terça-feira, 22 de outubro de 2019

Quando o silêncio não basta


Alguns, tendo condições de falar em tempos de crise, para ficarem bem com suas consciências, apelam para o silêncio, como se este fosse neutro em matéria de linguagem. Mas não é! O silêncio fala! Pode significar ele omissão diante de um contexto onde alguém que poderia ser iluminado por nossas palavras se perde porque preferimos viver uma pretensa perfeição na obediência aos legítimos pastores (o que eu não estou desvalorizando).

Pode, claro, significar também censura eloquente. O caso mais marcante que me vem à mente é do querido São Thomas More. Quem em toda a Europa, diante do cisma de Henrique VIII e de sua união ilegítima, não entenderia imediatamente que o silêncio de São Thomas More não significava cumplicidade, mas censura silenciosa e calculada de quem sabia que não devia falar contra o seu rei, mas ao mesmo tempo não poderia endossar o que o soberano estava fazendo?

Então, alguém pode perguntar, não seria melhor fazer como ele? Para que falar, para que se manifestar? Não será melhor fazer como recomenda Platão, procurar um lugar para esconder-se da tempestade e já se sentir feliz e abençoado por isso? Não deveríamos todos, como São Thomas More, ficar calados e esperar sobreviver à noite escura?

Penso que o próprio desenrolar dos acontecimentos da vida do santo respondem a questão. Não, amigos, infelizmente o mero silencio de protesto não é suficiente. Não é suficiente porque aqueles que destroem a Igreja não se contentarão em nos ver quietos em nosso cantinho, sem fazer mal a ninguém! Eles não descansarão enquanto não nos virem rolando na mesmíssima lama em que eles mesmos se encontram!

Para Henrique VIII, o silêncio do chanceler não era o bastante. Ele exigia, como exigem os mundanos, aprovação explícita e sem reservas ao que ele estava fazendo. E tanto foi assim que Thomas More acabou por ser condenado mesmo sem jamais ter expressado, até então, publicamente o seu parecer sobre a questão.

Quem não dirá que o mesmo se dá hoje? Basta ver a dificuldade que é para um grupo às vezes de 5 católicos trazer um padre para rezar a missa tridentina para a sua cidade. Eles não querem senão o direito garantido pela Igreja de adorar a Deus da maneira que julgam mais digna e coerente com a Divindade. E mesmo assim são perseguidos; uma pobre moça, tímida como os animais silvestres, ousa colocar o véu na missa. Ela não deseja converter ninguém, pregar para ninguém. Só quer ficar ali no seu canto, muitas vezes nos últimos bancos da Igreja, justamente para não chamar atenção, e o que fazem com ela? Será que a deixam em paz? Antes, a perseguem furiosamente, desde os familiares até os prelados!

Bem se vê que, nestes casos, o silêncio não é suficiente para manter a paz, porque o cidadão que avacalha a liturgia e a moça que vai à missa quase nua não ficarão contentes até verem você também dançando durante a consagração e a menina usando o véu como uma minissaia. “Armemos ciladas ao Justo, porque sua [mera] presença nos incomoda” (Sb 2,12).

Volto agora ao exemplo de São Thomas More. É verdade que não foi antes, senão depois de sua condenação injusta, que ele pôde expor com toda a sinceridade o que havia em seu coração. Como já estava marcado para a morte, não tinha mais nada a perder senão a sua alma. E foi justamente para preservar este único bem do qual só o pecado pode privar o cristão, que ele finalmente disse (as aspas abaixo são ilustrativas):

“Não, Majestade, o Senhor não pode romper com a Igreja de Roma. Não, meu Soberano, o Senhor não pode casar-se com outra mulher”.

E para que não digam que se tratava de um assunto entre leigos, ele disse TAMBÉM aos Bispos da Inglaterra:

“Não, meus Pais! Meus Pastores! Meus Apóstolos! Meus Governantes Espirituais! Não lhes é lícito comprar as loucuras dos senhores deste mundo, vendendo a parte da Esposa de Cristo que vos toca para ser prostituída e devastada pelas ambições de quem pensa como os homens, e não como Deus!”

O que fez São Thomas More diante do contexto de dissolução moral no Estado e na Igreja de seu tempo? O mesmo que muitos querem fazer hoje. Ficar calados no cantinho dos leigos e deixar as coisas se resolverem sozinhas. E o que fizeram com ele? Será que o deixaram em paz, vivendo a sua vida? Antes, o privaram de todos os seus bens: de seu título, de suas posses, do convívio com sua família e até mesmo de sua vida material. E tudo pelo CRIME de não querer seguir o REI e os BISPOS na sua loucura.

Pois bem, ocorre que, como São Thomas More, nós também já fomos condenados. Primeiro, avacalharam a liturgia. Sumiram com o gregoriano e mesmo com as músicas piedosas em português. Colocaram uma bateria no lugar do órgão, “Comungar é tornar-se um perigo” no lugar do “Adoro te devote”. Substituíram as vestes dos tempos litúrgicos por aqueles estolas que lembram a bandeira LGBT. As homilias, por discursos ideológicos. As catequeses, por campanhas contra as drogas e o preconceito. Depauperaram até mesmo os templos. Sumiu a beleza das igrejas, que se tornaram anfiteatros e galpões. Sumiram os confessionários e até o conceito de pecado nos foi tirado. Confessar em muitos lugares é ter de escutar o padre falar que o que você fez não é pecado e só te absolver por pura educação burguesa.

Mas… “Carlos, que exagero, o leigo pode falar, sim!” Claro que pode, desde que seja para concordar com os projetos dos mundanos para a destruição da Igreja. O que é o IL do Sínodo para a Amazônia senão o resultado de um grande projeto de “escuta”? Mas escuta somente “daqueles que concordam comigo”. A mesma coisa ocorre nas nossas paróquias. Experimente dizer algo contra o estado de coisas [erradas] que se instalaram em sua paróquia e veja o que acontece.

Ou seja, a gente fica “pianinho” na nossa por anos, perseguem-nos, avacalham a Igreja desde a liturgia até a catequese passando inclusive pela arquitetura do templo, não deixam você sequer usar um véu na missa em paz, e quando finalmente alguém ousa dizer: “é demais, meu padre, é demais, meu Bispo, é demais meu Papa, por favor, tenha piedade, faça alguma coisa quanto a essa situação”, aparecem sujeitos para falar: CESSE A GUERRA CONTRA O PAPA. É o mesmo que dizer a São Thomas More que ele devia era ter assinado o juramento a Henrique VIII e reservado suas queixas apenas para si mesmo. “Esse São Thomas More é um desbocado, onde já se viu ir contra o Rei e os Bispos, isso é falta de oração e empatia”, o coitado teria de escutar de alguns católicos dos nossos dias.

Então, vamos com calma. Se você não se sente confortável de tomar uma posição firme, não perca sua paz. Mas tenha a decência de ver também o lado de quem já não pode mais, também diante de sua consciência, permanecer calado. Pode-se criticar a arrogância? Sim. Pode-se criticar a irreverência? Sim! Mas censurar o leigo só porque ele ousa dizer a Herodes que ele não pode tomar a mulher do seu irmão, aí é demais, né? Vamos em frente.


Carlos Alencar Maria
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Centro Dom Bosco

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