quarta-feira, 2 de outubro de 2019

O diálogo no Sínodo da Amazônia



(IT, capítulo 4, números 36 a 42)

O diálogo do qual tratamos aqui é o diálogo evangelizador ao qual necessariamente o IT tem que se referir.

Esse diálogo tem como finalidade constitutiva, sem negar outras, “iluminar todos os homens e todos os povos (também os amazônicos) anunciando o Evangelho a toda criatura (Mc 16, 15), com a luz de Cristo que brilha e resplandece no rosto da Igreja” (Cfr LG1).

Qualquer outro diálogo ou qualquer outra finalidade do mesmo não responde nem ao ser nem à ação da Igreja que “existe para evangelizar” (Cristo crucificado e ressuscitado). Este não é um diálogo entre pessoas eruditas sobre culturas indígenas, mitos sobre o “bem viver” com a natureza, nem, muito menos, sobre a escatologia da “terra sem males”.

Não é uma reflexão conjunta ou um estudo respeitoso e participativo entre amigos, esforçado e perseverante, com a finalidade principal de “criar uma sociedade justa, capaz de memória e sem exclusões” (EG 238).

Isso significaria a morte do Evangelho e da Igreja. Esta ficaria reduzida à condição de uma grandiosa e imponente ONG universal, especialista em humanismo, chegando a ser a máxima expressão evolutiva da humanidade pela globalização da solidariedade.

Os protagonistas desta grandiosa ONG seriam os povos indígenas da Amazônia chamados pelo destino a esta missão histórica: Amazonizar a Igreja e, portanto, amazonizar o mundo! Isto é, irmãos, a torre de Babel!

Pelo contrário, o diálogo evangelizador tende necessariamente à comunicação alegre, amiga, confiante, segura e simples de que em Jesus de Nazaré, Filho de Deus, oferece-se a todos os homens a salvação integral (pessoal, social, ambiental, temporal e eterna), pela fé no “Deus que amou tanto o mundo, que lhe deu seu Filho único” (Jo 3, 16).

Tudo isso nos indica a grandeza e a transcendência de um diálogo cuja finalidade inclui, acima de tudo, a salvação presente e eterna através do amor crucificado, “único eixo cultural capaz de mudar as estruturas perversas da sociedade” (também indígenas) em estruturas justas (Aparecida 543), “pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3, 17).

Que esse diálogo seja absolutamente questionador e não careça de transcendência, de estudiosos de culturas indígenas ou de especialistas em ONGs amazônicas nos recorda a Palavra. “Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado” (Jo 3, 18).

A questão fundamental do diálogo evangelizador é a seguinte: “Libertar cada homem e todos os homens de qualquer tipo de escravidão que os oprima, sobretudo a escravidão do pecado e do maligno… na alegria de conhecer a Deus e de ser por ele conhecido” (EN 7. 9. 10).

Quem é o protagonista do diálogo? (IT 38). Tratando do diálogo evangelizador, obviamente não são os povos da Amazônia. Nem, tampouco, “de maneira especial os pobres e quantos são culturalmente diferentes” (IT 38). Eles são os primeiros e privilegiados destinatários da evangelização e, portanto, do diálogo (Lucas 4, 18 ss), que uma vez convertidos a Cristo serão efetivamente atores privilegiados do diálogo evangelizador.

As “outras doutrinas petrificadas” que se opõem à evangelização dialógica (Ibid) não são, obviamente, as doutrinas e mistérios que a Igreja proclama com gratidão a Deus no símbolo apostólico e retamente explicadas pelo Catecismo.

Por outro lado, a ambiguidade e as meias verdades que caracterizam o IT são evidenciadas na afirmação de que o diálogo é um processo de aprendizagem facilitado “pela abertura à transcendência” (EG 205). Na verdade, o texto deveria dizer que o diálogo salvífico é possibilitado pela “abertura à transcendência de Cristo, na qual toda a plenitude de Deus habita corporalmente” (Col).

“O relativismo e o nivelamento de todas as religiões e credos, afirmando que existem outros caminhos válidos para a salvação (IT 39), estão querendo negar a unicidade e exclusividade do caminho de Cristo. ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’. ‘Ninguém vai ao Pai se não por Mim… Eu e o Pai somos um. Quem me vê, vê o Pai…’. Isso não se confunde com nenhuma atitude corporativista (Ibid).

Conversão, Palavra, Pentecostes (IT 40). Novamente, o documento da REPAM (IT 40), construído com meias verdades, aparece como inútil. A verborragia e a imprecisão do mesmo nos dão a sensação de vertigem. Por exemplo, o conceito de conversão dos corações endurecidos só é possível a partir da “pregação do mistério pascal e do arrependimento para o perdão dos pecados a todas as nações” (Lucas 24, 44ss; Atos 2, 38). Arrependimento que é originado exclusivamente pela “convicção do pecado suscitada pelo Espírito Santo, porque não creem em Mim” (Cf. Jo 16, 8ss). É exclusivamente na direção de Cristo que se encontra a salvação pela fé.

Tampouco a partilha das verdades com a humanidade inteira, se não se compartilha a Palavra, a Verdade que se fez carne e habitou entre nós e “vimos a sua glória” (Jo 1, 14). O diálogo não transforma a mentalidade de ninguém, nem dos povos amazônicos.

A confusão se torna heresia quando se supõe que ainda tem que acontecer o nascimento da Igreja “que caminha em busca de sua identidade em direção à unidade do Espírito Santo”.

O diálogo não é pentecostal porque é a origem da Igreja, mas porque o acontecimento de Pentecostes, gerando a Igreja, fez desta uma Igreja missionária e evangelizadora.

Porque a Igreja não é gerada pelo diálogo. Ela existe antes de nós. É através do batismo que formamos o Corpo de Cristo: “Em um só Espírito fomos batizados todos nós, para formar um só corpo” (1Cor 12, 13).

Porque nossa unidade eclesial na única Igreja cresce e alcança sua plenitude não no diálogo, mas no sacramento do Corpo e Sangue do Senhor: “O cálice de bênção, que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo?”. (1Cor 10).

Por último, “o encontro com o outro não nos mostra a impenetrabilidade da realidade e do mistério de Deus” (IT 40). Se Ele não se revela, não há probabilidade de nenhum conhecimento nem de acesso real ao Deus de Jesus Cristo, se não for por meio dele e em seu Espírito.

Profetismo (IT 42).

O silêncio sobre o acontecimento de Pentecostes reduz o profetismo na Amazônia a propostas éticas, orientações moralistas, ações esforçadas, visão precisa do que precisa ser feito. Sem a “profunda experiência de Pentecostes que transformou os apóstolos e os tornou testemunhas e profetas” (RM 24), os gritos e cânticos de dor e de júbilo da Igreja profética na Amazônia serão perdidos no silêncio e no vazio sem mudar o rumo da história nem criar qualquer novo caminho para a mesma. A opção preferencial pelos pobres nesse caso será tímida, necessariamente desprovida de vigor e completamente inútil. Sem o Espírito Santo criador, regenerador, o Espírito que dá vida à natureza e sentido à sua história, “que procede do Pai e do Filho” e sem o qual não há nada saudável no mundo, nada digno, nada santo ou humano, o profetismo na Igreja e na Amazônia sobre propostas concretas de ecologia integral, de diálogo entre os povos, culturas e territórios, o clamor da terra e dos pobres (IT 42), tudo se torna fóssil, a ecologia integral nas cinzas e na fumaça das queimadas, a teologia da natureza e da história, em pura poesia teológica e ambiental.

“Não havia Espírito porque Jesus não havia sido crucificado e glorificado” (Jo 7, 37). Sem o Pai dos pobres, que é o Espírito Santo, estes morrem inevitavelmente.

Por último, quem é um profeta? Todas as Escrituras do Antigo e do Novo Testamento o proclamam: “Se a palavra que proclama o profeta for cumprida, eu o enviei. Caso contrário, ele é um falso profeta. Eu não o enviei”.


Dom José Luis Azcona,
Bispo Emérito de Marajó

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