quinta-feira, 30 de abril de 2020

Humildade, pureza, amor e sabedoria: os alvos da ideologia de gênero



“Expliquei-lhe que tudo em [Gustavo] Corção é amor; poucas pessoas conheço com tanta vocação, tanto destino, para o amor. O que parece ódio, nos seus escritos, é ainda amor (…) Está fatalmente ao lado da pessoa e contra a antipessoa (…) Eis o que eu repeti para o meu amigo das esquerdas: – o Corção tem um coração atormentado e puro de menino. Quem o sabe ler, percebe em todos os seus escritos o pai de Rogério, sempre o pai de Rogério, querendo salvar milhões de filhos, eternamente.” (NELSON RODRIGUES, “Tudo em Corção é amor”, 1968)**

Com propriedade, diz-se do levante protestante de Lutero (1517) que foi um golpe revolucionário contra a Igreja, como o foram a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Russa (1917) contra Cristo e contra Deus, respectivamente. Após o ataque da soberba humana à hierarquia apostólica, ao Filho Redentor e ao Pai Criador do mundo, consolidava-se o espaço do ateísmo no espírito do homem — que ainda se reconhecia como tal, não obstante a rejeição de sua vocação sobrenatural.

No século XX a mesma soberba conduziria por passos ainda mais largos à autodestruição humana. Cada vez mais livre dos salutares freios interiores que a verdadeira Religião — Mãe caridosa que é — franqueia aos homens, a velha soberba teria na concupiscência da carne a propulsão de sua nova etapa revolucionária: a sexual. Em seu descendente movimento histórico, o anseio da alma humana, enfim deslocado do Céu para a Terra, rebaixava-se ainda mais para agora buscar a salvação na bruta baixeza sensorial da genitália.

Revestindo de mil artifícios a meteórica ascensão da egolatria, redefinindo as virtudes à imagem de seus vícios opostos, convenceram-se as sociedades ocidentais de que a liberação sexual lhes traria a libertação final e a paz mundial (“Faça amor, não faça guerra”). Contracepção, esterilização, aborto, divórcio… Inspirados pelas ideias dos intelectuais da Escola de Frankfurt, esforços dos mais variados segmentos se uniram para mudar o comportamento da humanidade. Hiperssexualizado, o homem pós-moderno acreditava poder redefinir sua ontologia ao desvincular ato sexual e procriação, deslocando artificialmente da transmissão da vida para a recreação venérea o fim último do ato sexual. A cultura da vida dava lugar à cultura da morte.

Como, no entanto, está além do alcance do homem alterar os fundamentos metafísicos da realidade natural que o contém e rege, uma desordem tão fundamental não tardaria a se desdobrar vorazmente e cobrar seu preço, em especial na avassaladora moeda da degradação da juventude. As décadas de 1960 e 1970 testemunharam a sistemática revolta da juventude contra a autoridade em geral (exceto a dos inquestionáveis ideólogos e agentes culturais que a seduzia) e a dos pais em particular, a dissolução da família, a ascensão da pornografia, o “paradoxal” aumento da violência sexual, a cultura do aborto, a banalização do uso de entorpecentes (com os suicídios e homicídios dele decorrentes), o aumento da criminalidade, a escalada da atomização social etc. Após atentar contra a Igreja Católica, contra Deus Filho (Cristo) e contra Deus Pai, estava em marcha, enfim, a tentativa revolucionária de destruir o próprio homem. E é talvez nesta etapa “antipessoa” que se revela mais claramente a origem satânica de todo o processo revolucionário, pois mais do que aniquilar no homem a humildade, busca-se inviabilizar-lhe definitivamente a pureza — e com ela o verdadeiro amor.

Desfigurada assim a essência da sexualidade humana, à qual lhe é intrínseca a estável complementaridade homem-mulher — ordenada à exigente continuidade e manutenção da vida de uma criatura pensante e moral —, perdeu-se o homem contemporâneo no vazio do prazer efêmero e saturado das relações sexuais descartáveis, estéreis, fechadas ao vínculo afetivo duradouro e ao amadurecimento conjugal mútuo pelo sacrifício à prole; enfim, relações em que a luxúria desbanca a pureza e simula o amor.

Nos últimos dias o STF acolheu, por unanimidade, a inconstitucionalidade de uma lei municipal que proíbe a ideologia de gênero nos currículos e materiais escolares do município de Novo Gama (GO). Os proponentes da ação celebraram a vitória contra o que consideram “obscurantismo” e “obstrução” a uma “educação libertadora” e aos “direitos humanos”. Assim se apresentam os soldados da antipessoa: jamais exibem abertamente todo o seu sincero e horrível esplendor; antes, imputam a seus adversários os adjetivos que descreveriam a si próprios com perfeição, na esperança de passarem-se por virtuosos defensores da liberdade humana. Pensam com isso encobrirem a própria ignorância ou malícia, posto que a ideologia de gênero não é senão um aprimoramento pseudo-científico do mesmo veneno que escraviza e tende a aniquilar a pessoa humana desde a revolução sexual.

A conspiração cultural contra a pureza na infância e na adolescência configura uma grave enfermidade social, mas adquire contornos de anticivilização se encontra escandalosa ressonância no sistema educacional e, tanto pior, na máxima instância jurídica de um país. Aos ideólogos de gênero, para que pudessem disseminar a tirania desorientadora de seus delírios subjetivistas, foi-lhes necessário, antes, nascerem e fazerem-se educados numa célula familiar. Se por mórbida e remota fatalidade toda a humanidade aderisse às desordens que tais agentes prescrevem para a sexualidade humana, dentro de poucas gerações tal cultura de morte precipitaria a própria humanidade à extinção. Basta esse exercício para identificar a insustentabilidade de todo o edifício da pretensa “teoria” de gênero. 

Como professor, aperta-me o coração acompanhar a confusão mental culturalmente induzida em crianças e adolescentes pela sugestão da plasticidade de sua “identidade de gênero”. Que meninos e meninas não sejam mais educados sob a primordial perspectiva de serem, eles próprios, pilares de famílias futuras, pais e mães, eis um trágico flanco exposto aos agentes do ilusionismo da antipessoa.

As palavras do escritor Nelson Rodrigues (1912-1980) que abrem este artigo referem-se ao grande pensador, escritor e apologeta católico Gustavo Corção (1896-1978) e seu filho (Rogério), morto no Vietnã a serviço do Brasil. De fineza literária comparada à de Machado de Assis, Corção fez dos jornais da época sua arena pública de enfrentamento e de amor. Morreu aos 81 anos, humilde soldado de Cristo e da Igreja, em luta espiritual e contrarrevolucionária pela pureza do seu e de todos os corações, sem a qual não se pode verdadeiramente amar o bem nem crescer em virtudes e sabedoria.

Que também nossos excelentíssimos juízes da Suprema Corte, pela intercessão da Virgem Santíssima, recobrem por Nosso Senhor Jesus Cristo a humildade e aquele “coração atormentado e puro de menino”, também amorosamente desejoso de “salvar milhões de filhos, eternamente”.

“Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus. Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no Reino dos Céus.” (Mt 18, 3-4)
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Centro Dom Bosco/ Permanência

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