sábado, 30 de maio de 2020

O que nós católicos podemos aprender com o Partido Alemão



É notório nos últimos anos o ressurgimento do catolicismo no Brasil (tanto que prefiro chamá-lo de “renascimento católico brasileiro”). A prova para que esta afirmação não seja infundada é a proliferação de iniciativas católicas, como editoras, associações, centros culturais e eventos, além de dois deputados, uma federal e um estadual, explicitamente católicos.

Um caso histórico muito peculiar, e principalmente didático, foi o do catolicismo político na Alemanha, representado pelo partido denominado Zentrum (Partido do Centro Alemão), de forma especial no século XIX. O marco inicial pode ser considerado o fim das guerras napoleônicas e a realização do Congresso de Viena, em 1815, quando a ilusão revolucionária perdeu força na Europa em geral e ocorreu a anexação de regiões alemãs majoritariamente católicas, como a Renânia e a Vestfália, pelo reino protestante da Prússia.

Com o fim dos principados espirituais do oeste alemão, como o de Colônia, os católicos da região, que começaram a ter uma tendência mais ultramontana – ou papista – do que modernista, buscaram se organizar a fim de defenderem a influência da Igreja dos ataques tanto dos protestantes quanto dos liberais. Foram as “confusões de Colônia” (Kölner Wirren), um marco deste processo que resultou na prisão, em 1837, do Arcebispo Clemens August Droste zu Vischering (alguns fatos são muito semelhantes aos da Questão Religiosa que ocorreu no Brasil). Este evento gerou uma grande comoção – e reação pública – de todo o povo católico que estava sob o domínio prussiano, tendo como um de seus expoentes o professor e publicitário Joseph von Görres.

Durante boa parte da vida, von Görres foi um revolucionário e entusiasta da Revolução Francesa, porém, com a invasão de Napoleão à Alemanha, começou a se distanciar do liberalismo e, após criticar as ações do governo prussiano contra a Igreja, fugiu para o Reino da Baviera (o qual é até hoje a região mais conservadora e católica da Alemanha), onde formou um círculo intelectual que resultaria no catolicismo político deste reino. O outro marco importante para os católicos alemães foram as revoluções de 1848, quando é instalado na cidade de Frankfurt a Assembleia Nacional, aprovando no ano seguinte a constituição da Confederação Alemã. Assim, eles perceberam a oportunidade de conseguir garantir os direitos fundamentais da Igreja contra o Estado. Com isso, vários deputados de diversos partidos formaram informalmente o chamado Clube Católico (Katholische Club), no intuito de aprovar as suas pautas na Constituição, obtendo certo sucesso, principalmente nas áreas eclesiástica e educacional.

Com a instalação permanente da Câmara dos Representantes da Prússia, tais adeptos formaram o Grupo Católico (Katholische Fraktion), que existiu entre 1852 e 1867. As principais causas de seu surgimento foram a limitação da ação jesuítica em terras prussianas e a dificuldade criada pelo governo para evitar que os religiosos estudassem em Roma, o que rememora as “confusões de Colônia”. A iniciativa de criar o Grupo Católico partiu dos irmãos August e Peter Reichensperger , o nobre Hermann von Mallinckrodt e o padre Kaspar Franz Krabbe, conseguindo agregar 64 deputados, sendo que nas câmaras dos demais reinos alemães surgiram ações parecidas.

Neste período, uma das pautas mais importantes defendidas pelo Grupo era a defesa da educação católica e, em 1859, mudaram de nome para Grupo do Centro (Fraktion des Zentrums). Tal mudança deu-se por conta do arranjo dos assentos do parlamento, mas que refletiu posteriormente nas votações da bancada, que poderiam ser tanto em prol do governo quanto em prol da oposição.

Dois fatores foram essenciais para a expansão do catolicismo político na Alemanha. Um deles foi o surgimento por todo o território alemão de várias associações católicas desde 1848, de forma especial as Piusvereine (nome dado em homenagem ao papa da época, Pio IX). O outro fator seriam as chamadas conferências Soest (nome dado por conta do local da primeira conferência), sugerida em 1864 por Wilderich Freiherr von Ketteler, irmão do famoso bispo Wilhelm Emmanuel von Ketteler. Essas conferências, que ocorreram durantes vários anos de discussão, resultaram, em 28 de outubro de 1870, no Programa Soester (Soester Programm), que seria o programa político dos católicos alemães e tinha como principais pautas a defesa da independência da Igreja, das instituições educacionais católicas, do federalismo forte e do que se chamaria hoje de subsidiariedade. 

Finalmente, em 13 de dezembro de 1870, 48 membros da Câmara dos Deputados da Prússia fundaram oficialmente como partido o “Grupo do Centro”, cujo primeiro presidente foi Karl Friedrich von Savigny, filho do famoso jurista. Além dele, podem ser citados como fundadores eminentes do partido Peter e August Reichensperger, von Mallinckrodt, o hanoveriano Ludwig Windthorst, Friedrich Wilhelm Weber, Philipp Ernst Maria Lieber e Eduard Müller.

No ano seguinte, em 1871, foi completada a unificação alemã e eleições gerais foram realizadas para o primeiro Reichstag alemão. O Zentrum obteve 18,6% dos votos e 63 mandatos, tornando-se, assim, o segundo maior partido do parlamento alemão. A questão é que ele era visto como oposição ao governo, dado que Otto von Bismarck ocupava o cargo de chanceler (ele seria o equivalente, mutatis mutandis, ao que Getúlio Vargas foi para o Brasil em diversos aspectos).

Bismarck buscou nas primeiras décadas do novo regime extirpar a influência da Igreja no Império, o que o levou a obter o apoio tanto dos conservadores protestantes quanto dos liberais laicistas. Esta disputa entre a Igreja e o Império Alemão foi denominada de Kulturkampf (em português, luta cultural), que só começou a amenizar a partir de 1878 e encerrada oficialmente em 1887. A disputa foi tão acirrada que as relações diplomáticas foram cortadas e durante este processo mais de 1800 padres foram presos. Mesmo com algumas vitórias de Bismarck, a coesão entre os católicos aumentou bastante, resultando no sucesso eleitoral com a vitória de 91 deputados nas eleições de 1874. No final das contas, graças ao empenho dos católicos alemães, representados politicamente pelo Zentrum, a Igreja Católica na Alemanha foi salva do extermínio e as escolas católicas, preservadas.

O Zentrum teve forte atuação política na Alemanha até 1933, quando Hitler o dissolve por ter sido o partido que fez a maior oposição a ele, mas isso daria um outro artigo. Por fim, acredito que a experiência deste partido católico pode ser uma referência em diversos aspectos, já que há enormes semelhanças entre a situação atual brasileira e a deles. A saber: 1) conseguir obter vitórias mesmo com o catolicismo sendo minoria na vida pública, especialmente na política; 2) a forma com a qual católicos de diversas culturas e regiões conseguem se unir em prol dos direitos da Igreja; 3) a importância dada ao aspecto cultural, por meio de associações, publicações e algumas escolas para que pessoas e sociedades sejam evangelizadas etc. Ainda que a bibliografia seja relativamente escassa, há bons livros em inglês sobre o assunto. Podem-se citar The German Center Party, 1870-1933: A Study in Political Catholicism, de Ellen Lovell Evans; The War Against Catholicism: Liberalism and the Anti-Catholic Imagination in Nineteenth-Century, de Michael B. Gross; e Fighting for the Soul of Germany: The Catholic Struggle for Inclusion after Unification, de Rebecca Ayako Bennette.



Luís Tourinho
Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestrando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). E-mail: luistourinho@hotmail.com
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Centro Dom Bosco

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