1058. 1062-1066) (Sec. IV) 

Fora da Igreja não há salvação


Entre os que atacam a Igreja a propósito deste dito levam a dianteira os protestantes. Ora, este princípio, de que eles se servem para acusar a Igreja, não é senão uma conseqüência lógica e necessária da doutrina dos seus principais mestres; pelo que estão em contradição consigo mesmo. Com que direito nos podem eles argüir com o que eles próprios devem admitir e o que explicitamente professam os formulários de fé dos primeiros tempos do protestantismo? Eis o que, por exemplo, lemos na confissão helvética: “Não há salvação fora da Igreja, assim como a não houve fora da arca; quem quiser ter a vida, é preciso não se separar da verdadeira Igreja de Jesus Cristo”. Não são menos explícitas as confissões da Saxônia, da Bélgica e da Escócia. Fora da Igreja, diz também o catecismo calvinista do século XVII, não há senão condenação; e todos os que se separarem da comunhão dos fiéis para formarem uma seita à parte, não podem esperar salvar-se enquanto assim estiverem separados”. E é o que afirma o próprio Calvino nas suas Instituições, dizendo: Fora do seio da Igreja não se pode esperar a remissão dos pecados nem a salvação”.
* * *

“Mas pelo menos”, dirão, “não se pode a Igreja livrar da nota de intolerante e de cruel, em ela declarar que fora da Igreja não há salvação. Que de homens, pois, destinados à condenação eterna, só por não pertencerem à Igreja romana!”

Já nós, ainda que de passagem, respondemos a esta acusação. Bom será, porém, dar-lhe mais algum desenvolvimento; e assim se verá, como aquele velho de que fala Rousseau, de nenhum modo é digno de piedade.

Se, com efeito, a verdadeira religião, a religião de Jesus Cristo é obrigatória para todos os homens, e, se esta religião, a única, é professada e ensinada só pela Igreja católica, apostólica, romana, força é reconhecer que fora desta Igreja não há salvação, e que ninguém pode alcançar o céu sem a ela de algum modo pertencer. Não é, portanto, a Igreja que há de ser acusada por falar assim; se algum fosse digno de censura, seria o seu divino Fundador, que tornou a sua religião indispensável para todos.

O que, pois, sobremaneira importa é precisar bem o sentido desta máxima. “Há, observa o cardeal Deschamps, nestas palavras, assim como em todas as de uma lei penal, uma palavra, que sempre se há de subentender, e é a palavra voluntariamente; porque sempre a lei penal supõe culpabilidade; e a culpabilidade supõe sempre duas condições: o fato e a intenção. E, por isso, a pergunta: ‘crê a Igreja na condenação dos que, sendo nascidos e educados lá onde a não puderam conhecer, se acham em ignorância invencível a respeito da lei de Jesus Cristo, mas praticaram fielmente tudo o que eles viram ser bom’, é necessário responder: ‘Não crê’”.

“Pode-se, pois, pertencer à alma, ainda que se não pertença ao corpo da Igreja, diz o mesmo cardeal. Não é evidente que pertence à alma da Igreja um homem que está de boa fé e que entraria nela se a conhecesse? Não estão realmente nesta disposição todos os que têm um desejo sincero e geral de aderirem à verdade e de fazerem a vontade de Deus? É esta uma questão semelhante a do batismo de desejo, do qual, como diz São Tomás de Aquino, se acha implícita e suficientemente contido na vontade geral de empregar todos os meios de salvação concedidos aos homens pela Providência divina. Os que, por conseguinte, estão pela sua parte dispostos a, conhecendo a Igreja, fazerem parte dela, já por isso mesmo são aos olhos de Deus considerados como filhos dela, e certamente receberão dele as luzes necessárias à sua salvação”.

“Morreu Jesus Cristo por todos os homens; e as graças liberalizadas em atenção a esta vítima, que a justiça eterna previu desde o princípio haver de ser imolada no correr dos tempos, occisus ab origine mundi, redundaram em benefício de todos, sem exceção alguma. Nenhum homem, portanto, ficou excluído dos benefícios da redenção, a não ser por culpa sua e pela sua resistência à graça; e cada um será julgado segundo a que houver recebido. Haverá porventura doutrina mais terna e juntamente mais terrível; mais terna para com os pobres ignorantes, que não têm culpa, na sua ignorância, e mais terrível para com os ingratos, que, para se esquivarem à luz, que os inunda, vão buscar as trevas de sofismas contra a justiça de Deus?”

Este é também o sentir unânime da Tradição, que ensina como coisa certa, dar Deus a todos os homens as graças suficientes para se salvarem, e que ninguém se condena a não ser por um ato livre da alma que, ingrata, recusa os dons divinos. “Deus não recusa a sua graça a quem da sua parte faz tudo o que de si depende”, diz um muito conhecido axioma teológico, a que já nos referimos1.


Para que melhor se compreenda o sentido desta máxima, distingamos, como fazem os teólogos, o corpo e a alma na Igreja. O corpo ou parte visível da Igreja é o conjunto dos membros, unidos entre si pelo assentimento às mesmas verdades, pela participação dos mesmos sacramentos, e pela obediência aos mesmos pastores, daqueles que pelo batismo se inscreveram oficialmente entre os seus súditos. A alma ou a parte invisível é a graça santificante, princípio da vida sobrenatural, que torna o homem agradável aos olhos de Deus.

Para de todo se pertencer, tanto de direito como de fato, ao corpo da Igreja, é primeiramente preciso entrar nela pelo batismo; e mais, é necessário, depois do uso da razão, prestar o seu assentimento, voluntário e feito com conhecimento de causa, por meio de um ato de fé católica; nem, enfim, deve fazer-se expulsar dela pela excomunhão, nem sair-se dela, abraçando algum erro.

Para se pertencer à alma da Igreja ou para se salvar, basta estar em estado de graça, quer se faça, ou não, parte do corpo da Igreja; ou, por outra, podem, segundo a doutrina católica, os hereges, os cismáticos e até os gentios possuir a graça santificante e merecer o céu. Mas, está claro, se alguém conhecesse a necessidade de fazer parte da Igreja, era impossível pertencer à alma da Igreja, e conservar a graça santificante, sem também pertencer ao corpo dela, pois faltaria voluntariamente a uma obrigação, que ele reconhece como grave2.

Ninguém, pois, se perde senão por culpa sua, menosprezando a lei, a qual, porém, não obriga senão depois de conhecida ou promulgada, pois não obriga em consciência a quem a desconhece. E, por isso é que o Senhor só depois de haver dito aos apóstolos: “Ide por toda a terra e ensinai o Evangelho a toda a gente”, é que acrescentou: “Quem não crer será condenado”. Supõe, pois, conhecer-se a verdade, quando se incorre em condenação por causa da incredulidade.
  
Desçamos, porém, para maior clareza desta matéria, a alguns casos particulares.